A desigualdade social e a criminalização dos movimentos populares

Raimundo Bonfim: “Ao persistirem o aumento do desemprego, a desigualdade social, a violência e a falta de políticas de habitação popular, as cidades, em breve, se transformarão em uma panela de pressão, preste a explodir”

O desemprego castiga a população brasileira - Foto: Cesar Itiberê/Fotos Públicas
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O drama do desemprego se espalha por todo o território nacional, especialmente nas regiões metropolitanas e médias cidades. Todos os levantamentos feitos nos últimos meses concluíram que, em todo o país, o número de desempregados já ultrapassa os 13 milhões. Uma situação que atormenta pais e mães de famílias, mas, principalmente, a juventude das camadas sociais mais baixas da população. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Fundação SEAD e Dieese, em abril de 2019, aponta que somente na região Metropolitana de São Paulo, a taxa de desempregados é de 13,9%. O Facebook silenciou a Fórum. Censura? Clique aqui e nos ajude a lutar contra isso As oportunidades de trabalho geradas são de extrema precarização e baixa remuneração. Pesquisa feita na cidade de São Paulo pela Aliança Bike indica o tamanho dessa tragédia. Apenas entre 2018 e 2019, multiplicou-se por 5,4 o número de entregadores ciclistas por aplicativos. Esse trabalhador mora na periferia (distante do trabalho), é homem e jovem (50%), tem ensino médio completo (53%), negro e pardo (71%), trabalha sete dias por semana e, em média, uma jornada diária de 9,24 horas, com remuneração de R$ 936, valor abaixo do salário mínimo vigente, que é R$ 998. Crescem o desemprego, a precarização do trabalho, a baixa remuneração e, também, a desigualdade. De acordo com dados apresentados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no último dia 16, a desigualdade de renda no país já cresce há 17 trimestres ininterruptos, desde o último trimestre de 2014. Note que no início de 2015, o então candidato derrotado no segundo turno das eleições de 2014, Aécio Neves, liderou no Congresso uma política de sabotagem ao governo Dilma. Desde então, os indicadores sociais demonstram que as condições de vida da população mais pobre só pioraram. Segundo estudo da FGV, de 2014 a 2019, a renda do trabalho da metade mais pobre da população despencou em 17,1%, enquanto a renda dos 1% mais ricos subiu 10,11%. No mesmo período, a classe média perdeu 4,16% de sua renda. E os 10% e 5% mais ricos aumentaram em 2,55% e 4, 36%, respectivamente. Com esses dados é desnecessário reafirmar que, mesmo em período de crise, os ricos aumentam sua renda. Como sempre, os custos da crise estão recaindo nos ombros dos trabalhadores (as) de menor renda. O desmonte das políticas sociais, com o corte de recursos na Educação, Moradia, Saúde, em todas as áreas sociais - sem investimentos públicos e privados, desde o governo Temer, mas levado praticamente a zero pelo governo Bolsonaro - tem agravado a situação de miséria, desemprego e violência, principalmente nas cidades. A violência se transformou em uma das principais causas de mortes de jovens. Segundo a Unicef, 16 crianças e adolescentes brasileiros morrem por dia, em média, vítimas da violência. A taxa de mortalidade por homicídio de adolescentes chega a 35/100 mil habitantes. Um verdadeiro genocídio contra os jovens, especialmente os pobres, negros e moradores nas periferias. Vale salientar que é visível o aumento de pessoas perambulando e pedindo ajuda nas ruas das cidades, um sintoma do aumento da miséria e pobreza. O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) tem R$ 470 milhões em repasses atrasados. Com isso, a estimativa é que 200 mil trabalhadores devam ser afetados, aumentando ainda mais o desemprego e tornando mais difícil a realização do sonho da casa própria, direito negado a 7,8 milhões de famílias em todo país, segundo a FGV. O atraso de repasses ocorre justamente para imóveis da faixa I, destinados a famílias com renda de até R$ 1.800. Em alguns casos, há atraso de mais de 40 dias, e as obras já começam a ser paralisadas, com demora de pagamento dos trabalhadores e fornecedores, prejudicando, especialmente, projetos conveniados e tocados por associações de sem teto, que não dispõem de capital de giro. Além do desemprego, precarização, baixa remuneração, aumento da desigualdade, violência, paralisação do MCMV, a vida nas cidades tem se transformado em mercadoria. O espaço público está sendo privatizado, gerando lucro para uma minoria rentista. Os ricos cada vez mais isolados em condomínios de luxo e nas áreas nobres, enquanto a maioria da população é expulsa e jogada para as pontas das cidades, locais sem infraestrutura urbana, saneamento, água potável, transporte caro e precário. Uma população que vive sem acesso aos serviços públicos, sem trabalho, a mercê da violência e desigualdade social. O quadro de desigualdade social e o aumento da miséria nos centros urbanos tende, infelizmente, a piorar, caso se aprove o desmonte da Previdência Social. É o que apontam diversos especialistas no tema. Recentemente, Jair Bolsonaro afirmou que vários ministérios poderão paralisar suas atividades, diante da falta de recursos. E disse que a solução é privatizar empresas públicas para gerar caixa. Mas todos sabemos que o governo dos banqueiros tenta impor a narrativa da necessidade de se privatizar nossas empresas públicas, entregar nossos recursos naturais, retirar direitos, reduzir o orçamento das áreas sociais, como solução para a retomada da economia e geração de emprego e renda. Uma velha mentira dos neoliberais, pois o que aumenta a arrecadação é um duro combate às fraudes e à sonegação fiscal, além de taxar as grandes fortunas, conceder créditos às famílias e pequenas e médias empresas, incentivar o investimento público em obras de infraestrutura e mobilidade urbana, e um ousado programa de obras públicas, como a construção de escolas, universidades, creches, hospitais e moradias populares. Isso sim aquece a economia, gera emprego e aumenta a arrecadação. Sem emprego, sem moradia, sem programas sociais, não há outro caminho, a não ser o da organização e luta. E qual a reposta dos governos e do sistema de justiça elitizado? Criminalizar os que resistem à barbárie social crescente no país, sobretudo nos grandes centros urbanos, que lutam desesperadamente por um teto, para fugir do aluguel. A onda de criminalização dos movimentos sociais e populares já vem de muito tempo, mas tem se intensificado recentemente, em especial com relação aos indígenas, sem-terra, quilombolas, LGBT, população negra, mulheres, defensores de direitos humanos e, por último, os sem-teto. Nesse momento, na cidade de São Paulo, estamos com quatro lideranças de movimentos sem-teto presas: Janice Ferreira Silva, a Preta; Ednalva Silva Franco, Angélica dos Santos Lima e Sidney Ferreira Silva, além de mais nove prisões decretadas e seis com medidas cautelares. A prisão das nossas lideranças foi justificada por uma prática comum em condomínios. Qual seja: as ocupações decidem em assembleia o pagamento de um valor mensal, para custear o reparo de elevadores, pagamento de serviços de hidráulica, energia, limpeza e portaria. Isso é feito em qualquer habitação coletiva, não só nas ocupações. Todos os condomínios funcionam assim. Porém, as lideranças presas e as com prisões decretadas estão sendo acusadas de terem cometido crime de extorsão. Trata-se de uma verdadeiro “lawfare” contra lideranças dos movimentos sem-teto. O inquérito, que culminou com a prisão dessas lideranças, foi instaurado inicialmente para apurar as causas e os responsáveis pelo incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, Centro de São Paulo, tragédia que aconteceu no dia 1° de maio de 2018, deixando sete mortos. Mas a Polícia Civil de São Paulo generalizou as denúncias contra várias lideranças de movimentos sem-teto. Pessoas com longa trajetória de atuação social, conhecidas e reconhecidas pelo mundo político. Mas não adianta prender e criminalizar quem luta. O crime que cometemos é o de resistir às reintegrações de posse, combater a especulação imobiliária e lutar pela função social da propriedade urbana, o direito à cidade e à moradia digna. Ao persistirem o aumento do desemprego, a desigualdade social, a violência e a falta de políticas de habitação popular, as cidades, em breve, se transformarão em uma panela de pressão, preste a explodir.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.