O nada glorioso Exército brasileiro: golpes e genocídios em nome da pátria, por Marcos Danhoni

As responsabilidades sempre aparecerão e, hoje, as honrarias compradas por medalhinhas da República acabarão desmascaradas para sempre

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Por Marcos Cesar Danhoni Neves* “Monstros existem, mas são em número reduzido demais para serem realmente perigosos. Mais perigosos são os homens comuns, os funcionários prontos para acreditar e agir sem fazer perguntas”. (Primo Levi, em “É isto, um homem?”) O mito do “grande” Exército brasileiro (e que capitaneia todas as demais forças militares) se dá durante a Guerra do Paraguai levada à cabo durante seis longos anos (1864-1870). A guerra foi genocida para a população paraguaia. Estima-se que cerca de 75% da população masculina adulta daquele país teria perecido na guerra. A última batalha, a de “Acosta Ñu”, que selou a derrota do pequeno país latino-americano, mostrou um cenário desolador: todos os soldados mortos eram crianças, as quais, o glorioso Exército de Caxias não os agraciou com a vida, mas com execuções sumárias de dar inveja aos grandes extermínios nazistas na 2ª Guerra Mundial. A guerra foi terrível também para os pobres-coitados obrigados a servir como soldados rasos do Exército brasileiro. Estimativas dão conta de que dos 160 mil brasileiros que combateram na guerra, 50 mil morreram, com milhares de inválidos permanentes (cegos, aleijados, surdos, loucos). Dos aliados brasileiros, metidos à força contra o Exército de Solano Lopes numa Aliança infeliz (entre Uruguai e Argentina), o Uruguai perdeu metade dos seus quase seis mil soldados. A Argentina contou quase 18 mil mortos entre seus 30 mil soldados, mortos em batalhas, doenças e deserções (uma vez que os argentinos não queriam participar dessa campanha que foi capitaneada por interesses da Grã-Bretanha em tentar frear a industrialização do pequeno país vizinho). O cólera foi o “general” destruidor de todos os Exércitos, dizimando boa parte dos combatentes e levando à miséria absoluta a população sobrevivente do Paraguai. Outro dos tantos episódios vergonhosos do Exército brasileiro (incluindo aí a Proclamação da República, fruto de um golpe de Estado por Marechal Deodoro) foi o massacre de 20 mil pessoas no Arraial de Canudos, Bahia, entre os anos de 1896-1897. Este é considerado o segundo crime de genocídio perpetrado pelo Exército brasileiro! Este “glorioso” exército precisou enviar quatro expedições para liquidar a revolta comandada pelo missionário Antônio Conselheiro. Este líder foi considerado, pelo governo aliado de Floriano Peixoto (outro golpista militar), como um perigoso foco monarquista e que deveria ser destruído com toda força e selvageria. O governo humilhado pela derrota das duas primeiras expedições enviou numa terceira expedição o coronel Antonio Moreira Cesar. Este militar era um criminoso de guerra, que foi responsável pela degola a sangue-frio de cem pessoas na repressão à Revolução Federalista em Santa Catarina. Seu apelido era: “corta-cabeças”! Esta expedição, composta por 1.300 homens, foi rechaçada pelos revoltosos, matando o corta-cabeças e, no mesmo dia, o coronel substituto, Pedro Nunes Tamarindo. Com três derrotas sucessivas, o ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado de Bittencourt preparou, em abril de 1897, a 4ª e última expedição, delegando a destruição total de Canudos e de seus habitantes e revoltosos. A expedição ficou à cargo do General Artur Oscar de Andrade Guimarães. Composta de duas colunas, num total de oito mil soldados, as tropas foram lideradas pelos generais Cláudio do Amaral Savaget e João da Silva Barbosa Entre a data de criação dessa expedição e a destruição total de Canudos, passar-se-iam cinco meses, com a morte de outro comandante famoso, Thompson Flores, ancestral do atual Presidente do TRF-4, que chancelou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (tirando-o das eleições de 2018). Antonio Conselheiro morreria de fome ou disenteria durante o cerco final, e os combatentes e a população do Arraial, diante de tamanha força militar tão avassaladora se rendeu, hasteando bandeiras brancas. Todos os homens, mulheres e crianças aprisionados, cerca de 20 mil, foram degolados, cobrindo o Exército de uma nova vergonha histórica, mas que não deixou lições éticas para a posteridade. Passando posteriormente por violências de Estado na revolta da vacina, da chibata, do cangaço de Lampião, o Exército foi-se cobrindo de novos atos ignominiosos. Ganharia ainda mais soberba após a campanha da Segunda Guerra Mundial, capitaneado pelos interesses norte-americanos em ganhar a guerra contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). São suspeitos os torpedeamentos de navios cargueiros brasileiros nas costas do país atribuídos aos alemães, pois parece que boa parte destes naufrágios criminosos foram realizados por submarinos norte-americanos para acelerar a entrada do Brasil ao lado dos Aliados. Para “consagrar” a desonra das Forças Armadas brasileiras adveio o golpe militar de 1964 apoiado, inclusive (sabe-se hoje pela liberação dos documentos secretos), por navios de guerra norte-americanos fundeados nas costas brasileiras. Foram 21 anos de ditadura, com o fechamento do Congresso e sua posterior tutela, com sequestros de cidadãos, torturas, assassinatos, desaparecimentos e etnocídio indígena. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) contabilizou nesse novo período obscuro da História brasileira cerca de 500 assassinatos, milhares de torturados e desaparecidos, além do assassinato de, ao menos, 8.350 indígenas mortos em diferentes massacres, prisões, torturas, expulsão de suas terras etc. Após o esgotamento do ciclo militar de 1964, repleto de assassinatos, um sistema continental de censuras, corrupções de toda ordem e a falência econômica do país, o regime foi entregue a uma eleição indireta (colégio eleitoral) com participação civil (Paulo Maluf x Tancredo Neves) em detrimento à emenda das DIRETAS JÁ. Com uma anistia ampla, geral e irrestrita, que livrou militares mãos-sujas-de-sangue de processos e de prisões, o âmago dessas Forças Armadas protetoras não do povo, mas das elites econômicas do país, mantiveram adormecidas novas banalidades do Mal que seriam despertadas com os golpes sucessivos de 2016 (Cunha-Temer) e 2018 (Bolsonaro-Fake News). A despeito da vontade de retorno ao poder, uma vez que toda a roupa suja das Forças Armadas (crimes de responsabilidades e terrorismo de Estado) não tinha sido lavada pela Anistia, faltava aos militares um aríete para chegar a esse Poder. Infelizmente, o único meio que se enquadrava nessa possibilidade de retorno era o candidato a presidente e ex-capitão do Exército, praticamente expulso da vida militar (por elaboração de práticas terroristas – bombardear quartéis para forçar aumento dos soldos), Jair Messias Bolsonaro. Este filho-bastardo do Exército, aposentado à força com pouco mais de 30 anos, era a única possibilidade restante, mesmo sabendo-se que era envolvido com perigosos milicianos do Rio de Janeiro. Os militares sem força “moral” para um golpe acabaram se calando no golpe de Cunha-Temer de 2016, reinventando o SNI (Sistema Nacional de Informação) sob a tutela do General Etchegoyen e acabaram tornando-se protagonistas do golpe eleitoral de 2018, garantindo a tutela do STF e a não investigação por este Tribunal do impulsionamento de fake news via whatsapp e outras mídias sociais, além de ameaçarem a Nação, via Jornal Nacional, um dia antes do Supremo julgar o famoso HC (habeas corpus) que tiraria Lula da prisão e permitiria a ele participar do pleito presidencial. O gene do Mal das Forças Armadas e, especialmente, do Exército, floresceu nas Trevas promovidas pelo desgoverno Bolsonaro. Porém, a ignomínia lhes sobreviverá, especialmente porque quem está levantando as imoralidades dos militares: um outro imoral, boquirroto e sofista-astrólogo: Olavo de Carvalho. Agora, ambos se equivalem: o bolsonarismo que assaltou o poder pela fraude de 2018 e aqueles que assaltaram o poder em 1964, autores dos genocídios passados na Guerra do Paraguai e no Arraial de Canudos. O processo histórico não se bloqueia! As responsabilidades sempre aparecerão e, hoje, as honrarias compradas por medalhinhas da República acabarão desmascaradas para sempre. No Exército esse fato será sempre rememorado pela História! Será como se a vergonha devesse eternamente sobreviver-lhe, como nos ensina de forma magnífica Franz Kafka, em seu “O Processo”. Quem viver, verá! E nos livros de História que sobreviverão à queima no atual fascismo... *Marcos Cesar Danhoni Neves é professor titular da Universidade Estadual de Maringá, autor do livro “Lições da Escuridão”, entre outras obras