2020 foi o ano de maior desigualdade nas grandes cidades brasileiras

10% dos mais ricos ganharam 39 vezes mais que os 40% dos mais pobres

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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O Boletim que mede a desigualdade nas grandes cidades brasileiras é desenvolvido pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a PUCRS e o Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL).

Hoje foi publicado o Boletim Desigualdade nas Metrópoles nº 3. Ele aponta que 2020 foi o ano em que se consolidou o maior nível de desigualdade nas metrópoles brasileiras. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é base de dados para gerar o Boletim da Desigualdade. Ela começou a ser realizada trimestralmente em 2012. Isso significa que desde que a série história que mede a disparidade de rendimentos do trabalho passou a ser publicada, 2020 foi o campeão de produção de desigualdades, da distância entre ricos e pobres.

Retrocesso dos avanços dos governos democráticos no combate à desigualdade

Em dezembro de 2012 o dólar era comprado por 2, 07 reais. Hoje, nós precisamos de 5,37 reais para comprar o mesmo dólar. Ou seja, precisamos hoje de mais que o dobro de reais para comprar o mesmo produto que comprávamos em 2012. Esse é o tamanho do retrocesso na renda dos trabalhadores brasileiros: oito anos e com o dinheiro valendo bem menos que valia em 2012.

De acordo com Marcelo Ribeiro, professor do IPPUR/UFRJ e um dos coordenadores do estudo: “No final de 2020 houve um patamar próximo ao verificado no primeiro trimestre de 2012, quando começou a série história da PNADc. Ou seja, estamos em níveis próximos daqueles apresentados há oito anos. Esse retrocesso é decorrente da crise econômica existente no país há alguns anos e que foi aprofundada durante a pandemia. As consequências, porém, recaem principalmente sobre a população mais pobre, que além de ter baixa remuneração, é também a que mais perde

Os estudos mostram que o rendimento médio dos 40% mais pobres caiu mais de um terço entre o quarto trimestre de 2019 e de 2020. Ou seja, os mais pobres perderam ainda mais recursos para sobreviver, aqueles que contavam em fins de 2019 com R$ 237,18 tiveram de se virar com R$ 155,95 um ano depois. Já os 10% mais ricos, mesmo com uma queda de 6,9% em seus rendimentos, a média variou de R$ 6.825,36 para R$ 6.355,74. Isso significa que os 10% com maior rendimento ganharam em média 39 vezes mais do que os mais pobres.

Veja, no gráfico abaixo, as perdas de rendimento entre os grupos mais pobres, intermediários e os mais ricos:

Pandemia amplia quadro de pobreza em curso e compromete as futuras gerações

O atraso, a interrupção e depois a diminuição do valor do auxílio emergencial ampliou a pobreza e mergulhou o país ainda mais fundo no cenário de fome. De acordo com o professor da PUCRS e um dos coordenadores do estudo, Andre Salata: “Durante o segundo semestre de 2020, o auxílio emergencial conseguiu compensar grande parte das perdas, evitando que 23 milhões de pessoas caíssem na pobreza nas metrópoles, como verificamos no segundo boletim. Porém, o corte dos pagamentos freou a recuperação de renda e ampliou um quadro trágico de aumento da pobreza e da extrema pobreza. Sem dúvida, a interrupção do auxílio foi equivocada e não levou em consideração dados como esse que trazemos aqui”.

Este nível de desigualdade e ampliação da pobreza que fez o Brasil retornar ao mapa da fome (condição superada em 2013) não compromete apenas o presente, mas as gerações futuras.

Os efeitos da extrema pobreza, desindustrialização e ausência de políticas públicas, capazes de combater a desigualdade, serão duradouros e atingirão as próximas gerações. Salata argumenta que: “Como a desigualdade de renda aumentou substancialmente ao longo da pandemia, com perdas muito grandes para os estratos mais baixos, haverá consequências para o sucesso escolar de crianças e jovens provenientes das famílias mais pobres num futuro muito próximo, em termos de atraso, evasão e ingresso nos níveis mais altos de ensino”.

Os dados do Boletim das desigualdades mostram ainda que entre os mais pobres, 8,8% das crianças e jovens com idade correspondente ao Ensino Fundamental, e 26,9% dos jovens com idade correspondente ao Ensino Médio, tinham escolaridade abaixo da esperada, indicando atraso escolar. No estrato dos 10% mais ricos, esses valores eram de 2,7% e 4,4%, respectivamente. Quando o recorte e o ensino superior o fosso entre pobres e ricos se aprofunda: apenas 16,8% dos jovens entre 18 e 24 anos que fazem parte do estrato mais pobre ingressaram no ensino superior em 2020, entre os mais ricos esse valor salta para 66,4%.

Politicas públicas no setor da educação e renda básica dos governos progressistas conseguiram reduzir o analfabetismo, a taxa de atraso escolar e propiciar maior ingresso de jovens da classe trabalhadora na universidade. Esses ganhos acumulados socialmente estão em risco. Ribeiro alerta: “Com a redução da renda familiar per capita decorrente da crise econômica e do agravamento da pandemia, essas crianças e jovens podem ser levados a abandonar a escola ou a universidade e terem de trabalhar para ajudar na composição da renda familiar. Isto é, as consequências do que estamos vivendo não se restringem apenas ao momento atual, mas se referem também ao futuro das crianças e jovens”.

Acesse a integra do Estudo: “Boletim Desigualdade nas Metrópoles nº 03