57 anos após o golpe de 64, e os militares estão na pauta do dia da política

Novo ministro da Defesa, Braga Netto, exalta a ditadura militar, mas Bolsonaro está mais isolado e tem mais um pedido de impeachment contra ele

Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto - Foto: Marcos Corrêa/PR
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Esta semana começou agitada, com os pedidos de demissão de dois ministros na segunda-feira (29), o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e a já esperada saída de Ernesto Araújo, das Relações Exteriores. Logo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma reforma ministerial, com a troca de seis ministros.

Mas o que chamou mais atenção foi o dia seguinte quando os três comandantes das Forças Armadas anunciaram que também deixariam seus cargos. Assim, Edson Leal Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Bermudez, da Aeronáutica, serão substituídos.

Segundo o chanceler Celso Amorim, ex-ministro da Defesa no governo Dilma e das Relações Exteriores nos governos Lula, não é normal uma troca desse tipo, a não ser que fosse uma mudança de governo. Para ele, as saídas mostram “o propósito de Bolsonaro de ter o Exército na mão”. “Não talvez para dar um golpe, mas talvez para não impedir ações. Tipo uma invasão do Congresso pela milícia, tipo Capitólio. O próprio presidente Bolsonaro disse que isso poderia acontecer aqui. É talvez para não agir. Os golpes hoje em dia são um pouco diferentes", disse em entrevista ao Fórum Onze e Meia.

E na véspera dos 57 anos do golpe de 1964, a palavra “golpe” tomou conta das redes sociais. Será que Bolsonaro estaria tramando um autogolpe?

As suposições aumentaram depois que se soube da insatisfação do presidente com o então comandante do Exército, Edson Pujol, por ele ter se recusado a se manifestar contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou o ex-presidente Lula elegível. Bolsonaro queria que Pujol repetisse a atitude de Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército em 2018, que publicou uma mensagem ao STF antes da Corte julgar um habeas corpus do petista. A mensagem do general foi considerada intimidatória.

Na passagem do comando do Exército para Pujol, em janeiro de 2019, Villas Bôas disse que a eleição de Bolsonaro fez com “que o ‘Rio da História’ voltasse ao seu curso normal” e que os responsáveis para esse feito eram o próprio presidente eleito, o ex-juiz (agora considerado suspeito) Sergio Moro e o general Walter Souza Braga Netto, então interventor do Rio de Janeiro.

Braga Netto deixou a Casa Civil e assumiu o Ministério da Defesa no lugar de Azevedo e Silva. Nesta terça (30), em seu primeiro ato, divulgou uma ordem do dia na qual defende que se celebre o “movimento de 31 de março de 1964”, data que levou o país a uma ditadura militar por 21 anos.

O novo ministro da Defesa ignorou em seu comunicado as torturas, a censura e as mortes de opositores à ditadura pelo Estado. Braga Netto distorce a história, dizendo que em 1964 as Forças Armadas assumiram "a responsabilidade de pacificar o país" para "garantir as liberdades democráticas".

“A pacificação estaria em colocar ratos nas vaginas de mulheres torturadas? Em matar e ocultar cadáveres (até hoje)? Canalhas sádicos!”, disse a deputada federal Natalia Bonavides (PT-RN), que entrou com uma ação para proibir o poder público de comemorar a ditadura militar. “Não podemos admitir que o governo comemore um momento histórico cruel, que torturou, estuprou e matou.”

O escritor Frei Betto, que foi preso e torturado pela ditadura militar, diz que até hoje ainda doem “as torturas sofridas no Cenimar, serviço secreto da Marinha, no Rio, em junho de 1964”. Ele conta que tinha apenas 19 anos. “Ainda doem os quatro anos de prisão, os frades dominicanos torturados no Dops de São Paulo, frei Tito massacrado no Doi-Codi, tantos companheiros e companheiras assassinados, banidos, exilados, cassados. Uma geração dependurada no pau-de-arara pela ousadia de sonhar um Brasil sem as dores cruéis da fome, do latifúndio, do trabalho semiescravo, da profunda desigualdade social”, escreveu. Ele conta o horror desse período do Brasil, exaltado por militares como Braga Netto e pelo próprio presidente, nos livros livros Batismo de Sangue (Rocco), Diário de Fernando (Rocco) e Cartas da Prisão (Companhia das Letras).

Nesta quarta-feira (31), deputados de oposição ao governo apresentam mais um pedido de impeachment contra Bolsonaro pelo uso inconstitucional das Forças Armadas para atacar a democracia. Para Marcelo Freixo (PSOL-RJ), um dos parlamentares que assina o pedido, “quem comemora o golpe não é patriota. É traidor do Brasil, inimigo da democracia e da liberdade. Celebrar a ditadura é fazer apologia ao crime, tortura, assassinato, censura. Não permitiremos que um presidente aspirante a ditador mergulhe nosso país nas trevas”.

O general do Exército Sérgio Etchegoyen afirmou nesta quarta-feira (31) que os militares não apoiam a “aventura” de Jair Bolsonaro (sem partido) de reviver 1964 e instalar uma nova ditadura. “Não se faz uma aventura desse jeito. Nós teríamos um repúdio internacional. O Brasil viraria um pária definitivo.” E completou: “Em 1964 tinha apoio popular, apoio da imprensa, apoio da população, uma porção de coisas. Se acharem que tem gente na mesma quantidade para sair para a rua apoiar uma ruptura em nome do presidente ou a queda do presidente, tá bem. Mas não vão achar. Nem vão achar nas Forças Armadas alguém que imagine que isso seja a solução. E lamento muito que alguns na sociedade achem que isso seja possível”.

É lamentável que o próprio presidente exalte o golpe e a tortura – é só lembrar do voto dele no golpe de 2016 contra Dilma Rousseff homenageando o torturador coronel Brilhante Ustra – e esteja deixando ao seu lado os militares que pensam como ele.

Felizmente, a crise com os militares desta semana mostrou que Bolsonaro está ainda mais isolado e fraco politicamente. Segundo a 8ª Pesquisa Fórum, deste mês, sua avaliação positiva nunca esteve tão baixa. Bolsonaro não tem força para um golpe. E a luta tem que seguir pela verdade histórica sobre o que foi realmente o golpe de 1964 e o regime que se instalou a seguir, inclusive em outros países da América Latina. Ditadura nunca mais.