Elio Gaspari: Fala de Gilmar Mendes acorda o "vírus" do AI-5

Autor da coleção Ilusões Armadas, sobre a ditadura, Gaspari resgata "conspiração palaciana" que levou a criação do AI-5 e traça um comparativo com a reação dos militares à fala do ministro do STF: "Golpistas precisam dizer que o que eles querem é uma ditadura"

Gilmar Mendes (Foto: STF)Créditos: STF
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Em sua coluna nesta quarta-feira (15) no jornal O Globo, o jornalista veterano Elio Gaspari, autor da coleção Ilusões Armadas, sobre a ditadura no Brasil, diz que o episódeio em torno da fala de Gilmar Mendes - de que os Exército teria se associado ao genocídio promovido por Jair Bolsonaro na pandemia do coronavírus - acordou o vírus do Ato Institucional número 5, o AI-5.

"Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República. Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5. Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Marcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo", recorda o jornalista.

Segundo Gaspari, à época, o ministério da Justiça era ocupado por Jayme Portella de Mello, uma "tatarana". "A cabeça militar dessa urdidura foi a de um general miúdo, conspirador incorrigível", disse ele, definindo o então ministro, que foi para escanteio anos depois, sem ter conseguido a quarta estrela.

O episódio, de acordo com o escritor, teria sido repertido sete anos depois pela mesma ditadura.

"Num discurso, o senador Leite Chaves protestou pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog: 'Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS'. O ministro Sylvio Frota foi ao presidente Ernesto Geisel e, supondo falar em nome do Alto Comando, exigiu a cassação do senador", conta Gaspari.

"Quando Frota entrou no gabinete de Geisel, esta foi a cena, nas suas palavras: 'Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês!', continua.

O jornalista conta que o "episódio foi diluído" e traça um panorama com o cenário atual e o episódio envolvendo o ministro do STF.

"As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso, os golpistas precisam dizer que o que eles querem é uma ditadura".