Jeferson Martinho: “Afinal, quanta influência o Facebook terá nas eleições brasileiras de 2018”

Entre os marqueteiros de campanha, é comum ouvir-se a máxima de que um voto retirado do adversário equivale a dois votos ganhos. Por isso têm razão aqueles que temem o ataque à democracia

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[caption id="attachment_133247" align="alignnone" width="660"] Foto: Divulgação/Facebook[/caption] Por Jeferson Martinho* Conforme nos aproximamos das eleições, a influência do Facebook e das redes sociais torna-se uma preocupação cada vez mais presente no dia a dia de políticos, assessores, analistas e eleitores em geral. O que era uma discussão sob a perspectiva das vantagens e desvantagens do uso da plataforma social digital, virou um grande receio depois do escândalo da “Cambridge Analytica” e o episódio de vazamento e uso indevido de dados dos usuários. Enquanto Mark Zuckerberg precisa se explicar ao Congresso americano acerca da possibilidade de manipulação dos resultados das eleições norte-americanas através das chamadas fakenews - que teriam auxiliado na condução de Donald Trump ao cargo de presidente dos Estados Unidos - cientistas políticos e sociólogos no Brasil e no mundo já atestam o fim da democracia como a conhecemos. No lado oposto, os marqueteiros da nova era anunciam um mundo de possibilidades, com o uso da rede para tocar corações e mentes dos eleitores em busca da conversão do voto. No meio desse turbilhão, chama a atenção uma entrevista recente do diretor de Comunicação e Marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcos Facó, concedida ao Estadão. Especializado em marketing digital pela Universidade de Harvard, Facó argumenta que “as agências de marketing e consultorias querem criar um novo mercado e ficam alimentando um mito em torno do poder das redes sociais em uma eleição. Elas são só mais uma ferramenta. Não têm o poder de eleger ninguém”. Redes interferem ou não no resultado? A análise do especialista em marketing digital baseou-se em sua experiência com o potencial e influência de outras ferramentas tradicionais do marketing, principalmente o rádio e a TV. E ele não está completamente errado. Todo editor ou “Publisher” de portal web conhece esse fenômeno: basta uma chamada numa grande rede de TV aberta para uma notícia na internet disparar em visitantes (desde que, é claro, o site esteja bem nos rankings dos buscadores). Além disso, a opinião encontra suporte em outros estudos. Uma pesquisa desenvolvida por Jesse Shapiro, economista da Universidade Brown, tentou compreender a crescente polarização da política nos EUA e descobrir sua relação com o consumo mais frequente de notícias e informações nas redes sociais. Ao contrário do que o senso comum tenderia a acreditar, o estudo mostrou que os maiores níveis de polarização foram encontrados entre os americanos mais velhos. E apenas 20% destes cidadãos usam ferramentas sociais. Para Shapiro, “nosso estudo mostra que a polarização está aumentando dentre grupos que pouco usam a internet e as mídias sociais como fonte de notícias”. Mas isso não significa que essas análises estejam completamente certas. O próprio Shapiro alerta que compreender a polarização política crescente nos EUA demanda uma pesquisa mais ampla. Já abordei o assunto polarização em outro texto, este sim culpando os algoritmos pela polarização. A questão central é que tais estudos ainda não conseguiram isolar um fator preponderante na formação da opinião pública: os influenciadores. Qualquer aglomerado social tende a dar muito mais crédito à opinião daqueles (poucos) indivíduos considerados destacados na comunidade. É o efeito pajelança, ao qual a sociedade moderna destinou o apropriado termo “formador de opinião”. A política - e o processo eleitoral - descobriram o efeito pajelança muito antes da era digital. Quando o candidato surgia numa festa do bairro ao lado do líder comunitário ou do expoente empresário da cidade, já estava fazendo uso da estratégia do influenciador na conquista do seu público alvo. Esse fator ganhou força ao longo dos últimos anos com uma ferramenta que começou analógica: o uso do chamadomicro-target”, algo que, em tradução livre, significa uma espécie de “alvo cirúrgico”. Quase sempre, um influenciador tem à sua disposição um cadastro de contatos que estão propensos a receber informações e conteúdos relacionados a interesses bem específicos, ou ao papel do influenciador naquela comunidade. Da lista de endereços originária da sociedade amigos do bairro ao cadastro de empresas da associação comercial da cidade ou estado, a utilização desses dados sempre foi uma prática comum nas eleições, mesmo que tenha sido alvo de proibição e criminalização nos últimos anos, pelo menos no Brasil. E isso possibilita um direcionamento extremo da mensagem. A era digital elevou omicro-target” a um novo patamar. Muito antes do Facebook e da “Cambridge Analytica”, empresas de diversas partes do mundo começaram a oferecer às campanhas cadastros telefônicos e endereços de eleitores coletados de diferentes formas. Na sequência vieram os e-mails e, com os celulares, os cadastros de telefones móveis para disparos de SMS. O próximo passo óbvio seriam os perfis sociais e números de WhatsApp, já com a possibilidade de cruzamentos entre esses dados e a definição dos chamados “clusters” (ou agrupamentos) segundo interesses, geolicalização, gostos e preferências diversas, conforme a origem do cadastro. O Facebook permitiu o aumento da escala Não é necessária uma análise forense para descobrir que esses dados alimentaram campanhas eleitorais. Basta ter uma linha de celular para atestar em algum momento, pelo menos nos últimos 12 ou 16 anos, o recebimento de mensagens anônimas ou enviadas por desconhecidos com orientação política específica durante uma eleição. Todos esses dados, de diferentes fontes, ainda que pudessem ser considerados ilícitos pelo desvio de finalidade, vinham sendo utilizados com o objetivo de entregar discursos calculados, alinhados com interesses específicos dos seus destinatários. Pior, foram usados também nos discursos de desconstrução dos adversários. O que o Facebook fez foi tornar-se, através de seus algoritmos de análise de padrões e de um monitoramento absurdo dos interesses dos seus usuários, ele próprio o cadastro ideal para esse tipo de ação. Com uma base mundial de usuários da ordem de bilhões, seu dilema é ter permitido uma amplificação inimaginável da escala de possibilidades do “micro-target”. Neste novo patamar, os temidos robôs e perfis falsos (ou “fakes”) tornaram-se a ferramenta preferida para criação de micro influenciadores, os canais de entrega das estratégias de “micro-target”. Destoando da preocupação central envolvendo o problema com a “Cambridge Analytica”, arrisco dizer que era uma catástrofe previsível: fez apenas dar visibilidade ao vacilo da rede de Zuckerberg em permitir o uso indevido de dados de usuários com a finalidade de vender influência a terceiros não autorizados. E esses dados continuam lá, disponíveis para qualquer campanha, para qualquer ação de marketing, eleitoral ou não, que conheça minimamente técnicas de criação de aplicativos e páginas e saiba utilizá-las para reunir ou agrupar (o termo da moda é “clusterizar”) usuários segundo grupos de interesses e afinidades. E esta não é uma exclusividade do Facebook. Todas as demais redes sociais digitais, assim como o Google, da busca orgânica aos seus Adwords, e qualquer outro mecanismo que monetize a entrega de propaganda segundo os interesses do público, estão sujeitos a essa utilização. A nova legislação eleitoral brasileira referente à utilização das plataformas digitais como ferramentas de propaganda eleitoral, embora ainda esteja por ser testada neste ano, deu um passo importante na compreensão e tentativa de regulamentação desse espaço. Ao estabelecer a possibilidade de impulsionamentos, anúncios pagos e compra de palavras chaves, determinando que os recursos empregados sejam oriundos exclusivamente das campanhas, partidos e candidatos, tornou mais fácil “seguir o dinheiro” no combate ao anonimato e aos desvios de finalidade que advêm dele. Disciplinando o uso das ferramentas para a apresentação exclusiva de propostas e plataformas de trabalho, criminalizando perfis falsos, o uso de robôs e o espalhamento de notícias falsas, as “fake news”, a legislação busca combater a disseminação das campanhas abusivas, pautadas no ataque e na desconstrução dos adversários. Na prática, não é muito diferente do que a legislação já buscava fazer com os meios tradicionais de propaganda. E mesmo assim, também neles, as iniciativas de desconstrução, calúnia e difamação não deixaram completamente de fazer parte das estratégias das campanhas, infelizmente. Tendemos a considerar as “fake news” um problema novo, quando na verdade trata-se de um artifício antigo com uma escala grandemente amplificada. Esse fenômeno já causava estragos nas mídias tradicionais, do impresso à televisão, do boca a boca ao telemarketing (quando este ainda era permitido para campanhas eleitorais no Brasil). A escala continuará sendo um grande obstáculo em busca de equalização da democracia. Sem os mesmos recursos tecnológicos de rastreamento e monitoramento de tendências dos usuários à disposição dos gurus do marketing digital, deverá ser uma luta inglória para a Justiça Eleitoral. O poder dos números Essa preocupação fica ainda maior quando observada à luz dos últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a penetração da internet no Brasil. Não falamos de um extrato da comunidade com apenas 20% de pessoas acessando a rede, como o que Jesse Shapiro pesquisou. O dado disponível mais recente do instituto, publicado em fevereiro de 2018, mostra que fechamos 2016 com 116 milhões de pessoas conectadas à internet, o equivalente a 64,7% da população com idade acima de 10 anos. Nas regiões mais urbanizadas como o Sudeste, o número é bem maior: 72,3% dos moradores já estavam online em 2016. Considerando a faixa etária, chega a 85% o uso da rede entre indivíduos com idade entre 18 e 24 anos. Outro dado revelador é que 77,1% dos brasileiros já tinham ao menos um aparelho de celular, usado como principal ferramenta de acesso à internet por 94,6% dos internautas, bem à frente de computadores (63,7%), tablets (16,4%) e televisões (11,3%). Diante desse cenário, respondendo à pergunta que dá título a este artigo, provavelmente o Facebook e outras redes sociais terão uma influência gigante nas eleições. A continuarem as tendências dos últimos pleitos, de fato, serão importantes para consolidar candidaturas, ainda que provavelmente não sejam determinantes na cristalização dos votos. Mas, infelizmente, serão muito mais devastadoras para desconstruírem oponentes. Entre os marqueteiros de campanha, é comum ouvir-se a máxima de que um voto retirado do adversário equivale a dois votos ganhos. Por isso têm razão aqueles que temem o ataque à democracia. Jeferson Martinho é jornalista e CEO da Nova Onda Comunicação