Contrariando a OMS, Ministério da Saúde veta termo "violência obstétrica" por "viés socialista"

Governo Bolsonaro segue orientação de entidades de classe para proibir termo, que teria sido importado com "viés socialista", segundo relator do Conselho Federal de Medicina. No Brasil, 1 em cada 4 mulheres sofre violência obstétrica

Foto: Carla Raiter/Projeto 1:4
Escrito en POLÍTICA el
Um despacho assinado pela Coordenador(a)-Geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, na última sexta-feira (3) determina que seja abolido o termo "violência obstétrica" no Ministério da Saúde. Afirmando não haver "consenso" quanto à definição do termo, o documento cita uma tratativa da própria Organização Mundial da Saúde (OMS) que define a violência obstétrica como "“uso intencional de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”. Segundo o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), em 2010, uma em cada 4 mulheres é vítima de violência obstétrica no Brasil. No documento, emitido na última sexta-feira, no entanto, o ministério diz avaliar que o termo “tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério”. A justificativa, informa, estaria na definição do termo violência pela Organização Mundial de Saúde, que “associa claramente a intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido.” “Percebe-se, desta forma, a impropriedade da expressão 'violência obstétrica' no atendimento à mulher, pois acredita-se que tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”, informa. Viés socialista Segundo reportagem de Natália Cancian, na edição desta terça-feira (7) da Folha de S.Paulo, em nota, o Ministério da Saúde diz que o posicionamento foi feito a pedido de entidades médicas. No ano passado, documento do Conselho Federal de Medicina passou a recomendar que a expressão não fosse utilizada por considerar que seu uso "tem se voltado em desfavor da nossa especialidade, impregnada de uma agressividade que beira a histeria, e responsabilizando somente os médicos por todo ato que possa indicar violência ou discriminação contra a mulher”. À Folha o relator, Ademar Carlos Augusto, diz ter elaborado o documento devido à proliferação de propostas de leis sobre violência obstétrica. “O que a gente percebe é que existe um movimento orquestrado de algumas instituições de trazer para o médico obstetra a responsabilidade pela situação caótica que está a assistência à gestante", diz ele, para quem a definição tem "viés ideológico". "Essa discussão veio importada de países com viés socialista, e o Brasil também adotou”, diz, em referência às leis da Argentina e Venezuela.