[o fim de uma gestão. ou: o conjuve & o inferno]

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Daniel Souza faz balanço de sua gestão no CONJUVE que termina agora. Por Daniel Souza Presidente do CONJUVE (2015-2017) em setembro de 2015, assumi a presidência do conselho nacional de juventude. pela primeira vez, uma candidatura única. uma ampla articulação que não encobria suas diferenças, ambiguidades e limites. diversas organizações e vários projetos. uma outra política de drogas. 3a conferência nacional de juventude. regulamentação do estatuto. identidade jovem. internacionalização do conselho. juventude negra viva. plano nacional de juventude. radicalização da participação social. agenda do trabalho decente. sucessão rural. enfrentamento da homo-lesbo-bi-transfobia. no dia a dia: cenários nebulosos. incertezas vivas. estado-feito-deus e a regulação de nossas vidas, corpos e territórios. estado-feito-deus e a tentativa cotidiana de capturar desejos. estado-capital & seus servos. tudo mais difícil. o que fazer? demandas imediatas. #ficaSNJ. contradições internas. estado-contra-estado. congresso reacionário. A SNJ ficou: juventude no ministério. conferência nacional: maioria negra, paridade de gênero, propostas prioritárias, subsídios para o plano nacional de juventude. [1] tudo preparado. era preciso imaginar – dentro&fora da institucionalidade: um outro conselho, uma outra participação social, um outro estado. estávamos diante do esgotamento de um modelo de construção de políticas públicas de juventude. era preciso ir além. radicalizar a democracia. como escrevemos em março de 2016: estamos na emergência de  “uma política depois do fim”. [2] o projeto de 2005 (ano da criação do conjuve, da SNJ e do projovem) acabou. era necessário assumir o fim para fazer novos começos. somos novos sujeitos, novas subjetividades, novos e outros desejos. uma geração do Brasil que mudou no lulismo. era preciso mais. muito mais. era necessário conectar a geração do lulismo com uma outra política de participação social. o golpe chegou: racista, misógino. dilma fora. 2016 não foi fácil. até o fim! como sabemos, foi um golpe empresarial-jurídico-parlamentar-midiático em nome de deus, da família, da propriedade e da sangria estancada. golpe com vários nomes: skaf, gilmar mendes, jucá, aécio, fhc, meireles, sarney, serra, geddel, temer-é-cunha. resistimos. ocupamos o senado. secretário sem paz. não reconhecemos o governo-golpista. não baixamos a cabeça. é, nem tudo foi força. muitas e muitas vezes: fraqueza, limitação, frustração. “estão lutando?”. “tudo certo?” - “hum-hum”.  tudo declinando, se desfazendo em tempos de bruno-julio&assis-filho. duas caras da mesma moeda e jogada: usa-se a máquina governamental - orçamento bloqueado. sem reuniões, comissões sem recursos, política em amplo e acelerado retrocesso. ah: com os mesmos nomes para políticas vazias – “juventude viva”, “estação juventude”. o que se esperar de um governo-temer? congelamento de 20 anos. reforma da previdência. reforma trabalhista - celebrada pela SNJ. cortes e mais cortes. não renunciamos. usamos o mandato para denunciar cada desmonte das políticas públicas de juventude. demos um outro uso para o conjuve. o que foi possível. como, então, parar o enfrentamento? a ação final: muda-se o decreto do conselho, retira-se o poder e a autonomia da sociedade civil para se convocar e conduzir o processo eleitoral da própria sociedade civil. a biopolítica e a lei. a justificativa para a mudança via o aparato jurídico: ampliar a participação e garantir uma comissão independente. quem acredita? nem participação ampliada, nem autonomia e independência. com a mudança do decreto, a sociedade civil do conselho decide não compor a comissão eleitoral. [3] por fora, algumas entidades se juntaram – sem representar o conjuve – à comissão. apresentaram as suas razões. grande parte das organizações permaneceram com a decisão de não integrar esse espaço e de não se candidatar. não legitimaríamos essa eleição. amanhã (15/08), as entidades eleitas tomam posse. oficialmente, não somos mais conselheirxs. eu deixo de ser presidente. foram quatro anos representando a rede ecumênica da juventude no conjuve. um tempo de paixões alegres, paixões tristes. tudo junto. articulação política. reuniões aqui e acolá. viagens e mais viagens. cerveja no piauí. samba & feijoada no armazém do ferreira. por do sol na esplanada. pressão no senado, na câmara. vitórias no ppa. ID jovem. amizades pra vida. afetos vários. desencanto. deslealdades. lutas diárias e permanentes... fluxos de todos os lados. agora acabou. sem falas triunfantes, quero reparar nas pequenas coisas. nossa gestão se encerra no inferno. vivemos no inferno. mas como disse o filósofo franco berardi: “no inferno temos a capacidade, que é irônica, de criar espaços de vida sensíveis, de vida que não esqueça a felicidade como uma dimensão possível. não esquecer a possibilidade de ser feliz, essa é a palavra de ordem hoje. não esquecer a possibilidade de uma afetividade feliz e perguntar pela abolição do inferno, como sempre foi dito pelos amigos 'erroristas'. abolir o inferno, esse é o ato irônico essencial que precisamos fazer nesse momento". sem encobrir a desesperança melancólica que nos acompanha – diante do golpe, dos desmontes, das nossas mortes, das saídas-de-sempre-no-estado-de-sempre - não esquecemos a possibilidade de sermos felizes. tem vida que pulsa. tem revolta. tem ocupação. tem carne. tem desejo. tem potência em muitos cantos. imaginaremos no inferno. aboliremos o inferno. em nós & na política. [1] sobre a #3ConfJuv, veja o artigo que escrevi em janeiro de 2016: https://goo.gl/RGvk6X [2] acesse o texto, “uma política depois do fim”, na revista “conselhos em rede”: https://goo.gl/r5BgZi [3] leia a carta-denúncia da sociedade civil do conjuve sobre a alteração do decreto do conselho, “golpe atrás de golpe”: https://goo.gl/exa3Qd Foto: Paulo Motoryn/SNJ