Fábio Luis e o peso de um sobrenome, por Marco Aurélio Carvalho

No final do ano passado, o ministério Público voltou à carga em uma nova fase da Operação Lavajato, que resultou na apreensão de documentos de sócios de Fábio Luís. O começo de uma nova devassa.

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Poderia ser apenas a história de um garoto apaixonado por videogames, que precocemente é convidado a escrever sobre o assunto para jornais importantes, quando quase ninguém falava a respeito. Enquanto muitos não deram importância, ele percebeu o nascimento de uma indústria. Cursou a faculdade. Decidiu empreender. Criou um programa de TV sobre o mundo dos jogos, que disputou, inclusive, o primeiro lugar no Ibope em seu segmento. Mudou-se para dentro da empresa, correu atrás de investidores para financiar a expansão do negócio, fez empréstimos para comprar equipamentos. O negócio prosperou. Chegou a ter 200 funcionários e clientes importantes como a Microsoft, Sony, Hyundai, AMD, Sadia, Warner Games e Cinemark. Hoje a indústria de games já é maior do que Hollywood. Seria apenas mais uma história de empreendedorismo, dessas que a mídia gosta de apresentar como exemplo de inspiração e perseverança. Mas o garoto em questão, hoje nos seus 40 anos, se chama Fábio Luís da Silva. É filho do ex-presidente Lula. Sua empresa, a Gamecorp, nunca foi apresentada como bom exemplo de nada. Vem sendo massacrada há mais de 15 anos, desde que uma revista a colocou no centro de um suposto esquema de favorecimentos. Era 2006 e Lula, o pai, disputava a eleição presidencial como franco favorito. Diga-se desde logo que as acusações nunca foram provadas. Após uma devassa conduzida pelo Ministério Público Federal, o processo foi arquivado por falta de provas a pedido dos próprios procuradores federais. Poderia ser um recomeço, um atestado de idoneidade. Poderia... Desde a reportagem original da revista, entretanto, considerando apenas os três mais importantes jornais de circulação nacional, a Gamecorp apareceu em mais de 600 notas e reportagens, uma por semana em média, quase sempre apresentada como “suspeita” ou “culpada”. Não há empreendimento no mundo que resista. E agora começa tudo novamente. No final do ano passado, o ministério Público voltou à carga em uma nova fase da Operação Lavajato, que resultou na apreensão de documentos de sócios de Fábio Luís. O começo de uma nova devassa. Pela lei, o material apreendido deveria ser mantido em sigilo, para preservar a investigação e a vida dos investigados, ou pelo menos para que fosse devidamente analisado . Segundo notícias recentes, os promotores “suspeitam” que o ex-executivo Otávio Azevedo tenha omitido informações em sua delação premiada sobre supostos pagamentos da OI, empresa controlada pela Andrade Gutierrez, para viabilizar a compra do imóvel de Atibaia. A própria Justiça confirmou , no entanto, que o verdadeiro dono do Sítio, Fernando Bittar, o adquiriu com recursos provenientes de seu pai. Tudo devida e fartamente comprovado. O mais curioso é que a delação de Otávio Azevedo foi apresentada pelo Ministério Público como uma das maiores conquistas da Lava Jato. É de se pensar o porquê, de só agora, anos depois, os aguerridos promotores ainda terem “suspeitas” contra, inclusive, extensa documentação probatória em sentido contrário. As torneiras estão abertas, irrigando as redações. Neste momento, a mídia está sendo abastecida por uma nova safra de suspeitas. Fragmentos do material apreendido vem sendo metodicamente vazados para os principais veículos de imprensa há quase três semanas, dia sim, dia não. Já apareceram rabiscos sobre a ideia de um time de futebol em Cuba, rascunhos de um Gibi, cópias de emails e até os comprovantes de um empréstimo regular, obtido junto ao BNDES numa linha de crédito para pequenos empresários. De acordo com o site do próprio BNDES , existem centenas de milhares de empresas em situação similar. Trata-se de um crédito rotativo e pré-aprovado pelo banco emissor, para aquisição de produtos e serviços credenciados. As empresas beneficiárias, entre outros requisitos objetivos, devem estar em dia com o INSS, FGTS, Rais e demais tributos. O que chama atenção  é que , no caso em questão, o crédito foi utilizado para compra de equipamentos para atividades de uma empresa cuja própria existência já foi questionada. As operações do BNDES, é bom que se diga, foram submetidas, nos últimos anos, a duras auditorias, e nada de irregular foi apontado.  Relações negociais conhecidas por órgãos de fiscalização e controle, para as quais os “envolvidos” deram ampla e irrestrita publicidade, são vendidas nos jornais como extraordinárias ou incomuns. Se não fosse revoltante, poderia até ser engraçado... Cada fragmento é revelado como indício, prova, suspeita. Segundo o advogado Fábio Tofic, respeitado e combativo criminalista responsável pela defesa de Fábio Luís da Silva, “o que mais admira, na verdade, é que não se aponta um único ato ou um mero gesto de Fábio para defender interesses privados no governo. Nada, absolutamente nada. Os negócios celebrados pelas empresas em questão têm indiscutíveis propósitos negociais e inequívoco significado econômico”. Segundo ele, “Essa nova safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação”. Com a arrogância típica dos salvadores da pátria, alguns promotores e juízes prometeram a “cura” para a corrupção. Para se esconder daquilo que jamais poderão entregar, precisaram criar uma máquina de marketing baseada em factoides e na intimidação. Tratam de manter o ar pesado, para validar sua prática de atirar primeiro e perguntar depois. É estarrecedor notar que o “modus operandi” revelado pela Vazajato para envolver a mídia, transformar suspeitas em fatos e ameaçar investigados ainda esteja sendo usado com tanta naturalidade. A corrupção tem muitas formas, e uma delas é subverter as regras do devido processo legal. A defesa de Fábio Luís da Silva está pronta para, mais uma vez, demonstrar sua idoneidade, com fatos e provas. Primeiro nos autos do processo, e depois para a opinião pública. Dentro da lei. Não pode, não obstante, aceitar que lhe seja dado tratamento diferente do que o que se deve dar a qualquer empresário ou cidadão. Marco Aurélio Carvalho é advogado. O artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo e republicado com a autorização do autor.

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