Juiz Walter Esbaille, que mandou despejar Quilombo do MST, já foi chamado de “advogado da morte”

Esbaille fez vistoria no local com 15 viaturas para ver se assentamento era produtivo. Apesar do Quilombo produzir 510 toneladas de café por ano, ele autorizou o despejo

Foto: Robert Leal/TJMG
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Por trás da história do despejo das 450 famílias do Quilombo Campo Grande, assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Sul de Minas Gerais tem um nome. O juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, da Vara Agrária de Minas Gerais. Em novembro de 2018, ele esteve no assentamento para uma visita de inspeção. O objetivo era, entre outros, levantar se o local era de fato produtivo.

De acordo com Daniel Tyguel, então presidente da Aliança em prol da APA da Pedra Branca, “o juiz chegou com 15 viaturas, inclusive uma delas do Batalhão de Choque, para verificar a área produtiva. A visita aconteceu de uma maneira ostensiva. Eles passaram 6 horas na área”.

Os agricultores que estão há mais de 20 anos no local, produzem 1.100 hectares de lavouras diversas.  

Além disso, na área são cultivados ainda 1,8 milhão de pés de café, no modelo de agroecologia ou de transição, que produzem 510 toneladas de café por ano, comercializados sob a marca Café Guaií, para o mercado nacional e para exportação, e que sustentam as 450 famílias da ocupação.

No assentamento funcionava também a escola Eduardo Galeano, destruída esta semana pela PM. Ela era frequentada pelas crianças durante o dia e por jovens e adultos (EJA) durante a noite. O MST fornecia alimentação própria do acampamento para quem estuda lá.

Não há e nem nunca houve a menor dúvida da produtividade do Quilombo Campo Grande.

Determinação de despejo

Surpreendentemente, no dia da audiência de conciliação sobre a disputa da área, que aconteceu no dia 7 de novembro de 2018, o juiz Esbaille foi ríspido com os representantes dos sem-terra, proibiu a entrada dos agricultores na sala e chamou a tropa de choque para reforçar a segurança no fórum.

Sem dar chance para a contestação da defesa, o juiz Esbaille determinou o despejo da ocupação e a transferência da gestão da área para o latifundiário João Faria da Silva, cuja intenção é ampliar a sua produção de monocultura de café. Silva é um dos maiores produtores de café do mundo e é provedor de diversas marcas no Brasil. Em fazendas com o mesmo porte da área ocupada, as operações dos latifundiários empregam, no máximo, 50 pessoas, segundo os agricultores.

A decisão de Esbaille foi suspensa pelo desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Nesta semana, após dois anos de protelações, idas e vindas de liminares, a Vara Agrária – de Esbaille – conseguiu finalmente determinar a reintegração de posse da área da Usina Ariadnópolis e, desde então, por ordem do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em plena pandemia do Coronavírus, a Polícia Militar está no local, onde já destruiu a escola e provocou incêndios na mata.

“Um advogado da morte”

Walter Zwicker Esbaille Júnior, o mesmo juiz do caso do Quilombo Campo Grande, é também o responsável pela retomada do processo de Felisburgo. Famílias do acampamento Terra Prometida, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, denunciaram, em dezembro de 2019, a presença de pessoas desconhecidas e ameaças na região após o juiz retomar o caso. As terras pertenciam ao Estado e foram griladas, então o MST às ocupou há 17 anos, mas existe um processo de reintegração de posse em andamento na Vara Agrária.

No local, há cerca de 18 anos, ocorreu um massacre. Em novembro de 2004, o grileiro Adriano Chafik Luedy, acompanhado por 15 capangas, invadiu o acampamento Terra Prometida e comandou um ataque armado contra mais de 200 famílias. Cinco agricultores foram assassinados, 12 baleados e inúmeras casas, plantações e vidas ficaram arrasadas.

Adriano Chafik e Calixto Luedy, foram condenados a mais de cem anos de prisão, porém as famílias não foram indenizadas e o local se tornou um assentamento popular.

Para Eni Gomes, uma das sobreviventes do massacre, as intenções de Zwicker não tem relação com a justiça. “Esse juiz é um advogado da morte. A gente está nessa terra há 17 anos e não quer mais massacre. O que queremos é viver em paz, produzir nosso alimento, criar nossos filhos. Se acontecer mais alguma desgraça aqui, a culpa é dele”, diz.

Mesmo com estudos da cadeia dominial do terreno comprovando que as terras foram griladas e pertenciam ao Estado, existe um processo de reintegração de posse em andamento na Vara Agrária. Letícia Santos, advogada do MST, explica que a ação do governo anterior havia suspenso a reintegração, mas este ano isso mudou. “O Juiz da ação possessória, desobedecendo a regra de suspensão e atendendo a pedido dos autores, retomou o andamento processual”, explica.

O juiz, claro, é Walter Zwiker Esbaille Jr.

“A audiência de conciliação foi marcada para 11 de dezembro, sob o argumento de que “não há que se falar em nova suspensão para se aguardar ad aeternum por prova que já se encontra nos presentes autos”. As provas a que ele se refere são o memorial descritivo da área, que embasou a ação. O MST está preparando a resistência. As famílias Sem Terra, após tantos anos morando no local e após resistir a um massacre, não sairão facilmente das terras de Felisburgo.

A audiência de conciliação aconteceu no dia 11 de dezembro, na comarca de Jequitinhonha-MG, e terminou num impasse entre o MST e os latifundiários responsáveis pelo Massacre de Felisburgo. Questionado sobre os trâmites do processo de ação discriminatória das terras devolutas da antiga fazenda Nova Alegria, o juiz Walter Zwiker Esbaille Jr. submeteu a discussão da posse da terra a novos estudos cartográficos.

Os assentados permanecem no local, mas o impasse continua.

Histórico do Massacre de Felisburgo

No dia 1 de maio de 2002, aproximadamente 250 famílias da região se reuniram no intuito de ocupar as terras griladas por Chafik, nomeadas de fazenda Nova Alegria. Nos primeiros dois anos as famílias receberam várias ameaças. No dia 20 de novembro de 2004 ocorreu o Massacre de Felisburgo, quando cinco pais de família foram assassinados. Outras treze pessoas foram levadas ao hospital da cidade gravemente feridas. Passados 15 anos da chacina, 56 famílias resistem em memória daqueles que morreram nas mãos do latifúndio, em busca da realização de reforma agrária e da justiça. Atualmente 191 pessoas moram, produzem alimentos saudáveis e tiram renda da área.