Memória da Revolução dos Cravos: 2 laranjas, 1 pão e a certeza de que as mais ferozes ditaduras podem ser derrubadas, por Aton Fon

Para marcar o aniversário da Revolução dos Cravos, o advogado e militante relembra onde estava quando o regime ditatorial foi derrubado em Portugal

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[caption id="attachment_130866" align="alignnone" width="1078"] Em pé, da esq. para dir.: Ariston Lucena, Gilberto Beloque, Paulo Vanucchi, José Genoíno, Mané Cirilo. Sentados: Oséas Duarte, Aton Fon, Reinaldo Mourano, Celso Horta, Hamilton Pereira - Foto: Arquivo[/caption] Por Aton Fon Filho* Meu nome é Aton Fon Filho. Em 1974, abril, eu estava preso na Ilha Grande. No dia 23, fui levado para o Presídio Hélio Gomes, no Rio de Janeiro e, no dia 24, para a PE da Barão de Mesquita. No dia 25, fui trazido para São Paulo e, já à noite, levado para o quartel da PE na Abílio Soares, onde fiquei isolado numa cela no corredor dos presos, que estava vazio. Ficou claro que o contato comigo era proibido e até para entrega das refeições vinha até a cela o sargento comandante da guarda acompanhado de outros praças. No final da manhã, houve uma discussão sobre a limpeza do corredor e das celas e um grupo de soldados entrou no corredor. Na passagem, um deles jogou uma laranja dentro de minha cela, sem que eu pudesse ver quem fora. Eles saíram e tornaram a entrar no corredor das celas carregando baldes, vassouras e esfregões. Na passagem — e, de novo, sem que eu visse quem o fazia — outra laranja foi jogada na cela e um pão em cima da cama. Terminada a lavagem, eles foram se retirando enquanto um deles, um cabo, fazia a vistoria do trabalho realizado. Ao passar em frente da cela em que eu estava, esse cabo, um jovem, se aproximou e me perguntou se o pão tinha caído no chão. Eu respondi que não, que tinha caído na cama e agradeci pelas laranjas e pelo pão. Aí esse rapaz, esse cabo, me perguntou se eu tinha visto o que tinha acontecido em Portugal. Eu disse que não e ele explicou: “Esse povo de vocês, de lá, ontem derrubou o governo, um ditador que tinha lá”. Foi só o que eu soube do 25 de abril, no dia 26 de abril, graças à solidariedade de um jovem cabo que escamoteou para minha cela e me deu de presente duas laranjas, um pão e a certeza de que as mais ferozes ditaduras podem ser derrubadas. *Aton Fon Filho é advogado de movimentos sociais, especialista em conflitos agrários. Foi militante político e combateu a ditadura