MP que tira questões indígenas do Ministério da Justiça "patrocina conflito de interesses", afirma subprocurador da República

Para Antônio Carlos Bigonha, MP que tirou Funai e demarcação de terras da competência do Ministério da Justiça é inconstitucional. Ele enviou nota técnica a Câmara e ao Senado e ainda a Sérgio Moro, Damares Alves e Teresa Cristina

(Foto: Lula Marques - Fotos Publicas)
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Autor de uma nota técnica que considerou inconstitucional a Medida Provisória (MP) 870 - que transfere a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e coloca a Fundação Nacional do Índio (Funai) sob o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos - o subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha, disse à Fórum que a legislação que instituiu as mudanças "patrocina um conflito de interesses". A nota assinada por Bigonha foi encaminhada a parlamentares e aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia e do Senado, Davi Alcolumbre. Receberam o documento, ainda, ministros de Estado. Entre eles, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, cuja pasta cuidava da Funai antes de Bolsonaro assumir, também recebeu uma cópia. Em entrevista, Bigonha, que também é coordenador da 6ª Câmara da PGR, que cuida dos direitos indígenas e de comunidades tradicionais, falou sobre a argumentação contrária à MP 870 e os próximos desdobramentos da questão.  Confira, abaixo, o que ele disse: Fórum - A nota técnica foi divulgada pelo senhor. Essa  já é a manifestação da PGR sobre o tema?  É a manifestação da 6ª Câmara, que é o órgão que cuida dos direitos dos indígenas. A doutora Raquel [Dodge, procuradora-geral da República] vai dar sua manifestação na ação de inconstitucionalidade movida pelo PSB [Partido Socialista Brasileiro]. Já encaminhei a nota técnica para ela, para subsidiar a manifestação. Já encaminhei também ao presidente da Câmara [Rodrigo Maia], do Senado [Davi Alcolumbre], a vários parlamentares e aos ministros da Agricultura [Teresa Cristina], do Meio Ambiente [Ricardo Salles], da Mulher [Damares Alves] e da Justiça [Sérgio Moro]. Fórum - Um dos argumentos centrais da nota é que a MP 870 infringe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por não ter consultado os povos indígenas sobre as mudanças em relação à demarcação de terras e à Funai. Quais os outros problemas apontados?  Nossa linha de argumentação está no seguinte eixo: a MP patrocina um conflito de interesses entre agricultores e indígenas. Ela força esse conflito, pois, para tratar dos interesses indígenas, ela usa o mesmo conceito de agricultura usado para o agronegócio. Mas a Constituição faz uma distinção, no artigo 231, entre agricultura e a atividade produtiva indígena. A MP 870 também patrocina esse conflito de interesses quando submete a Funai ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, pois o conceito de organização social [dos povos indígenas] é distinto. Por fim, há a Convenção 169. Toda vez que vai se tratar de direito indígena o Estado tem que consultar as comunidades. Fórum - O governo não apenas não consultou, como instituiu as mudanças por Medida Provisória ...  Mesmo sendo Medida Provisória, poderia ter feito uma consulta prévia. Mas um projeto de lei, com ampla manifestação da sociedade, teria sido o melhor. Fórum - O senhor acredita que com a manifestação do Ministério Público as mudanças podem ser barradas no próprio Congresso, sem necessidade de chegar ao Supremo Tribunal Federal? Estamos trabalhando para isso. As lideranças indígenas e um grupo de parlamentares têm trabalhado para isso. A nota técnica visa subsidiar o trabalho deles.