Quem foi o Coronel Ustra, o maior torturador do Brasil

Reveja aqui, em detalhes, quem foi o coronel Ustra, saudado como herói por Bolsonaro. Um assassino sádico e sanguinário que comandou a tortura e a morte de mais de 500 pessoas

O coronel torturador Ustra - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Amelinha Teles “Ele levar meus filhos para uma sala, onde eu me encontrava na cadeira do dragão (instrumento de tortura), nua, vomitada, urinada, e ele leva meus filhos para dentro da sala? O que é isto? Para mim, foi a pior tortura que eu passei. Meus filhos tinham 5 e 4 anos. Foi a pior tortura que eu passei” – Ex-militante Amelinha Teles [caption id="attachment_142580" align="alignnone" width="426"] Foto: Reprodução/Site de Fernando Pompeu[/caption] Quando o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) dedicou seu voto a favor do impeachment da presidenta Dilma Rousseff ao torturador da ditadura militar, ex-chefe do DOI-Codi, Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, em abril de 2016, um misto de perplexidade e desprezo pelo então deputado do baixo clero tomou conta de todos. Ninguém, naquele momento, imaginaria, no entanto, que apenas dois anos depois, Bolsonaro estaria no segundo turno das eleições presidenciais. Acreditar que, de uma hora para outra, parte significativa da população brasileira passou a apoiar torturadores não é plausível. Muito mais provável é que, neste emaranhado de informações e contrainformações muitos eleitores não saibam exatamente de quem se trata. Quem é, de fato, o ídolo exaltado pelo candidato Bolsonaro. Dilma Rousseff “Uma das coisas que me aconteceu naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban (Operação Bandeirante). Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o (capitão Benoni de Arruda) Albernaz completou o serviço com um soco arrancando o dente” – Ex-Presidenta Dilma Rousseff [caption id="attachment_140380" align="alignnone" width="428"] Foto: Roberto Stuckert Filho/PR[/caption] As suas vítimas, em depoimentos que envolvem este texto, falam por si, mas resgatar e divulgar a vida e a memória de um dos personagens mais tristes, sádicos e violentos da nossa história recente tornou-se, mais uma vez, tarefa urgente. Depois de uma atuação militar medíocre, em Santa Maria (RS), Ustra foi designado para comandar a Operação Bandeirante (Oban), centro criado pela ditadura em São Paulo, em 1969, com o objetivo de torturar dissidentes para obter informações sobre os colegas militantes. A um dos presos, frei Tito, Ustra disse, em 1970: “Você vai conhecer a sucursal do inferno”. Frei Tito [caption id="attachment_142581" align="alignnone" width="408"] Foto: Arquivo[/caption] “Dependurado nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-me ‘telefones’ (tapas nos ouvidos) e berravam impropérios. Isto durou cerca de uma hora. Descansei quinze minutos ao ser retirado do ‘pau-de-arara’ – Frei Tito de Alencar Lima. Frei Tito nunca se recuperou das torturas e veio a se suicidar, em 1974, em Lyon, na França, onde vivia exilado. Após o “sucesso” da Oban, o governo criou o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), que funcionava nas principais capitais do país. Ustra comandou o Doi-Codi entre 1970 e 1974 e passou a ser conhecido como Doutor Tibiriça, ninguém sabe a razão. Normalmente Ustra não fazia o serviço sujo, mas comandava os gorilas, policiais que manifestavam gosto por espancar, dar choques e afogamentos entre outras práticas. Nos casos mais difíceis, no entanto, o coronel aparecia para fazer os “passeios” que lhe deram fama: abraçava o detento e o levava a uma sala, onde havia o corpo de um militante. “Se você não falar, vai acabar assim”, dizia. Miriam Leitão [caption id="attachment_133257" align="alignnone" width="442"] Míriam Leitão. Foto: Reprodução TV Globo[/caption] “O homem de cabelo preto, que alguém chamou de Dr. Pablo, voltou trazendo uma cobra grande, assustadora, que ele botou no chão da sala, e antes que eu a visse direito apagaram a luz, saíram e me deixaram ali, sozinha com a cobra. Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia que a cobra estava lá. A única coisa que lembrei naquele momento de pavor é que cobra é atraída pelo movimento. Então, fiquei estática, silenciosa, mal respirando, tremendo. Era dezembro, um verão quente em Vitória, mas eu tremia toda. Não era de frio. Era um tremor que vem de dentro. Ainda agora, quando falo nisso, o tremor volta. Tinha medo da cobra que não via, mas que era minha única companhia naquela sala sinistra. A escuridão, o longo tempo de espera, ficar de pé sem recostar em nada, tudo aumentava o sofrimento. Meu corpo doía” – Jornalista Miriam Leitão Um dos problemas do coronel era a desova dos corpos. Oficialmente, foram 47 pessoas que morreram a partir de torturas realizadas no local. A Comissão da Verdade, no entanto, calcula que o Doi-Codi paulistano executou 502 pessoas. Nas décadas de 1990 e 2000, Ustra foi processado várias vezes por ocultar cadáveres, especialmente em valas comuns do cemitério de Perus, na capital paulista. Ana Rosa Kucinski Silva [caption id="attachment_142582" align="alignnone" width="524"] Foto: Arquivo[/caption] “Ela estava em Petrópolis e ela foi muito torturada. Ela estava visivelmente… havia sido violentada. Com os órgãos genitais cheios de sangue e a roupa toda cheia de sangue” - Depoimento à Comissão Nacional da Verdade do ex-delegado Cláudio Guerra, responsável pelo transporte, no porta-malas de seu carro, dos corpos de Ana Rosa Kucinski Silva e seu marido Wilson, da Casa da Morte até a Usina Cambahyba, onde teriam sido incinerados. Os dois desapareceram, em 22 de abril de 1974, nas proximidades da praça da República, em São Paulo, onde os dois haviam combinado de almoçar. Após a sua passagem pelo Doi-Codi, Ustra se tornou, me 1974, instrutor da Escola Nacional de Informações (EsNI), em Brasília, onde escreveu uma cartilha que pregava o uso de “interrogatórios com mais rigor”. Também se envolveu com maus-tratos a presos na Fazendinha, centro de tortura secreto em Alagoinhas, BA. Bete Mendes [caption id="attachment_81627" align="alignnone" width="300"] Foto: Divulgação[/caption] Em 1978, Ustra foi destacado para São Leopoldo, RS. Quando o regime militar acabou, virou adido militar em Montevidéu. Em 1985, durante a visita do presidente José Sarney ao Uruguai, foi reconhecido pela atriz Bete Mendes. Deputada federal na época, ela disse ter sido torturada pelo coronel. Com o escândalo, Ustra foi aposentado. Ustra foi reconhecido pela Justiça como torturador. O único, até agora. Morreu em 2015, aos 83 anos, vítima de uma pneumonia e de falência múltipla de órgãos. Teria entrado para a vala da história, não fosse o agora candidato à presidência, Jair Bolsonaro, resgatá-lo como herói. Com informações da Comissão Nacional da Verdade, da revista Super Interessante, da Revista Exame, do Pragmatismo Político e da Revista Fórum.