Prefeitura tucana cancela evento de natal na periferia de São Bernardo

O “Natal Solidário no Calux” teria a participação de vários artistas locais, além de atividades infantis. O prefeito Morando e a promotora Regina Célia Damasceno, os mesmos que cancelaram o show de Caetano na ocupação Povo sem Medo, conseguiram na justiça a proibição do evento

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O “Natal Solidário no Calux” teria a participação de vários artistas locais, além de atividades infantis. O prefeito Morando e a promotora Regina Célia Damasceno, os mesmos que cancelaram o show de Caetano na ocupação Povo sem Medo, conseguiram na justiça a proibição do evento Por Julinho Bittencourt Uma frase definitiva do juiz Gustavo Dall’olio, no meio de toda a papelada, resumia o fim de meses de preparação, consultas à comunidade, idas e vindas às secretarias da prefeitura, conversas com autoridades e órgãos públicos: “Portanto, havendo risco de dano irreparável ou de difícil reparação, defiro a liminar, para ordenar a não realização do evento "Rap Pela Paz, Natal Solidário no Calux - 2ª Edição". Ajude a Fórum a fazer a cobertura do julgamento do Lula. Clique aqui e saiba mais. O texto acrescentava ainda: “Autorizo força policial, requisitando-se atuação dos órgãos de trânsito, inclusive mediante impedimento de acesso de estruturas e equipamentos de sons e/ou iluminação”. Era o fim da segunda edição do evento “Natal Solidário no Calux”, no Jardim Calux, em São Bernardo do Campo (SP), com a participação de vários artistas locais e convidados, como Afro-X, Dexter e Tribunal Popular, além de atividades infantis, esporte adaptado entre outras, que aconteceria no domingo último (17). O juiz atendia aos mesmos personagens que proibiram o show de Caetano Veloso na ocupação “Povo sem Medo”, do MTST, em outubro, e agora, voltavam à ação: o prefeito tucano Orlando Morando e a promotora de justiça Regina Célia Damasceno. Veja a íntegra do processo aqui. Caetano, na ocasião, disse uma frase reveladora: “É a primeira vez que sou impedido de cantar no período democrático. Dá a impressão de que não é um ambiente propriamente democrático”. Rap pela Paz O evento “Natal Solidário no Calux”, além de ter como objetivo levar um dia de lazer e música para a comunidade, tinha a intenção de celebrar a paz. Conforme explica o rapper e ativista Cristian de Souza Augusto, conhecido como Afro-X, os últimos anos por ali não tinham sido fáceis, com várias mortes de jovens negros por um grupo de extermínio que atuou no Calux. “De dois anos para cá, graças ao diálogo com a comunidade e várias denúncias seguidas, a milícia deixou o Jardim”, disse. Ao invés de solidário, o domingo foi um dia de tensão, com a polícia fazendo soar a sirene em torno do local onde deveria ser o evento. Do outro lado, calada e descontente com o cancelamento, a população do Jardim amedrontava as autoridades com a possibilidade de uma revolta iminente. Policiais rondam o Jardim Calux no domingo (17), nas imediações onde seria o evento Revolta que não se deu graças à mediação de Afro – X, que assistiu a tudo de um local alto e privilegiado da comunidade. De lá se comunicou com quem de direito e apaziguou as coisas. Ao menos por enquanto. Afro-X Afro-X é um artista nascido e vivido na periferia de São Bernardo do Campo, no Jardim Calux, que enquanto jovem se envolveu com o crime, cumpriu pena e descobriu uma saída com a música. Hoje, além de gravar seus discos, mantém a ONG Superação, ao lado de parceiros e irmãos como o Bad e o Dexter, com o objetivo de apontar caminhos para os jovens que, assim como ele, um dia caíram ou podem vir a cair na tentação do crime. O evento Natal Solidário foi criado em 2009 para, inclusive, preencher uma lacuna do poder público, que não realiza nenhuma ação do tipo no esquecido Jardim Calux. De acordo com Afro-X, a primeira versão em 2009, ocorreu sem problemas com a apresentação de vários grupos locais. A peregrinação pelos órgãos públicos E era essa a mesma intenção, oito anos depois. “Nós procuramos a prefeitura para legalizar o evento e pedir uma parceria. Tivemos reuniões com vários secretários. Primeiro com o secretário de Cultura, que não pôde resolver e depois com a secretaria de governo, que começou a achar que não seria possível fazer no formato anterior, com vários artistas famosos”, contou. Mais uma vez, Afro-X conta que resolveram fazer apenas com os grupos locais, para atender o pedido da administração. “A última conversa nossa com a prefeitura foi no dia 25 de novembro. Depois disso, disseram que iam fazer uma avaliação técnica. O rapper Cleiton de Souza Augusto, conhecido como Bad, integrante da União Revolucionária Social (URS) e do grupo Tribunal Popular, atuou como produtor do evento. Ele conta que protocolou todos os memorandos necessários no dia 22 de novembro. Daí em diante, de acordo com Afro-X, não falaram mais nada e o próprio prefeito Orlando Morando mandou recado por um vereador que mediou a situação (não quis dar o nome), dizendo que o evento não seria realizado devido a intervenção do MP”, lamentou. “Usuários” No documento original do processo, no entanto, o próprio prefeito, envia uma notificação assinada ao MP pedindo para indeferir o evento, pois a administração não havia expedido “qualquer tipo de autorização para a sua realização, mesmo que conste o logo deste Município nos cartazes de divulgação”. Na notificação, o prefeito Morando disse ainda que o evento pode “promover descontrole dos usuários do local”, expressão que causou desconforto entre os moradores, de acordo com Afro-X. Para Afro-X, no entanto, as coisas não estão de todo perdidas. “Nós estávamos com toda a estrutura pronta, com a ajuda do comércio local, parcerias, empresa de som, que ficamos devendo. Hoje estamos com um prejuízo de pelo menos R$ 30 mil”, contou. Mas, segundo ele, este prejuízo não é absoluto, pois “parte da estrutura será usada em algum outro evento, nem que seja em local fechado”, concluiu. Veja abaixo, nota pública que Afro-X soltou para a prefeitura de São Bernardo logo após a proibição do evento. NOTA DE REPÚDIO - O Jd. Calux clama por justiça sociocultural. PREFEITURA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO, sentimo-nos envergonhados qual tamanha falta de humanidade com a comunidade, a organização, os artistas voluntários, ativista culturais, fãs, sociedade, isso nos faz lembrar dos tristes episódios dos tempos da ditadura... Se um dos mestres da MPB foi barrado em seu show imagina o rap. É com extrema indignação que vemos nos manifestar através das redes sociais, pois o evento "NATAL SOLIDÁRIO - RAP PELA PAZ” foi cancelado pelo prefeito Orlando Morando sem nenhuma justificativa plausível nem técnica. O trâmite burocrático foi feito dentro do prazo estabelecido, a entrega das autorizações foi realizada no dia 22 de novembro e protocoladas nas respectivas secretarias responsáveis, ao mesmo tempo coletamos as assinaturas dos moradores da rua do evento. Esta semana foi muito tensa, desde a segunda-feira corremos dia e noite pois viemos a saber através de terceiros que a prefeitura vetaria e agiria com truculência caso fizéssemos o evento. Em resumo, só conversa fiada! Não tivemos nenhum parecer técnico cabível, além disso, no local já ocorreram inúmeros eventos de mesmo porte ou maiores sem que houvesse qualquer ocorrência. A gestão atual não deu outra opção para suprir a demanda desta comunidade carente do social, cultura e lazer que é assegurado por nossa constituição Brasileira. Foi negado o direito à cidadania e liberdade de expressão. Encaramos como perseguição e desrespeito, haja vista que o Prefeito e as secretarias não deram nenhuma resposta plausível, vetando nosso evento e o denunciando ao Ministério Público. Além disso, moradores do Jardim Calux estão sofrendo há anos com a repressão e com a ausência do Estado. Cinjo-me de luto porque também não respeitaram os artistas, lideranças comunitárias que voluntariamente se solidarizaram com a causa. Está, por sua vez, vai muito além do evento cultural, é também uma manifestação em protesto pelo genocídio de jovens assassinados brutalmente por motivo fútil, por serem negros, ou de descendência nordestina. Em memória de todos que perderam suas vidas precocemente e familiares vítimas do descaso das autoridades