Escola com partido: Bolsonaristas aparelham gestão de escolas públicas, denunciam professores

Apoiadores do presidente investem em campanhas caras, "semelhantes as de vereador", com carro de som, faixas e camisetas, para disputar as eleições de gestão e impor a pauta bolsonarista nos colégios

Arquivo/Agência Brasil
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Professores de escolas públicas do Rio Grande do Sul e Paraná têm observado um aumento do número de educadores bolsonaristas que ocupam cargos de direção nos colégios. Segundo relatos, apoiadores do presidente investem em campanhas caras e, ao ganharem as eleições diretivas das escolas, passam a impor a agenda bolsonarista e a ameaçar professores da oposição.

Em São Leopoldo, município da região metropolitana de Porto Alegre, a professora Daniela Araújo contou à Fórum que alguns professores bolsonaristas da escola municipal que lecionava contrataram carros de som, faixas e camisetas com dizeres de apoio ao projeto "Escola sem Partido" para concorrer nas eleições diretivas de 2019.

O investimento alto chamou a atenção de Daniela, assim como o aumento de profissionais da educação a aderirem ao discurso bolsonarista contra "ideologia de gênero" e "kit gay".

"Eu me espantava, porque nós não temos um salário tão alto. Era uma estrutura de eleição de candidato a vereador. As pessoas que olhavam deviam pensar 'nossa, não precisam de dinheiro, estão ganhando muito bem'. Essa chapa que venceu pagou até estudante para fazer campanha, fizeram festas. Isso não foi só na minha escola, foi em todo o município", conta.

De acordo com a professora, o aumento de professores bolsonaristas pode ser percebido a partir de 2018, quando Jair Bolsonaro ainda era candidato. "Incrivelmente, mais de 80% das escolas de São Leopoldo apresentavam uma chapa com um ou mais bolsonaristas. Eram pessoas ligadas politicamente a campanha de Bolsonaro ou que apoiavam o Escola sem Partido, assim como a desvalorização da metodologia de Paulo Freire", conta a professora.

A chapa bolsonarista ganhou as eleições na escola onde Daniela lecionava, sendo este um dos motivos que a levou a buscar outro local de trabalho, apesar dos mais de 15 anos de atuação no antigo colégio. Ela, que fazia parte do conselho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) de seu município, conta que chegou a sofrer ameaças dos novos membros da direção do colégio, inclusive de demissão.

"'Nem na rua a senhora vai poder trabalhar'", ouviu a professora de um dos bolsonaristas. "Fiz todos os trâmites e registrei em ata a ameaça", revela. Os ataques, no entanto, continuaram. "Ele simplesmente ficava fora do portão da escola me detonando para alunos e para pais de estudantes, dizendo que eu era louca e fofoqueira", afirma.

Em escolas de Cascavel, zona oeste do Paraná, os relatos são semelhantes. O professor Daniel Matoso, presidente da unidade do APP Sindicato no município, afirma que há um lobby com vereadores da cidade para que professores bolsonaristas ocupem espaços de poder, como conselhos diretivos e escolares, para aparelhar a educação com a pauta do governo.

"Temos um aparelhamento dos quadros bolsonaristas ligados a essa ideologia nefasta, do ultra neoliberalismo, com características neofascistas, e que tentam impor a sua ideologia da morte, do rigor da Bíblia, da imposição da ideologia neopentecostal e assim por diante", conta.

"Nós temos uma Câmara de Vereadores predominantemente de pastores evangélicos. Fazemos aquele debate necessário para tentar emplacar alguém dos nossos, apesar do lobby feito pelos vereadores", continua.

Além das escolas, Daniel afirma que o conselho estadual de educação do Paraná também está com um número maior de bolsonaristas, algo que vem desde a gestão de Beto Richa (PSDB) e, posteriormente, com Ratinho Jr (PSD). De acordo com ele, apenas uma professora ligada ao APP Sindicato atua no conselho escolar do estado.