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Sentença do processo nº 0008101-12.2021.8.16.0182

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - FORO CENTRAL DE CURITIBA 6º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE CURITIBA - PROJUDI Av. Anita Garibaldi, 750 - Bloco Juizados Especiais - Cabral - Curitiba/PR - CEP: 80.540-900 - Fone: (41) 3312-6108 - E-mail: CTBA-81VJ-S@tjpr.jus.br

Processo: 0008101-12.2021.8.16.0182 Classe Processual: Procedimento do Juizado Especial Cível Assunto Principal: Indenização por Dano Moral Valor da Causa: R$40.000,00 Polo Ativo(s): GABRIELA HARDT (RG: 45082520 SSP/PR e CPF/CNPJ: 005.606.499-32) Polo Passivo(s): Publisher Brasil Editora LTDA – EPP (CPF/CNPJ: 00.233.706/0001-01)

I – Dispensado o relatório, em atendimento ao art. 38 da Lei nº 9.099/95.

II – Trata-se de demanda ajuizada por Gabriela Hardt em face de Publisher Brasil Editora Ltda EPP.

Quando em audiência de conciliação, as partes consignaram a dispensa de audiência de instrução, optando, portanto, pela desnecessidade de provas a serem produzidas.

O caso vertente envolve matéria exclusivamente de direito, propiciando o julgamento antecipado do mérito (art. 355, I, do CPC). Narra-se na inicial que a autora figura como Juíza Substituta na 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, Juízo em que tramitaram as demandas da “Operação Lavo Jato” em face do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Descreve que a ré teria realizado publicações em “que sugere a existência de conluio com o órgão de acusação e, consequentemente, parcialidade da autora no julgamento do caso”, e que “no dia 4 de março de 2021, a ré noticiou que a sentença "copia e cola" havia sido previamente combinada com Dallagnol, após pedido de agilidade.”

Em nossa sociedade, o direito da informação completa, verdadeira e imparcial é direito difuso salutar à democracia, sendo um direito também de cada cidadão o de formar opinião com autonomia a partir da ampla propagação de ideias e críticas.

Vitais são a liberdade de expressão, comunicação e informação (arts. 5º, IV, IX, XIV e 220), do mesmo modo que a liberdade de informação jornalística (art. 220, § 1º, da CF). Porém, jamais essas liberdades podem servir de supedâneo de ofensas a garantias fundamentais como a honra, pois não são direitos absolutos.

Por este motivo, na ótica do Judiciário pátrio, informações e críticas divorciadas da verossimilhança, que ofendam gravemente direitos da personalidade, refletindo crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação), esbordam o interesse público pelo abuso.

Em tal caso, o dever de informar, que é característico do jornalismo, resta extrapolado, pois há conduta dolosa, configurando ilícito (art. 186 do CC e 187).

Veja-se que o direito de comunicar a população deve ser exercido com responsabilidade, o que, no caso em questão, não ocorreu.

Na matéria de seq. 1.4 a conclusão especulativa apresentada pela parte ré, a partir de áudio supostamente de conversa havida entre terceiros, sobre ter sido a sentença “copia e cola” “combinada” com o representante do Ministério Público, não pode ser considerada como jornalismo, pois afronta a honra da requerente.

Extrapolou-se o exercício regular do direito de informar mediante desqualificação subjetiva específica à atuação da autora, e por meio de especulação.

Com isso, verificada mácula aos direitos fundamentais de honra e imagem da requerente (art. 5º, X, da CF), havendo que se falar em reparação integral, com incidência dos artigos 927 e 944 do Código Civil:

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Nesse sentido, há que se perquirir em que medida haverá eficácia na compensação, punição e prevenção do grave dano causado à reputação da requerente.

Saliente-se que “a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio”, conforme lapidado pelo Enunciado 589 da VII Jornada de Direito Civil.

A publicação na íntegra da decisão na revista em que foi veiculada a matéria não está prevista expressamente no ordenamento jurídico, e não é prática enrobustecida na jurisprudência pátria.

Porém, a casuística permite que haja a aplicação de tal direito, cujo posicionamento encontra amparo nos mencionados arts. 927 e 944 do CC, como modo de garantia da reparação integral e proporcional à extensão do dano.

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de julgar demanda (REsp 1771866 / DF) em que compreendeu cabível determinar a publicação, quando verificado ser meio proporcional e razoável a afiançar a efetividade da responsabilidade civil.

Veja-se a ementa e trecho do Acórdão do Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

“RECURSOS ESPECIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. 1. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. OBRA LITERÁRIA. FIGURA PÚBLICA. ABUSO DO DIREITO DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. AFRONTA AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. EXISTÊNCIA. INFORMAÇÃO INVEROSSÍMIL. EXISTÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI. 2. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MÉTODO BIFÁSICO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. 3. DIREITO À RETRATAÇÃO. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA. POSSIBILIDADE. 4. RECURSO ESPECIAL DOS RÉUS DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Liberdade de expressa e de informação em contraponto à proteção aos direitos da personalidade. O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, para situações de conflito entre tais direitos fundamentais, entre outros, os seguintes elementos de ponderação: a) o compromisso ético com a informação verossímil; b) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi).

1.1. A princípio, não configura ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

1.2. Não obstante a liberdade de expressão seja prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, ela não é absoluta, devendo ser balizada pelos demais direitos e princípios constitucionais. Comprovado, na espécie, que o autor do livro ultrapassou a informação de cunho objetivo, deve preponderar os direitos da personalidade. Dano moral configurado. (...)

3. O direito à retratação e ao esclarecimento da verdade possui previsão na Constituição da República e na Lei Civil, não tendo sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 130/DF. O princípio da reparação integral (arts. 927 e 944 do CC) possibilita o pagamento da indenização em pecúnia e in natura, a fim de se dar efetividade ao instituto da responsabilidade civil.

3.1. Violada a expectativa legítima, cabe à jurisdição buscar a pacificação social, podendo o Magistrado determinar a publicação da decisão condenatória nas próximas edições do livro. 4. Recurso especial dos réus desprovido. Recurso especial do autor parcialmente provido. 

(...) Consabido, a partir do julgamento da ADPF n. 130/DF, pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa) foi considerada, em sua integralidade, não recepcionada pela Constituição da República de 1988. Por conseguinte, não subsiste mais a previsão contida no art. 75 do aludido diploma, a qual possibilitava a publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação, ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada. Oportuno ressaltar, ainda, que o direito de publicação da sentença não pode ser confundido com o direito de resposta, então previsto nos arts. 29 e 36 da Lei de Imprensa, mas que, ao mesmo tempo, possui assento constitucional (art. 5º, V, da CRFB) e em convenção internacional (art. 4º do Pacto de San José da Costa Rica). Saliente-se, também, que, mais recentemente, foi aprovada a Lei n. 13.188/2015, a qual dispõe sobre o procedimento específico a ser adotado para o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. Dessa forma, com amparo na ausência de previsão legal expressa e na impossibilidade de confusão entre o direito de retratação e o direito de resposta, bem como se arvorando na inviabilidade de se argumentar que o princípio da reparação integral do dano (art. 944 do CC) subsidiaria o pleito, a Terceira Turma do STJ já se posicionou desfavoravelmente à possibilidade de publicação da decisão condenatória.

(...) Contudo, considerando a relevância da controvérsia colocada em questão, o recurso em julgamento impõe a esta Corte nova reflexão e aprofundamento sobre o tema. Com a devida vênia do entendimento contrário, os direitos ao esclarecimento da verdade, à retificação da informação inverídica ou à retratação não foram banidos do ordenamento jurídico brasileiro concomitantemente à declaração de não recepção da Lei de Imprensa, no julgamento da ADPF n. 130/DF, pois ele ainda encontra amparo na legislação civil vigente. O art. 927 do Código Civil impõe àquele que, cometendo ato ilícito, causar dano a outrem, a obrigação de repará-lo, ao passo que o art. 944 do mesmo diploma legal determina que a indenização seja medida pela extensão do dano. Isso significa que a principal função da indenização é promover a reparação da vítima, anulando, ao máximo, os efeitos do dano. (...) Por sua vez, a jurisdição deve dispor de meios para garantir a pacificação social, o que inclui afastar ou mitigar os efeitos nefastos do dano. Por isso, a reparação deve ser buscada de forma ampla, admitindo não só a pecúnia, mas também a reparação in natura, nos casos em que ela se mostrar proporcional, possível e adequada. (...) Nessa linha, o Poder Judiciário deve reformular sua visão e dar um passo à frente, abrandando a natureza essencialmente patrimonialista da responsabilidade civil, e buscando a reparação do dano, em toda a sua extensão, firme no disposto no art. 944 do nosso Código Civil. Veja-se que não se trata de “impor uma obrigação de fazer sem previsão legal”, pois ela encontra fundamento na legislação ordinária. (...) Nessa linha de raciocínio, tal entendimento foi cristalizado no Enunciado n. 589 da VII Jornada de Direito Civil: "a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio." Outrossim, a classificação estabelecida com base na Lei de Imprensa não é aplicável ao caso, não somente por sua não recepção, mas pela sutileza do pedido do recorrente, que não se resume à mera publicação da sentença, mas também de seu pedido. Com efeito, tem-se que o seu pedido é, na verdade, um hibrido entre o direito de resposta - formulado pelo ofendido - e a publicação da sentença. Sendo que, esta última, apenas denotaria a chancela jurídica sobre as suas alegações. Esta pequena nuance no caso, a meu ver, afasta a fundamentação dos precedentes desta turma que indeferiram a publicação da sentença com base na distinção entre essa e o direito de resposta. Note-se que um ato reprovável não pode ficar sem a sanção correspondente e proporcional, porquanto a reparação do dano visa ao restabelecimento da situação moral anterior e à colocação da vítima em paz das aflições causadas a suas pretensões legítimas, concedendo ao ofendido um meio adequado para fazer desaparecer ou, ao menos, neutralizar seus efeitos negativos. Assim, imperativo o reconhecimento da subsistência do direito de retratação fundamentado na legislação civil (arts. 927 e 944 do CC), mesmo após o julgamento da ADPF n. 130/DF, preservando-se a finalidade e a efetividade da responsabilidade civil, notadamente nos casos em que o magistrado, sopesando a necessidade de impor a condenação de publicação da decisão condenatória, vislumbre que a medida é proporcional e razoável no caso concreto (Terceira Turma. Rel. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE. REsp 1771866/DF. DJe 19/02/2019.) (destacou-se)

No mesmo norte, o seguinte julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE LIVRO. FALSO RELATO DE CUNHO RACISTA E EUGÊNICO ATRIBUÍDO A POLÍTICO. REPERCUSSÃO NACIONAL E INTERNACIONAL DA FALSA IMPUTAÇÃO. DANO MORAL REPARAÇÃO ESPECÍFICA. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO RECEBIMENTO DA APELAÇÃO POR PREMATURIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR RAZOÁVEL. REVISÃO. SÚMULA 7/ST (...)

2. A liberdade de expressão acarreta responsabilidade e não compreende a divulgação de falsidade e a prática de crimes contra a honra. A divulgação de episódio falso, como se verdadeiro fosse, além de ofender a honra do lesado, prejudica o interesse difuso do público consumidor de bens culturais, que busca o conhecimento e não a desinformação. 3. Publicação de livro imputando falsamente a pessoa pública afirmações de cunho racista e eugênico. Ampla divulgação na mídia impressa, televisiva e virtual, tendo acarretado também processo criminal contra o autor perante o Supremo Tribunal Federal por crime de racismo e processo de cassação de mandato perante a Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar. (...) 7. O direito de resposta, de esclarecimento da verdade, retificação de informação falsa ou à retratação, com fundamento na Constituição e na Lei Civil, não foi afastado; ao contrário, foi expressamente ressalvado pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Trata-se da tutela específica, baseada no princípio da reparação integral, para que se preserve a finalidade e a efetividade do instituto da responsabilidade civil (Código Civil, arts. 927 e 944). (...) 11. Recurso especial de Ronaldo Ramos Caiado parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. 12. Recurso Especial de Fernando Gomes de Moraes conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido. 13. Recurso especial de Editora Planeta do Brasil Ltda não Conhecido” (Quarta Turma. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI. REsp 1440721/GO. DJe 11/11/2016). (destacou-se)

Na linha do Superior Tribunal de Justiça, volvendo a indenização, “não exige que ela seja, sempre e invariavelmente, a entrega de uma quantia em pecúnia”.

Do exposto, como corolário da reparação civil integral, considerando-se o interesse jurídico lesado e as peculiares do caso, para o restabelecimento do “status quo ante”, ao fim de alcançar uma reparação eficiente, é de se deferir o pleito autoral de publicação da sentença de condenação.

Quanto à reparação pecuniária, em situações de menor gravidade, de mero descumprimento contratual, a Turma Recursal arbitra danos morais no valor de R$ 10.000,00, a exemplo dos autos 0004603-38.2017.8.16.0184 (TJPR. 3ª Turma Recursal. Rel.: Juiz Marco Vinícius Schiebel. Julgado em: 07.11.2019.

Assim compreende o Superior Tribunal de Justiça quanto a matérias jornalísticas: “Depreende-se dos aludidos julgados que este Tribunal Superior considerou adequada a verba indenizatória para reparar danos morais decorrentes de publicação de matéria jornalística ofensiva à honra, valores entre R$ 25.000,00 a R$ 50.000,00, a depender das peculiaridades do caso delineadas pelas instâncias ordinárias” (STJ. QUARTA TURMA. Ministro MARCO BUZZI. REsp 1322264 / AL. RECURSO ESPECIAL. 2012/0093881-6. DJe 28/09/2018).

Destarte, pautando-se em julgados das Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Paraná e do Superior Tribunal de Justiça, primando pelo desestímulo à repetição das condutas, mas ao fim de se evitar enriquecimento ilícito, o valor razoável que representa a compensação pelas ofensas consiste em R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais).

III - Ante o exposto, e com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos, para determinar a publicação da decisão condenatória no mesmo veículo e espaço utilizados na matéria de seq. 1.4, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais), e condenar a ré ao pagamento de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) à autora, corrigidos pela média entre o INPC e o IGP-DI, acrescidos de juros de mora a base de 1% ao mês, ambos a contar desde a sentença, haja vista terem sido fixados nesta oportunidade e em quantia certa.

Isento do pagamento de custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/95.

Encaminho o presente para análise do MM. Juiz de Direito Supervisor, consoante o art. 40 da Lei nº 9.099/95.

Curitiba, 29 de setembro de 2021.

Maryah Amaral Schroeder Juíza Leiga