A direita jamais venceria se não fosse tão suja

Raphael Fagundes: “As classes dominantes sempre usaram (ilegalmente) de formas institucionais para conter o progresso do país. Foi assim em 1964 e está sendo assim hoje”

O ex-juiz Sérgio Moro, que insiste na narrativa de que hackers obtiveram e adulteraram suas conversas (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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É sempre lindo e reconfortante ver um político sendo preso, como foi o caso de Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Lula (os bilionários mesmo, Eike Batista, Marcelo Odebrecht, Joesley Batista etc., estão soltos ou em semiaberto). Faz parecer que a Justiça é popular. Mas isso é um mero embuste. Uma estratégia para convencer o povo de que o magistrado está do seu lado. Os vazamentos dos diálogos do atual ministro da Justiça são a prova disso. Que a justiça é um jogo de poder é uma teoria que se confirmou. Não precisamos, portanto, nos basear em juristas para compreender esta questão. Michel Foucault mostra que a justiça, antes de se tornar um aparelho ideológico do Estado, era essencialmente popular. E vemos alguns dos elementos dessa justiça popular nas sedições (1). O desejo de enforcar o chefe supostamente corrupto é uma herança dessa justiça. Muitos aplaudiram ao ver Saddam Hussein enforcado, Kadafi morto etc. Por aqui vimos pessoas comuns se alegrarem ao verem o neto de Lula falecer. Inscreva-se no nosso Canal do YouTube, ative o sininho e passe a assistir ao nosso conteúdo exclusivo Pierre Bourdieu destaca que o campo do direito cria uma lógica positiva ao inventar argumentos que corroboram a ideia de que se está cumprindo um acordo (qualquer que seja). Assim se apresenta como neutro, até mesmo científico. A retórica judiciária, as palavras técnicas que usa, nos faz pensar que ele é realmente um paraíso da neutralidade. No entanto, sua facúndia serve apenas para manter o funcionamento do campo do direito, não se trata nem mesmo de uma questão ideológica (2). Os agentes que atuam no campo do direito “são animados de interesses específicos divergentes”. Interesses que podem ser, sim, de classe, já que “a pertença dos magistrados à classe dominante está atestada em toda parte” (3). Desse modo, quando vemos um magistrado acusar um outro membro da classe dominante (político, empresário etc.), não estamos vendo a Justiça popular sendo feita, mas um conflito de interesse. Mas, sem dúvida, o escândalo protagonizado por Moro deixou isso bem claro ao evidenciar o uso político do judiciário. E até uma criança sabe que política é um jogo de interesse. Será que havia necessidade de ser tão medíocre? As classes dominantes sempre usaram (ilegalmente) de formas institucionais para conter o progresso do país. Foi assim em 1964 e está sendo assim hoje. Mudaram as formas de maquiavelismo, mas continuaram sendo maquiavélicos. É somente dessa maneira, somado ao caráter populista do líder, que as elites conseguem criar um grupo que possa defender as suas injustiças. Elas jogam os populares uns contra os outros, pois sabe que sem um aparato institucional e ideológico, suas propostas não teriam adesão popular. Ela cria primeiro um exército através da mentira, da canalhice. E sabe que convencer uma pessoa que depositou toda sua fé em uma “verdade”, é como convencer o cristão ao ateísmo. Tendo um grupo de apoio, a burguesia faz de tudo para que certos setores se voltem contra ela, para assim, por meio da legalidade, puni-los, julgá-los como ilegais, improdutivos etc. Isso vem acontecendo, segundo Foucault, “sobretudo depois da Revolução Francesa” (4). Sendo assim, está sendo organizado para o dia 30 de junho, pelo MBL e o Vem Pra Rua, uma manifestação em defesa de Moro. A teoria mais uma vez se confirma. E os cretinos fazem história. O certo é que se ainda houver justiça nesse país, não só a condenação de Lula deve ser anulada, mas convocar novas eleições com o ex-presidente no pleito. (1)FOUCAULT, M. “Microfísica do poder”. São Paulo: Graal, 1979, p. 43. (2)BOURDIEU, P. “O Poder simbólico”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 216. (3)Id. P. 242. (4)FOUCAULT, p. 51.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.