Lula não quer romantismo ideológico: seu foco é ganhar a eleição, livrar Brasil de Bolsonaro e governar

Presidente, em entrevista à mídia independente, deixou claro que quer reunir forças - e isso vai parar além da esquerda - para reconstruir o país, sem revanchismos

Lula em entrevista à mídia independente (Foto: Ricardo Stuckert)
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Líder em todas as pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Lula (PT), com a experiência que adquiriu ao longo de dois mandatos exitosos, somada ao seu pragmatismo e ao cenário devastador do Brasil atual, deixou claro, em entrevista à mídia independente nesta quarta-feira (19), que sua campanha à presidência não terá romantismo ideológico. Seu foco é ganhar a eleição, livrar o Brasil de Bolsonaro e governar.

Essa necessidade defendida por Lula de dialogar com setores para além da esquerda explica a sinalização, cada vez mais evidente, de que pode ter Geraldo Alckmin, seu antigo adversário político, como candidato a vice em sua chapa. Este assunto, inclusive, permeou a maior parte da entrevista e foi, inclusive, citado na pergunta feita por este repórter da Fórum, que acompanhou a coletiva presencialmente.

Conversar para governar

O ex-presidente, como de praxe, fez duras críticas ao governo Bolsonaro e falou sobre inúmeros temas, de economia, passando por cultura até a pandemia do coronavírus. O "fator Alckmin", entretanto, foi predominante e, além de dar sinais de que deve, sim, firmar uma aliança com o ex-governador, fez questão de citar outros nomes da direita e centro-direita, como Gilberto Kassab (PSD) e Paulinho da Força (Solidariedade).

"Ganhar eleições é mais fácil que governar. E governar significa que você precisa adquirir possibilidades muito grandes de conversar com as pessoas. Por isso que precisamos fazer alianças. Por isso precisamos construir parcerias. Estive com o governador Alckmin durante 4 anos na presidência, e eu não tenho nenhuma divergência da minha relação com Alckmin, nem com [José] Serra. Convivência extraordinária. Temos divergências, visões de mundo diferentes, temos. Mas isso não impede de, se for necessário, você construir a possibilidade das divergências serem colocadas em um canto e as convergências em outro canto pra poder governar", disse Lula.

Na sequência, cravou: "Eu não tenho nenhum problema em fazer uma chapa com o Alckmin pra ganhar as eleições e governar o país".

Defesa do programa

O recado ficou mais que claro. Lula considera que o momento exige uma união de diferentes setores para não só derrotar Jair Bolsonaro, mas principalmente para reconstruir o país após esses 6 anos, considerando o marco do golpe contra Dilma Rousseff, de retrocessos no âmbito econômico, social, ambiental e político.

Não à toa, Lula repetiu frases neste sentido em inúmeros momentos da entrevista. Segundo o ex-presidente, independente de quem será seu candidato a vice, ele não abrirá mão "de que a prioridade seja o povo brasileiro, o povo trabalhador, a classe média baixa, os desempregados". "E eu espero que Alckmin esteja junto, seja vice ou não seja vice, porque parece que ele se definiu em fazer oposição ao Bolsonaro e também ao dorismo [em referência a João Doria] em São Paulo", pontuou.

Ainda falando sobre a possibilidade de chegar a um acordo com Alckmin, Lula reforçou que as eleições serão ganhas com um programa, e que "esse programa vai ser aprovado pelas forças políticas que vão compor a minha aliança política".

Pragmático, Lula afirmou que seu vice terá que ajudar a governar o país e, mais uma vez, afastou o romantismo ideológico de setores da esquerda que pedem uma chapa pura. "Esse país não tem mais espaço para brincadeira, para aventuras", atestou.

Construção de força política

Ao responder a uma pergunta da Fórum sobre os impactos que uma aliança com Alckmin ou com alguém de centro ou centro-direita poderia trazer aos pontos defendidos no programa de governo do PT, Lula, mais uma vez, enfatizou: "Eu não estou procurando uma aliança ideológica. Eu não estou procurando apenas uma aliança pra ganhar as eleições. Estou procurando construir um conjunto de alianças com forças políticas para me ajudarem a fazer as mudanças que queremos no Brasil".

Entre essas mudanças, segundo o ex-presidente, está a reforma tributária, que envolveria isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 salários mínimos e tributação de lucros e dividendos. "Temos que definir algumas coisas para dar mais sustentabilidade aos debaixo e mais compromisso com o Brasil aos de cima", disse.

Segundo Lula, para que uma proposta como a reforma tributária tenha viabilidade de ser aprovada, "é preciso sentar e conversar para construir uma força política". Foi aí que ele citou conversas com Paulinho da Força, do Solidariedade, e com Gilberto Kassab, do PSD. Ambos os partidos cortejam Alckmin para emplacá-lo como candidato a vice do petista. "Nós precisamos construir uma força política capaz de dar sustentação às mudanças que vamos fazer", insistiu.

Críticas à esquerda

Sobre as críticas que alguns petistas e setores da esquerda fazem à possibilidade de Lula ter Alckmin ou alguém com o perfil do ex-governador como vice, Lula foi enfático: "As pessoas que são contra, só digo o seguinte: falem, porque têm o direito de falar. Já teve um momento no país em que não podia falar. Como acho que a democracia é uma sociedade em movimento em busca de novas conquistas, aproveitem e falem enquanto eu for candidato, para ajudarem a escolher, criticarem e depois ajudarem a governar".

Já em resposta a uma pergunta sobre suposta necessidade de um "acordo" para concorrer com o apoio apenas da esquerda, Lula disparou: "Qual esquerda que eu devo fazer acordo? O PT é o maior partido de esquerda da América Latina. O PSB estamos trabalhando junto, o PSOL está trabalhando junto. O PT é um partido político, as pessoas tem o prazer e o direito de divergir até que o PT decida. E quando o PT decidir, não tem esquerda ou direita, tem posição partidária. E é isso que vai acontecer. E as pessoas vão aparecer rindo, não vão aparecer chorando".

Para deixar mais clara sua defesa a um diálogo com outros setores para ganhar a eleição e governar, o ex-presidente emendou: "O Brasil de 2023 será um país muito mais destruído que o país de 2003 quando assumi. Vai precisar de muito mais conversa, de muito mais paciência, de muito mais habilidade pra reconstruir esse país. Se fosse fácil resolver no grito, já estava resolvido. O que você precisa é de inteligência política para construir com pessoas que podem remar junto com você pra fazer a travessia oceânica, que não é pequena".