Fernando Britto: Na sentença, Moro critica Lula por não cometer crime

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Um dos trechos mais ridículos da sentença do juiz está nos parágrafos em que ele reconhece o esforço de Lula no governo para promover o combate à corrupção, mas diz que isso não prova nada, inclusive porque o ex-presidente não invadiu a competência do Supremo Tribunal Federal para mandar “prender logo” os condenados Por Fernando Britto, no Tijolaço Um dos trechos mais ridículos da sentença de Sérgio Moro em que condena Lula está nos parágrafos em que ele reconhece o esforço de Lula no Governo para promover o combate à corrupção, mas diz que isso não prova nada, inclusive porque o ex-presidente não invadiu a competência do Supremo Tribunal Federal para mandar “prender logo” dos condenados, antes de esgotados os recursos – entendimento centenário de nossa Justiça . 793. É forçoso reconhecer o mérito do Governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fortalecimento dos mecanismos de controle, abrangendo a prevenção e repressão, do crime de corrupção, especialmente nos investimentos efetuados na Polícia Federal durante o primeiro mandato, no fortalecimento da Controladoria Geral da União e na preservação da independência do Ministério Público Federal mediante a escolha, para o cargo de Procurador Geral da República, de integrante da lista votada entre membros da instituição. 794. É certo que não se trata de exclusiva iniciativa presidencial, já que o enfrentamento à corrupção é uma demanda decorrente do amadurecimento das democracias, mas o mérito da liderança política não pode ser ignorado. 795. Algumas medidas cruciais, porém, foram deixadas de lado, como a necessária alteração da exigência do trânsito em julgado da condenação criminal para início da execução da pena, algo fundamental para a efetividade da Justiça Criminal e que só proveio, mais recentemente, da alteração da jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal (no HC 126.292, julgado em 17/02/2016, e nas ADCs 43 e 44, julgadas em 05/10/2016). Isso poderia ter sido promovido pelo Governo Federal por emenda à Constituição ou ele poderia ter agido para tentar antes reverter a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Deus meu! É escandaloso que um juiz, numa sentença criminal condenatória, que implica em perda de liberdade, “julgue” o comportamento de um Presidente da República  por não ter  mandado “emenda à Constituição” para acabar com a prisão somente após o trânsito em julgado das sentenças. E muito mais ainda sugerir que “ele poderia ter agido para tentar antes reverter a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”! Como é que um Presidente da República “age para reverter jurisprudência” do Judiciário senão interferindo em outro poder, de forma espúria? O que o Doutor Moro está sugerindo, em sua sentença, que Lula deveria ter feito é cometer um crime! Crime de responsabilidade, nos termos do Art. 4º  da Constituição Federal que elenca como um deles atentar contra “o  livre exercício do Poder Judiciário”. Como seria a “ação” de Lula, Dr. Moro? Pressionar os ministros do STF a tomarem esta decisão? Nomear para o STF apenas quem se comprometesse a mudar a tradição protetiva da Justiça brasileira? Convocar uma manifestação “bolivariana” para a porta do Supremo, aos gritos de “prende, prende, prende!” O juiz está sugerindo que se o réu tivesse praticado crime em favor da tese encarcerante que defende poderia ser diferente e favorável a sua formação de convicção sobre sua honradez? Bem, é apenas mais um dos inúmeros absurdos contidos na sentença, como o foi o de considerar “hostilidade” a defesa recorrer ao Judiciário contra o que considerava abusos de Moro, dado que o recurso à Justiça é direito constitucionalmente abrigado… Há outros, vários outros momentos chocantes na sentença, como aquele que diz que o fato de diversas auditorias não terem detectado os desvios na Petrobras não serve de razão para Lula, ou só “seria esta talvez uma questão relevante se o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse acusado da responsabilidade pelo esquema criminoso que vitimou a Petrobrás por omissão”. Mas como “a acusação é no sentido de que ele teria dele participado ativamente, inclusive beneficiando-se indiretamente”, embora não se prove a participação ativa, isso “não vem ao caso”. A sentença de Moro é autoincriminatória e revela, por estas e por outras, que o juiz abordou o processo com convicções prévias e formou seus conceitos a partir da posição política hostil que guarda em relação a Lula. Um juiz que critica e condena um Presidente da República, numa sentença, por não pressionar o Supremo a tomar tal ou qual decisão de sua exclusiva competência, teria, a rigor, de sofrer um processo no Conselho Nacional de Justiça. Mas Moro é um deus, que tudo pode com aqueles que o fortalecem.