Luiz Roberto Alves: Sobre a verdade que liberta contra um projeto educacional de Bolsonaro

O que se propõe é o fracasso anunciado. Uma proposta para parecer ser religioso, sem realmente ser. Proposta beligerante, armada de gritos, pedras e ameaças

Escrito en POLÍTICA el
[caption id="attachment_142322" align="alignnone" width="700"] Foto: Agência Brasil[/caption] Por Luiz Roberto Alves* Este não é um texto religioso. É pedagógico, como também é didático-pedagógico o texto evangélico que consta em 8:32 do Evangelho de João, que o ex-capitão de artilharia Bolsonaro tem repetido, e o fez tantas vezes que o petrificou, mitificou e matou seus sentidos originais. Aqui, a análise de uma proposta de Bolsonaro sobre educação mostra todo o pensamento errático e injusto. De acordo com falas e textos do programa de governo e sua equipe econômica, Bolsonaro irá transformar a educação infantil brasileira (0 a 6 anos) em um sistema de acordos entre instituições diversas não esclarecidas e o Estado brasileiro, para que as crianças de famílias empobrecidas cumpram a creche e a pré-escola, com exigência do ensino religioso desde o início. Algo similar ao sistema de voucher proposto por Trump, que empacou e não dá sinais de que vá para frente. Tratemos da verdade que liberta. O capítulo 8 do evangelho de João começa com um desarme e termina com a negação da briga e do confronto físicos. Essa é a verdade do texto, que Bolsonaro não consegue ler. De fato, a verdade que liberta é aquela de quem deixa a escravidão da consciência ingênua ou interesseira e salta para a consciência da liberdade, que constrói a autonomia do conhecimento. Por isso, o jovem nazareno, que as várias formas de fé consideram filho de Deus, profeta, sábio, desarma os que propunham apedrejar uma mulher com a pergunta extraordinária: “Quem não tiver pecado, jogue a primeira pedra”. Ao final do capítulo 8, ele mesmo se afasta para não ser apedrejado. Não lhe cabia ir armar-se de pedras para a briga. Sua missão tinha altura muito maior. Agora, vamos à verdade que liberte as crianças entre 0 e 6 anos da proposta dos economistas de Bolsonaro. Todos os estudos científicos, a Constituição da República, as diretrizes educacionais baseadas na LDB/1996, o PNE/ 2014 e as organizações de professores afirmam que esse tempo fundamental de formação (creche e pré-escola) se destina à realização dos desejos e necessidades infantis traduzidos nas relações intersubjetivas de caráter físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, por meio das atividades que enriqueçam as emoções, desenvolvam hábitos higiênicos e alimentares, criem relações com o saber artístico-estético, estimulem vivências com a natureza e o ambiente, animem para o uso de diferentes linguagens icônicas, com farto uso do corpo e, portanto, intensa ludicidade. Vindas de diferentes famílias, com suas crenças e seus valores, nessa etapa as crianças são iniciadas na construção de sua autonomia como sujeito educacional, que depois terá pela frente treze anos de educação básica. Com muito cuidado, a LDB diz em seu artigo 33 que o ensino religioso será oferecido na educação fundamental que dura 9 anos, a partir dos 6, sendo opcional para o estudante e aberto aos diferentes cultos. Nada de privilégio desta ou daquela denominação. Bolsonaro, caso fosse eleito, teria de armar-se e derrubar textos da Constituição, a partir dos artigos 205 e 206, a LDB/1996, as Diretrizes criadas no CNE com ampla participação de organizações de educadores e o PNE/2014. Precisaria, também, avançar sobre a consciência dos direitos fundamentais e da equidade, especialmente se pretender impor o ensino religioso para as crianças empobrecidas, o que significaria outra vez derrubar a Constituição e a exigência de universalidade dos direitos educacionais no estado laico, com abertura de vagas em instituições públicas, construção de currículo de estudos pelas unidades escolares e, mais que nunca, uma qualidade educacional estreitamente ligada à realidade socioafetiva e intelectual das crianças dessa idade. O que se propõe é o fracasso anunciado. Uma proposta para parecer ser religioso, sem realmente ser. Proposta beligerante, armada de gritos, pedras e ameaças. Nada de João 8:32. Em vez de esclarecer, cria confusão, mentira, desigualdade, trevas. Enfim, deseduca. Proposta de quem não entende nada de educação, sua história, suas exigências científicas, seus valores familiares e sociais e sua importância para a idade entre 0-3 anos e 4-6 anos, o tempo de construir a cultura da infância. O correto, o que é urgente fazer é que as instâncias de governo do país, em regime de colaboração (como afirma literalmente a Constituição), tratem de investir, afastar contingenciamentos, formar educadores e produzir as parcerias necessárias para cumprir a política pública já criada e em muitas cidades comprovada de educação infantil, com ampla participação da família e da comunidade. Essa é a verdade. Fora disso será armação caótica. *Luiz Roberto Alves é educador público, professor-pesquisador, membro do Conselho Nacional de Educação entre 2012 e 2016 e presidente da Câmara de Educação Básica do CNE entre 2014 e 2016