Golpe quebrou 40% das para-petroleiras nacionais e aumentou em 72% contratos da Halliburton com a Petrobras

Em artigo, o pesquisador Iderley Colombini, do DIEESE, revela uma face oculta do golpe, que decretou a falência das empresas nacionais e a imposição de políticas próximas a dumping pelas gigantes internacionais do petróleo

Estadunidense Halliburton viu crescer em 72% contratos com a Petrobras após o golpe (Reprodução)
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Por Iderley Colombini* O setor de petróleo e gás no Brasil passou por uma profunda transformação nos últimos anos. É de amplo conhecimento o processo de desarticulação da cadeia de petróleo em torno da Petrobras, com privatização de vários ativos e subsidiárias, além de uma profunda mudança institucional no setor e da forte entrada das petroleiras internacionais através das várias rodadas de leilão ocorridas a partir de 2016. Contudo, muito pouco tem sido anunciado com relação às empresas para-petroleiras no Brasil. Enquanto durante os anos 2000 houve uma importante dinamização do setor com o fortalecimento das empresas nacionais, através das políticas de conteúdo local, a partir de 2016 passou a se consolidar uma forte concentração das gigantes mundiais, com a falência das empresas nacionais de médio porte e a imposição de políticas próximas a dumping pelas gigantes internacionais. O setor de petróleo e gás pode ser dividido entre as petroleiras (tanto nacionais/estatais quanto privadas) e as empresas que fornecem bens e serviços. Em termos conceituais, as empresas que fornecem bens (máquinas, equipamentos e materiais), tecnologia e serviços ao setor de petróleo são chamadas de para-petroleiras, enquanto as petroleiras detêm as reservas ou operam a exploração e a produção. As empresas para-petroleiras, apesar de terem uma visualização midiática muito menor, possuem uma enorme importância financeira e geopolítica. Não por acaso, Dick Cheney foi CEO da Halliburton (maior para-petroleira do mundo) entre sua gestão como secretário de defesa de George Bush pai e seu posto como vice-presidente de George Bush filho. As grandes para-petroleiras controlam um grande número de patentes tecnológicas, sendo responsáveis pela produção de maquinas e equipamentos sofisticados para o setor. Elas ocupam posição estratégica na cadeia global, com presença em praticamente todos os países produtores, mesmo naqueles com monopólio estatal. No Brasil, a partir de 2003, com a 5ª rodada de licitação, passou a ser exigido um percentual de conteúdo local para a realização das operações de exploração do petróleo e gás nacional. Durante toda a década dos anos 2000, houve um forte crescimento das empresas nacionais de médio porte para o suprimento serviços e bens, como máquinas e equipamentos, além da consolidação das grandes empreiteiras nacionais para a realização das grandes obras. O fortalecimento das para-petroleiras nacionais nesse período também foi potencializado pelos enormes investimentos da Petrobras, tanto na compra de máquinas e equipamento quanto em ciência e tecnologia, que tem como exemplo emblemático a descoberta do pré-sal e a criação de toda a infraestrutura necessária para sua tão bem-sucedida exploração. As grandes empresas internacionais tiveram uma forte redução dos contratos no país. Durante esse período, muitas delas durante instalaram fábricas e laboratórios de pesquisa no Brasil para se adequar à nova realidade política. Empresas como a Halliburton tiveram vários contratos de produção de plataformas e sondas cancelados, para que as petroleiras atendessem as exigências da política de conteúdo local. Contudo, esse panorama das para-petroleiras no Brasil passou por uma completa inversão nos últimos anos. Em 2014, iniciou-se uma forte crise no setor do petróleo mundial, com queda brusca dos preços internacionais e o começo de grandes movimentos geopolíticos. No Brasil, essa crise se materializou principalmente a partir da operação da Lava-Jato, que culminou com uma alteração profunda nos marcos regulatórios do setor de petróleo e gás. A política de conteúdo local foi completamente destruída já em 2016 com a Resolução n.7 do CNPE. Em contrapartida, as grandes para-petroleiras internacionais iniciaram uma política extremamente agressiva, a qual poderia ser descrita dentro dos manuais de economia como dumping, juntamente com forte processo de fusão e aquisição. No meio do cenário de forte crise do setor do petróleo no Brasil, as grandes para-petroleiras (principalmente Halliburton, Schlumberger e Baker) passaram a praticar preços nas licitações de contrato muito inferiores ao padrão do mercado, mesmo tendo como implicação prejuízos no curto prazo que obrigaram as matrizes a realizar aportes financeiros. O valor médio dos contratos da Halliburton com a Petrobras no período de 2014 até 2019 teve uma redução de 36% em relação ao período de 2003 a 2014, em compensação o número de contratos aumentou 72% no mesmo período, mesmo comparando 11 anos com apenas quatro. A Baker e a Schlumberger, outras duas gigantes do mercado internacional, também realizaram movimento semelhante, tendo redução nos valores médios de contrato de respectivamente 66% e 45%. Ambas aumentaram o número de contratos em 15% no período de 2014 a 2019 em relação ao período de 2003 a 2014. Se para as gigantes internacionais a crise iniciada em 2014 e aprofundada em 2016 trouxe um novo cenário de fortalecimento, para as empresas nacionais o quadro foi de grande depressão. Segundo estudo da KPMG de agosto de 2018, cerca de 40% das para-petroleiras brasileiras fecharam as portas desde 2014, além da forte redução e crise enfrentada pelas construtoras e empreiteiras nacionais que não chegaram a anunciar falência. Diferentemente das gigantes internacionais, as empresas nacionais não puderam contar nem com a remessa financeira das matrizes, nem com os incentivos do governo brasileiro. Depois de uma década de tentativas, o acirramento geopolítico dos últimos anos restabeleceu as grandes para-petroleiras internacionais no controle do petróleo brasileiro. *Iderley Colombini é Técnico Pesquisador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), com mestrado e doutorado em economia pelo IE-UFRJ