Condenação de 50 mil: Paulo Henrique Amorim derrota Gilmar Mendes na justiça

A sentença cita a Constituição Federal, que assegura "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação"

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A sentença cita a Constituição Federal, que assegura "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação" Da Redação* O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, foi derrotado na justiça em ação que movia contra o jornalista Paulo Henrique Amorim. A sentença dada pela juíza Indiara Arruda de Almeida Serra, nesta quarta-feira (6), cita a Constituição Federal, no artigo 220, que assegura "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". A ação foi proposta por Gilmar Mendes no intuito de ser compensado por supostos danos morais decorrentes da publicação de texto intitulado "Convocação nas redes: focar no Gilmar!", realizada por Paulo Henrique Amorim, em maio de 2016, no seu blog "Conversa Afiada". De acordo com Paulo Henrique, não só o post, mas “sobretudo a charge magnífica do Bessinha que o acompanhava, deram origem a uma furiosa ação judicial do Ministro Gilmar Mendes, que, aliás, tem o hábito de processar jornalistas na Justiça”. CangaceiroGilmar.jpg A charge do Bessinha Paulo Henrique receberá de Gilmar Mendes, a título de indenização, R$ 50 mil, 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. A seguir a íntegra da sentença: TJDFT - Consulta Processual Circunscrição: 1 - BRASILIA Processo: 2016.01.1.119733-8 Vara: 202 - SEGUNDA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 2ª VARA CÍVEL DE BRASÍLIA Processo: 2016.01.1.119733-8 Classe: Procedimento Comum Requerente: Gilmar Ferreira Mendes Requerido: Paulo Henrique dos Santos Amorim Sentença Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por GILMAR FERREIRA MENDES em desfavor de PAULO HENRIQUE DOS SANTOS AMORIM. Narra que o requerido é jornalista e responsável pela publicação de texto intitulado "Convocação nas redes: focar no Gilmar!", no blog conversa fiada de sua propriedade; que a conduta do requerido está pautada em abuso no exercício da liberdade de informar e da liberdade de manifestação de pensamentos; que o requerido utilizou o blog no intuito de convocar perseguição contra o autor, mediante ofensiva intimação com a finalidade de atingir a sua honra. Tece arrazoado jurídico sobre responsabilidade civil e critérios para fixação do quantum indenizatório por dano moral. Ao final, requer a condenação do requerido ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Com a inicial, trouxe documentos (fls. 29/33). Devidamente citado (fl. 71), o requerido apresentou contestação e documentos (fls. 73/105). Defende que da leitura da publicação não se infere nenhuma ofensa, tampouco fato passível de indenização; que o fato está enquadrado em manifestação crítica permitida pela Constituição Federal; que repassou o texto no exercício da profissão de jornalista; que a crítica está respaldada na liberdade de expressão e de informação. Réplica às fls. 108/160. Decisão de fl. 168 indeferiu abertura de fase instrutória. Os autos vieram conclusos para sentença. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir. Julgo antecipadamente o mérito, por ser despicienda a produção de outras provas, além dos documentos trazidos aos autos. No mais, decisão preclusa indeferiu pleito de abertura da fase instrutória, o que autoriza o julgamento antecipado do pedido, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, não existindo preliminares ou outras questões pendentes, passo a análise do mérito. A ação foi proposta pelo autor, no intuito de ser compensado por supostos danos morais decorrentes da publicação de texto intitulado "Convocação nas redes: focar no Gilmar!", realizada pelo requerido no blog denominado "Conversa Afiada". Contudo, razão não lhe assiste. A responsabilidade civil extracontratual tem como fundamento o artigo 186 do Código Civil: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". De acordo com a doutrina de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, "(...) o núcleo da responsabilidade civil reside no inexorável pressuposto do dano injusto que possa ser imputado a uma pessoa" (in Curso de Direito Civil, volume 3, edição 2014, ed. Juiz Podivm). No presente feito, porém, não ficou caracterizado ato ilícito praticado pelo réu, pois a conduta foi exercida nos limites do direito constitucional de liberdade de expressão. Com efeito, a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso X consagra a inviolabilidade da intimidade, vida, honra e imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Por outro lado, o artigo 5º, inciso IV, estabelece que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Especificamente, quanto aos meios de comunicação, a Constituição Federal, no artigo 220, assegura que "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". No conflito entre duas posições protegidas como direitos fundamentais, imprescindível realizar juízo de ponderação para, diante das particularidades do caso concreto, identificar a precedência relativa de uma sobre a outra. No caso, o exame da publicação revela que o requerido repassou em blog texto denominado "Convocação nas redes: focar no Gilmar!", acompanhado de caricatura. Merece destaque o fato de o autor ocupar relevante cargo público o que, consequentemente, desperta o interesse da sociedade e da mídia. No exercício da profissão, o autor inevitavelmente julga casos polêmicos e adota posições que vão de encontro à opinião pública. Consequentemente, está exposto a severas críticas, não sendo legítimo limitar o direito à informação, crítica e liberdade de expressão. Registro, aliás, que a liberdade de expressão um dos mais relevantes direitos fundamentais, essencial ao regime democrático. A Declaração de Chapultepec, importante carta de princípios sobre o assunto, enfatiza que "uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade. Não deve existir nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação". Já a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, internalizada no Direito Pátrio por meio do Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992, ao tratar da Liberdade de Pensamento de Expressão, no artigo 13 registra: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores (...) 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radiotelegráficas ou de equipamentos ou aparelhos utilizados na difusão da informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. O exercício do direito de expressão, por profissionais da imprensa, permite não só a divulgação da informação, mas também que sejam expostas opiniões e críticas, por mais duras que elas sejam. O Ministro Celso de Mello, no voto proferido no ARE 722.744, esclarece que "não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar". Nesse diapasão, a caricatura divulgada, embora possua conteúdo cômico e sarcástico, no contexto em que foi apresentada exprime o exercício do direito de crítica. Da mesma forma, as expressões utilizadas, ainda que grosseiras e ásperas, também evidenciam o ânimo de crítica e censura à atuação profissional do autor. Essa situação, por si só, não caracteriza ilícito, pois o autor, na qualidade de agente político, está sujeito ao interesse público e, consequentemente, opiniões negativas e reprovações, ainda que infundadas e desprovidas de argumentos técnicos, por parte da coletividade. Acrescento que a convocação em rede social para que movimentos populares "se concentrem" no autor não caracteriza a alegada 'caçada', mas sim incentivo ao exercício da cidadania e ao pleno conhecimento da atuação de um membro do órgão de cúpula do Poder Judiciário. Aliás, Constituição Federal garante, em regra, a publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, conforme artigo 93, IX. A partir da transmissão dos julgamentos pelo canal TV Justiça, a população passou a ter um maior acesso e interesse na atuação da Corte. Ao passo que a exibição das sessões ampliou a publicidade e transparência dos julgamentos, evidentemente que a atuação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal passou a estar sujeita a maiores críticas e reprovações. É certo que nenhum direito é ilimitado. Se houver abuso no exercício, caracterizado pelo evidente ânimo de difamar ou injuriar, o ofensor terá o dever de reparar o dano provocado, nos termos do artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal. O caso dos autos, porém, não caracteriza abuso por parte do réu, pois não há prova de deliberada intenção de atingir a honra do autor. A ofensa que deve ser combatida é aquela deliberadamente exposta no intuito de lesar a vítima, o que não se vislumbra no caso. Não obstante as críticas divulgadas, o réu não imputou qualquer fato específico ou ofensa direta ao autor. Houve sim um claro exercício do direito de manifestar opinião de forma contundente e sarcástica. Logo, não constitui abuso no exercício do direito de informação repassar mensagem que convoca a sociedade a acompanhar a atuação de agente político ainda que permeada de conteúdo crítico. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal decidiu o seguinte: Liberdade de expressão. Profissional de imprensa e empresa de comunicação social. Proteção constitucional. Direito de crítica: prerrogativa fundamental que se compreende na liberdade constitucional de manifestação do pensamento. Magistério da doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADPF 130/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - AI 505.595-AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Jurisprudência comparada (Tribunal Europeu de Direitos Humanos e Tribunal Constitucional Espanhol). O significado político e a importância jurídica da Declaração de Chapultepec (11/03/1994). Matéria jornalística e responsabilidade civil. Excludentes anímicas e direito de crítica. Precedentes. Plena legitimidade do direito constitucional de crítica a figuras públicas ou notórias, ainda que de seu exercício resulte opinião jornalística extremamente dura e contundente. Recurso extraordinário provido. Consequente improcedência da ação de reparação civil por danos morais. (ARE 722.744/DF - Ministro Celso de Mello) O assunto também já foi apreciado pelo eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, conforme a ementa abaixo transcrita: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DANO MORAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE IMPRENSA. DEVER DE INFORMAÇÃO. INTIMIDADE. VIDA PRIVADA. PONDERAÇÃO. 1. O jornalista exerce, em suas atribuições profissionais, um munus, v.g., encontra-se no exercício regular de um direito. Com isso, não comete qualquer ato ilícito nesse exercício, e por ele somente poderá responder por eventuais abusos ou comprovada má-fé nesse exercício, na intelecção do art. 187, CC. 2. A missão do julgador, portanto, se resume em perquirir se a imprensa, no exercício de sua liberdade de expressão, pensamento e informação (Constituição Federal, arts. 5º, incisos IV, V e X; 220, 186, Código Civil, e 12 e seu parágrafo único da Lei nº 5.250/67), (i) se revestiam de interesse público, mínimo que fosse; (ii) extrapolaram de alguma forma os limites de razoabilidade e de proporcionalidade do exercício da atividade informativa e/ou opinativa reconhecida à imprensa ante a garantia constitucional atinente à liberdade de expressão, pensamento e informação; (iii) configuraram abuso no exercício pessoal da liberdade de manifestação do pensamento e informação; (iv) teriam implicado, por qualquer modo, dolosa ou culposamente, dano à honra subjetiva ou objetiva do autor, ou ainda à sua imagem ou à sua intimidade. Suplementarmente, em tal contexto, o julgador avaliaria se teria havido, nesse proceder dos réus, em sua atividade empresarial ou profissional ligada à atividade de comunicação, algum ânimo de prejudicar, injuriandi, difamandi ou caluniandi, ou ainda se, a qualquer título, teria ele se havido com má-fé, na forma do art. 187, CC.3. Em casos que tais, impõe-se uma avaliação da situação aplicando-se, aos fatos e às suas conseqüências, critérios de ponderação e proporcionalidade. Efetuada essa tarefa, conclui-se que não restou configurada qualquer lesão à honra, objetiva ou subjetiva, ou à imagem dos apelantes, à conta da conduta dos réus. 4. Apelação conhecida e não provida. (Acórdão n.814093, 20090110416213APC, Relator: SILVA LEMOS, Revisor: NÍDIA CORRÊA LIMA, 3ª Turma Cível, Data de Julgamento: 30/07/2014, Publicado no DJE: 27/08/2014. Pág.: 127) Dessarte, por não estar provada qualquer intenção caluniosa ou difamatória, os pedidos do autor não procedem. Diante do exposto, decidindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial. Em razão da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Com o trânsito em julgado, sem requerimento de cumprimento da sentença, dê-se baixa e arquivem-se os autos. Sentença registrada eletronicamente nesta data. Publique-se. Intimem-se. Brasília/DF, 6 de dezembro de 2017. Indiara Arruda de Almeida Serra Juíza de Direito Substituta