Estado Nacional e outros aforismos, por Murilo Ferreira

O Estado nacional sempre teve a função de zelador de interesses de poderosos setores econômicos e suas frações de classes

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Por Murilo Ferreira* Muito se tem a dizer das funções políticas e econômicas da burguesia brasileira, com suas frações e diversidades, e como é incapaz de coesionar interesses genuínos e de classe. Pouco se aprofundou ainda sobre o pragmatismo histórico das principais classes dominantes, a burguesia industrial, a burguesia comercial importadora e, mais recentemente, a burguesia financeira. Isso, provavelmente, pela concepção idealista tão presente entre nós de burguesia nacional, alimentando uma expectativa fantasiosa de projeto nacional e de aliança de interesses entre os setores produtivos hegemônicos e o campo popular e democrático quando, na verdade, os principais setores da economia nacional sempre estiveram tendencialmente - e estão - em forte associação ao capital estrangeiro e, em especial, ao imperialismo estadunidense. Nunca esteve nos planos da "burguesia nacional" qualquer postura de ruptura com o capital estrangeiro, pelo contrário, sempre o consideraram um pilar estruturante do desenvolvimento nacional, uma vez que se orientassem para abrir novos setores e ramos produtivos, produzissem uma massa maior de mais-valia, importassem novos equipamentos, métodos e técnicas produtivas e incrementassem o mercado interno - através de salários - em setores como a indústria têxtil, de alimentos e demais bens populares, onde sempre foi forte a presença dos empresários nacionais. Para o setor de bens de capital em formação também se constituía uma fonte importante de demanda interna. Nesse arranjo foi importante a função do Estado como criador de infraestrutura industrial na siderurgia, mineralogia e bens intermediários, assim como fornecer subsídios e proteção tarifária e alfandegária para a indústria nacional equiparar-se em competitividade, produtividade e qualidade com os empreendimentos estrangeiros. A manutenção do arrocho salarial também foi um compromisso inalienável entre as classes dominantes para manter em elevado patamar a lucratividade e o incentivo aos investimentos. A falta de autonomia e independência em nossa estratégia de desenvolvimento foram características marcantes do modelo, pois as regras do jogo eram determinadas por quem o financiava, no caso, em grande parte, o capital estrangeiro. Por isso, também, as classes dominantes sempre recorreram a rupturas democráticas, pois quando o processo democrático propiciava um maior debate sobre as causas da pobreza e do atraso no desenvolvimento do tecido econômico e social, devido a um elevado grau de estrangulamento da sociedade e de exploração das classes subalternas, obviamente que ameaçava todo o arranjo espúrio e subserviente com o capital internacional. Na fase do neoliberalismo e da sobreposição dos interesses financeiros sobre os interesses produtivos, o arranjo espúrio e subserviente se mantém em nome das altas finanças e das estratégias dos grandes centros financeiros, com o capital nacional tendo uma participação ativa e proeminente nesse consórcio. O Estado nacional sempre teve a função de zelador de interesses de poderosos setores econômicos e suas frações de classes. Se antes, no período de 1930-1980, como interventor na função de planejar, estruturar, subsidiar, conduzir e orientar os investimentos privados e produtivos; agora, superado ainda que parcialmente o ciclo da industrialização, como guardião do orçamento público na função de garantir e sustentar os ganhos dos mercados financeiros e dos capitais especulativos. Até mesmo o desenvolvimento de uma ampla e moderna infraestrutura nacional, definida como uma etapa superior do ciclo de industrialização, o que reduziria o custo de operação das empresas e da economia em geral, e com forte impacto na elevação da produtividade, constitui uma ameaça para os interesses do arranjo espúrio e subserviente, já que na concepção pragmática dos nossos industrialistas mais vale apostar nas finanças, pois o lucro é certo e garantido, do que apostar nos riscos que envolvem a produção. Na crise, a melhor opção é a retração nas expectativas. E esse é o clima geral, não somente da economia, mas da sociedade brasileira como um todo. Não há expectativas. *Murilo Ferreira é professor. Mestre em Economia Rural pela UFLA (Universidade Federal de Lavras)