REDE DE ÓDIO

Exclusivo: Jean Wyllys fala sobre ida a Harvard e a violência contra Felipe Neto

Ex-deputado classificou críticas de bolsonaristas como inveja e chamou de terrorismo as ameaças contra o youtuber

Foto: Reprodução/Instagram Jean WyllysCréditos: Reprodução/Instagram Jean Wyllys
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Exilado do Brasil depois de sofrer contínuas ameaças contra sua vida e da sua família, o ex-deputado Jean Wyllys voltou ao noticiário recentemente após ser anunciado como o mais novo professor-pesquisador da Universidade de Harvard (EUA).

A notícia gerou uma onda de comentários nas redes sociais, principalmente de apoiadores de Jair Bolsonaro, que agridem e questionam o psolista em sua nova fase acadêmica. A deputada estadual Letícia Aguiar (PSL-SP) disse, depois que soube da nova empreitada de Jean Wyllys, que "Harvard já foi melhor". Outro bolsonarista que não gostou do que soube foi Arthur Weintraub, irmão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e assessor da presidência. Ele disse que "Harvard é nível USP", em uma tentativa de desqualificar a instituição de ensino.

O ex-parlamentar fará residência no Instituto de Pesquisa Afro-Latino-Americano (ALARI, sigla em inglês) da instituição de ensino estadunidense e seu trabalho de pesquisa tem como tema "fake news e discursos de ódio contra minorias sexuais e étnicas".

"As fake news são um fenômeno complexo. Elas não são novidade na política. Podem ser identificadas já na Roma Antiga. A novidade é que agora elas são como uma erva daninha que encontrou um terreno fértil: o analfabetismo funcional e digital e a conexão destes em mídias sociais”, explica Wyllys.

Eleito para o seu terceiro mandato como deputado federal, Jean Wyllys teve que abrir mão do cargo parlamentar no final do ano passado após revelar que vinha sofrendo contínuas ameaças de apoiadores da extrema direita brasileira.

A mais nova vítima deste tipo de perseguição é o youtuber Felipe Neto. Depois de fazer críticas ao presidente da República e suas ações, além de ter protagonizado uma ação contra a censura, o influenciador digital informou que teve até que tirar a mãe dele do país por conta das ameaças.

Jean Wyllys também comentou o caso: “As pessoas não têm dimensão do que é viver esse terror. E se trata disso: terrorismo. Somos sequestrados pelo medo e pelas dúvidas: trata-se de uma intimidação apenas ou são capazes de executar as ameaças? Como pensar que é só intimidação se mataram Marielle Franco?”.

Leia abaixo a íntegra da entrevista de Jean Wyllys à Fórum.

Felipe Neto

Antes de responder à sua pergunta, eu gostaria de prestar solidariedade a Felipe Neto, ameaçado da vez pelas milícias bolsonaristas. As pessoas não têm dimensão do que é viver esse terror. E se trata disso: terrorismo. Somos sequestrados pelo medo e pelas dúvidas: trata-se de uma intimidação apenas ou são capazes de executar as ameaças? Como pensar que é só intimidação se mataram Marielle Franco? Se mataram lideranças dos movimentos sociais? Como lidar com o fato de que esses terroristas têm informação sobre sua família? Como dormir sabendo que, num grupo de magistrados, que, em tese deveriam estar ao lado da lei e da justiça, uma desembargadora sugeriu que você fosse executado “profilaticamente” (e o uso desse termo não é neutro, ao contrário)? Como continuar quando você sabe que agentes da polícia, a que deveria lhe proteger como cidadão, constituem organizações criminosas especializadas em matar?

A homofobia social - e embora esta seja mais forte entre pessoas de direita e de extrema-direita, ela também vigora entre os que se dizem de esquerda - levou muita gente a duvidar do terrorismo que eu estava vivendo, a menosprezar as ameaças mesmo com um pedido de medida cautelar por parte da CIDH da OEA. Agora, talvez, com o terror chegando a alguém como Felipe Neto, essa gente ordinária se dê conta do horror. Talvez, pois essa gente tem se mostrado tão monstruosa que é capaz de menosprezar também as ameaças contra ele.

Reações sobre a ida a Harvard e fake news 

A reação dos bolsonaristas ao meu ingresso no ALARI de Harvard não passa de inveja. Como já disse a filósofa Martha Nussbaum, a inveja é uma emoção política destrutiva e não podemos menosprezá-la. Todos esses que você citou [a deputada estadual Letícia Aguiar e o assessor da Presidência, Arthur Weintraub] são intelectualmente limitados ou fracassados, apesar de todos os privilégios de que gozaram. Logo, nutrem uma inveja odiosa de quem tem o que eles não podem ter. A reação foi parecida com a da raposa na fábula de La Fontaine: se não alcanço as uvas, digo que elas estão verdes. Mas a raposa sabe que está mentindo para si. A diferença da raposa da fábula para os bolsonaristas é que estes reagem com as fake news e os ataques orquestrados. E dessa vez não foi diferente. Mas sabe aquela cena da matilha ladrando para uma caravana que passa incólume e alheia aos latidos? Pois então... As fake news são um fenômeno complexo. Elas não são novidade na política. Podem ser identificadas já na Roma Antiga.

A novidade é que agora elas são como uma erva daninha que encontrou um terreno fértil: os analfabetismos funcional e digital e a conexão destes em mídias sociais. E facções políticas em quase todo o mundo têm pago um valor alto para usá-las para vencer eleições, dar golpes de Estado e se apropriar da riqueza de todos. Os dados dos usuários e as fake news são as novas munições dessas facções. Assim como no caso da indústria das armas, as pessoas que ganham muito com ela não estão se importando se ela destrói pessoas e famílias. No mais, vou repetir aqui o que já disse para Nina Lemos: eu não vejo como motivo de repercussão alguém que é mestre em Letras e Linguística, com orientação de uma prestigiada crítica literária como Eneida Leal Cunha, que já criou um curso de pós-graduação lato sensu em Jornalismo e Direitos Humanos para uma universidade, que já escreveu prefácios para livros de renomados intelectuais, como é o caso de Silviano Santiago e Wilson Gomes, publicou cinco livros, exerceu dois mandatos parlamentares voltados principalmente para as questões de minorias, direitos humanos e cultura e que teve que sair do país devido a graves ameaças de morte; não vejo como motivo de repercussão alguém com esse currículo ingressar no ALARI de Harvard...

Eu acho que a enorme repercussão tem a ver também com o que a maioria das pessoas no Brasil percebe como justiça cósmica ou divina: eu ingressei pela porta da frente e com o status de professor-pesquisador na universidade fetichizada pelos bolsonaristas, no país que estes idolatram. Eles podem ladrar à vontade.  

*Com colaboração de Gil Luiz Mendes