Exclusivo: “Estamos construindo a frente ampla”, diz liderança do Cristãos contra o Fascismo

O movimento, surgido em 2018, vai lançar 42 candidaturas espalhadas pelo Brasil em 7 partidos diferentes

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"A frente ampla é uma ideia que precisa ser construída. Se ninguém está fazendo, nós estamos”, foi o que disse Diana Brasilis, umas das lideranças do movimento Cristãos contra o Fascismo em São Paulo. Ela faz parte de uma das candidaturas lançadas na Bancada das Cristãs e Cristãos Contra o Fascismo e vai concorrer pelo PDT à Câmara Municipal de São Paulo nas eleições municipais de 2020.

Em uma eleição que é apontada como um grande teste de popularidade para o presidente Jair Bolsonaro e para as esquerdas em meio ao avanço de uma agenda de extrema-direita e neoliberal no país, o grupo pretende dar uma resposta com a articulação de diversos ativistas e movimentos sociais que se organizam contra o avanço do fascismo nas igrejas.

A bancada lançada pelo grupo possui 42 candidaturas ao pleito de novembro divididas em PSOL, PDT, PT, UP, PC do B, Rede e Cidadania. "Com as candidaturas que vencerem, seremos capaz de dar voz nas câmaras municipais a essa construção contra o fascismo. O combate não é só o falar, é agir também. O fascismo se alimenta de desigualdade, quanto mais desigual, mais ele se enraíza. A fome está voltando. Eu já passei fome, é uma dor horrível. Fascismo não se combate, não se dialoga. Dialoga quando há espaço para o diálogo", declarou.

A ativista fez questão de destacar que o movimento não atua sozinho, mas articulado com outras frentes e que é importante o diálogo onde for possível estabelecê-lo. "A gente está sempre conectado, não tem como fazer as coisas sozinhos. Temos que nos unir com nossos irmãos e irmãs e isso é bom que aconteça porque encoraja a criação de outros movimentos."

"O objetivo da Bancada das Cristãs e dos Cristãos contra o fascismo nasceu para que houvesse essa aproximação dos partidos de esquerda porque a gente notou que quando se fala de antifascismo a esquerda consegue se aproximar. É um lugar de encontros, de luta. É aqui que a gente se encontra", disse.

Brasilis destacou que a exclusão nas igrejas foi um dos motores para o surgimento do grupo, que se consolidou em meio aos movimentos contrários ao presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Um dos primeiros expoentes do grupo foi o pastor Tiago Santos, que concorre nessas eleições em uma candidatura coletiva em Porto Alegre, pelo PSOL.

Esse modelo de candidatura, bastante presente na disputa de 2020, também foi exaltado pela ativista. "Isso acaba aproximando o mandato do povo. Não é mais aquela eleição com aquelas pessoas que você vê há muitos anos. Isso para mim se parece mais com democracia, o povo toma conta das eleições. É pelo povo, para o povo", afirmou.

Confira e entrevista na íntegra:

Bom, queria começar perguntando o mais geral, digamos assim. Como foi o surgimento do movimento e como se construiu essa bancada para as eleições de 2020?

Surgiu em 2018 porque pessoas estavam saindo das igrejas porque estavam sendo perseguidas, ameaçadas de morte, em razão do crescimento da ideologia fascista nas igrejas. Não quer dizer que esteja em um índice alto ainda.

Havia uma Igreja Batista em Porto Alegre que tinha o Tiago Santos, que foi um dos fundadores. Ele estava passando por essa situação, com pressões pelos posicionamentos que ele tinha de querer trazer para a igreja pessoas que geralmente não eram vistas nas igrejas, como eu, pessoas pretas, da diversidade... A partir daí começou a buscar outras atividades e passou a fazer encontros dentro de casa com leitura bíblica e, enquanto isso, havia um grupo de mulheres que estava também fazendo a mesma coisa e em algum momento se encontraram no ano de 2018 e culminou com o movimento Ele Não, o Mulheres Contra Bolsonaro. E partir daí surgiu o Cristão contra o Fascismo. Foi criada a página e começou a bombar. As pessoas começaram a procurar.

A partir daí, surgiu um movimento dentro do próprio movimento, chamado Liberta, de igrejas libertárias. Somos 30 e funcionávamos em parques, cafés, nas casas das pessoas, em salões. Já temos mais de 30 desses grupos no Brasil. Em São Paulo, onde estou mais próxima, temos na Luz, São Caetano do Sul, Osasco, Praia Grande, São Vicente.

A maioria funciona nas periferias e lugares de maior vulnerabilidade, como o centro de São Paulo. Na Luz, ele funciona junto com uma igreja. Ali é o encontro de vários movimentos, de movimentos antirracistas, movimentos de mulheres, de pessoas refugiadas. É todo um encontro. A gente se estabeleceu ali também porque a gente acredita que tem a mesma visão.

E os nossos encontros são de fé, de vida, e também para a consciência com relação ao crescimento do fascismo: o que é o fascismo, como combater. Atualmente, estamos mais online, por meio de lives.

O Cristãos contra o Fascismo também atua com a judicialização de algumas causas, como o feijão mágico do pastor Valdomiro Santiago, que era um atentado à saúde pública. E também lançamos notas contra algumas situações, como o episódio da apresentadora Ana Paula Valadão. Não dá nem para chamar de pastora uma pessoa que fala que a culpa da AIDS é da população LGBTQIAP+.

Então, é um movimento que se articula muito com outras frentes, outros movimentos, né?

A gente está sempre conectado, não tem como fazer as coisas sozinhos. Temos que nos unir com nossos irmãos e irmãs e isso é bom que aconteça porque encoraja a criação de outros movimentos... Um exemplo disso foi a criação do Movimento de Mulheres Evangélicas do Brasil, surgido para começar a ter o diálogo com as mulheres evangélicas de direita para começar a ter o fim desse ódio.

Uma mulher evangélica consegue conversar muito mais com outra mulher evangélica, mesmo que ela esteja tomada por aquela manipulação. A gente ainda consegue conversar. Há essa aproximação. Existem também outros movimentos cristão feministas que lutam bastante contra a questão da violência doméstica, principalmente entre mulheres evangélicas. Não sei se você sabe, mas um levantamento da pesquisadora Valéria Sena mostra que 40% das mulheres vítimas doméstica são evangélicas. [A pesquisa é de 2016, confira aqui, no portal Geledés].

Mas qual era mesmo a outra pergunta?

De como foi a formação dessa bancada. Mas queria emendar em uma pergunta também frentes amplas. O movimento se coloca como suprapartidário, com candidaturas em diversos partidos. Nas eleições deste ano não vimos uma ampla concertação partidária “antifascista”. Como o movimento enxerga essa ausência de uma frente ampla? E qual a sua opinião sobre isso?

Essa bancada é realmente uma resposta. O movimento antifascista não nasce de modo individual, já nasce coletivo, não dá para ter uma visão única, já nasceu assim como frente ampla. Não usamos esse termo, mas ele nasceu assim, pra isso.

O objetivo da Bancada das Cristãs e dos Cristãos contra o fascismo nasceu para que houvesse essa aproximação dos partidos de esquerda porque a gente notou que quando se fala de antifascismo a esquerda consegue se aproximar. É um lugar de encontros, de luta. É aqui que a gente se encontra.

A luta contra o fascismo une. Por isso essa diversidade de partidos, com muita paz. Temos as nossas visões e diferenças, mas a gente se une nessa luta. E a gente não deixa só na Bancada. Não adianta criar uma ferramenta dessas e não passar para frente. A gente encoraja a passar para dentro dos partidos, é uma ideia disseminada mesmo.

É um trabalho que a gente começou a agora, em dezembro de 2019, veio crescendo e que culminou nessas 42 candidaturas, que no total tem 78 pessoas. É algo que cresceu, maioria são cristãs, outras não são porque tem mandatos coletivos e existem todos os tipos de pessoas, mas ninguém é deixado de lado.

A frente ampla é uma ideia que precisa ser construída. Está em processo em 2020. Acho que para 2022 tende a aumentar. Esse é um objetivo nosso, fazer com que a esquerda se encontre nessa luta. Para isso é preciso esse trabalho de formiguinha. Se ninguém está fazendo, nós estamos.

O surgimento de movimentos suprapartidários geralmente ajuda a impulsionar candidaturas que talvez não se apresentariam. Vocês acreditam que o Cristãos contra o Fascismo ajudou lançamento de novos nomes?

Acredito que sim. Nós constantemente temos colocado na mídia, nas nossas redes esses nomes, os coletivos. A luta contra o fascismo tem sido uma vitrine. E não temos vergonha em dizer que somos um movimento político. Queremos dar visibilidade para essas candidaturas para que ninguém fique sem informação.

A maioria das nossas candidaturas são de pessoas negras, mulheres negras, inclusive. E nós trabalhamos para que isso aconteça, pessoas negras, pessoas trans, povos originários, para que essas pessoas estejam conosco. É uma orientação que nós damos. Por uma questão histórica.

Muitas candidaturas coletivas estão ligadas com o grupo, né? Qual a importância dessa forma de candidatura?

Por exemplo, quando você é um, de repente, tem uma amplitude daquele seu nicho, com seu público. Outras pessoas que não te conhecem, você não chega tanto. Em um mandato coletivo com, sei lá, 10 pessoas, as pessoas não vão olhar para a cabeça de chapa, mais a vizinha dela que está lá.

Não é um voto forçado, um voto perdido, a pessoa vai ter a oportunidade de cobrar da vizinha, acompanhar, ver o trabalho de perto. Isso acaba aproximando o mandato do povo. Não é mais aquela eleição com aquelas pessoas que você vê há muitos anos. Isso para mim se parece mais com democracia, o povo toma conta das eleições. É pelo povo, para o povo.

E eu acho que é bastante pedagógico para a questão eleitoral. O termômetro de 2020 vai mostrar o que vai acontecer em 2022, principalmente com os mandatos coletivos e com as candidaturas de população preta. A maioria das candidaturas para vereança nas eleições é de pessoas pretas e pardas e de mulheres pretas. Isso é uma vitória, é histórico.

Para a gente, tudo é coletivo, na realidade, tudo é feito em grupo. O que nós acreditamos: quem vencer, vence o movimento. Com essa candidaturas que vencerem, seremos capaz de dar voz nas câmaras municipais a essa construção contra o fascismo. O combate não é só o falar, é agir também. O fascismo se alimenta de desigualdade, quanto mais desigual, mais ele se enraíza. A fome está voltando. Eu já passei fome, é uma dor horrível. Fascismo não se combate, não se dialoga. Dialoga quando há espaço para o diálogo.

As eleições municipais geralmente tem a importância minimizada. Para o movimento, qual a importância desse pleito?

É importante para a gente se estabelecer politicamente, principalmente com candidaturas de mulheres pretas, mulheres trans, povos originários, LGBTs, que são as populações que o fascismo mais ataca.

Se você mostra que há uma luta, que aquele lado não está satisfeito... A gente precisa se levantar, se mostrar, ir à luta, mostrar nossa cara. Nós estamos nos esforçando para entrar nas câmaras, mas já estamos como vitoriosos e vitoriosas porque para chegar até aqui é muito trabalho. Não pense que é fácil. Estamos batalhando, indo à luta.

Para 2022, a gente tem a intenção em dar continuidade sim. Vemos em 2020 um fortalecimento já com um crescimento a mais, uma estrutura. A partir de 2022, acredito que os partidos vão notar que é mais do que necessária uma mudança de comportamento. O termômetro para 2022 vai ser muito as eleições municipais, inclusive sobre a luta antirracista.

Os números mostram que candidatos que foram colocar sua cara no sol e é a primeira vez que candidaturas pretas e pardas são maioria nas candidaturas para vereança. É histórico, é a primeira vez. Não há muito o que comemorar, é uma vergonha. Mas a culpa não é do movimento negro, é do racismo, esse racismo em todos os níveis que a gente tem.

Vocês têm candidaturas majoritárias no grupo também, certo? Como é a construção, articulação?

Olha, a gente como Cristão contra o Fascismo não se mete na construção não. Cada cabeça de chapa sabe o que fazer. A gente passa visão do movimento e as pessoas vão embora sozinhas. Mas um exemplo é a Simony (PSOL), de Osasco, uma mulher preta, mãe, que vem de um mandato coletivo e tem trabalhado mais a questão feminista porque nota que as mulheres estão perdendo espaços, as mulheres pretas principalmente. Tem se aproximado muito das mulheres evangélicas, é uma das nossas líderes do grupo Evangélicas pela Igualdade de Gênero. Acho que ela pode roubar bastante voto lá.

Gostaria de acrescentar alguma coisa?

O que eu gostaria de apontar novamente é que o Cristãos contra o Fascismo é uma mudança constante. Nós trabalhamos com a desconstrução da mente. Todos os dias, no dia-a-dia. A gente sabe como fica fácil ser levado por essas coisas que estão aí fora e tomando as igrejas. Não só as neopentecostais, mas as protestantes também. A gente vê a aproximação de Bolsonaro com a Igreja Presbiteriana, com igrejas mais ortodoxas.

A gente trabalha muito com essa desconstrução. A Bíblia fala que a gente tem que ir pela renovação da mente. A gente fala que a desconstrução é também essa renovação para que a gente não seja levado.