Estadão não quer Bolsonaro, mas não aceita Lula – por Juca Ferreira

Se houvesse pluralismo na imprensa, o país ganharia um espaço para o contraditório, com todos os campos políticos e ideológicos se manifestando e expondo suas ideias

Lula em entrevista à TV PT (Reprodução)
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O editorial do Estadão desse domingo é forte e contundente. O editorial contribui para isolar a saída autoritária para a atual crise política brasileira, mas não é pela democracia que estão contra Bolsonaro, como o texto deixa a entender.

Essa direita que o Estadão é parte nunca aceitou a democracia funcionando livremente, movida pela vontade popular como manda o ideário da democracia liberal.

Compromisso com a democracia seria aceitar a possibilidade de que, independentemente da concordância, seja eleito o projeto político que a maioria do povo brasileiro considere o melhor para o país e capitaneado pelo líder que a população desejar ver como presidente da República.

As nossas elites e o Estadão ainda não admitem que a vida democrática do país possa seguir o caminho da superação desses tempos sombrios sob liderança do ex-presidente Lula. Não admitem que a sociedade possa avançar na democracia e enfrentar as nossas mazelas históricas, tais como a profunda desigualdade social e outras causas que atualmente nos fazem uma nau sem rumo histórico e sem possibilidade de ser a grande nação que temos condições de vir a ser.

Se houvesse pluralismo na imprensa, o país ganharia um espaço para o contraditório, com todos os campos políticos e ideológicos se manifestando e expondo suas ideias. Essa direita clássica, representante dos interesses das classes dominantes, teria que vir para o jogo político afirmar suas ideias e projetos e isso poderia contribuir para deixarmos de ter a violência como principal linguagem política, o autoritarismo e o golpismo como método e a mediocridade política como ambiente.

Para a nação e a sociedade evoluir de maneira civilizada, enfrentando os desafios que a realidade nos impõe, sem os traumas e rupturas constantes no Brasil e na América Latina, se faz necessário que a vida democrática funcione como um sistema baseado na explicitação do dissenso e a vida política abrigue o enfrentamento de projetos distintos para o país e possibilite a construção de consensos e pactuações, e que as instituições cumpram suas missões.

Se assim funcionasse o Brasil desde a proclamação da República, já estaríamos bem mais perto de uma sociedade civilizada e o país teria projetos e soluções profundas e negociadas à luz do dia, através de um grande debate nacional, algo que é fundamental para a consolidação e existência da democracia no país.

Este editorial, que é bom que tenha sido escrito, é muito positivo neste momento de definições estratégicas acerca do futuro do país e contribui para isolar o projeto de um novo golpe que está sendo articulado pelo presidente em queda livre.

Bolsonaro não tem o mínimo de educação democrática nem respeito pelos seus mecanismos e pelas instituições da República e, quanto mais ele se inviabiliza eleitoralmente, mais agressivo e violento tenderá a se comportar.

Por isso, esse editorial é importante, ajuda a frenar as FFAA no afã de embarcar na aventura bolsonarista.

Esse editorial, porém, é, sob o ponto de vista mais duradouro, parte de uma guinada política que vem se dando no andar de cima da nossa sociedade, marcada pela desistência de continuar apoiando e dando sustentação ao atual presidente.

A nova estratégia é tirar Bolsonaro, o mais rápido possível, para construir uma candidatura sem os limites bolsonaristas mais grosseiros, para tentar conseguir a adesão majoritária dos eleitores e tentar derrotar o ex-presidente Lula nas eleições de 2022.

Enquanto Bolsonaro tenta atraí-los para um golpe, as elites econômicas mais importantes com capacidade de influenciar na definição dos próximos passos do país, o famoso “mercado”, a famosa Faria Lima, estão tendendo a se afastar de Bolsonaro e inventar uma candidatura para tentar não afundar junto com o genocida que eles ajudaram a eleger.

O objetivo é mudar, para que tudo que verdadeiramente interessa continue no mesmo caminho.

O candidato que procuram ansiosamente terá que ser comprometido com o mesmo projeto neoliberal que o atual governo está aplicando com grandes sofrimentos para o povo brasileiro e com um grande potencial de destruir o futuro do país.

Não vai ser fácil, Bolsonaro não está morto politicamente. Não demonstra capacidade de vir a se reeleger, mas arregimentou forças sociais e apoios em instituições com poder de fogo que não pode ser subestimado por ninguém.

A estratégia das elites, para dar certo, precisa do campo democrático e da esquerda e vai ter que apoiar e incentivar as manifestações de rua para terem as condições necessárias para seus objetivos táticos.

Aí mora uma dificuldade: se o campo democrático e a esquerda crescem, Lula cresce mais ainda como a melhor alternativa para enfrentar Bolsonaro e retomar o caminho do desenvolvimento com democracia, mas ameaça a desejada - por eles - continuidade do projeto neoliberal.

As mudanças e movimentos conjunturais estão se dando velozmente e passaram a ter muita importância para o destino do Brasil a curto prazo. Vamos precisar compreender tudo que está em jogo, até os detalhes, para definir o melhor caminho da acumulação de forças do campo democrático e popular.