A fala apequenada de um indigno

Bolsonaro demonstrou, em Brasília e na Avenida Paulista, a sua visão doentia, autocentrada, belicosa e rebaixada da Pátria. É um expatriado mental

Foto: Marcos Corrêa/PR
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Também nesse aspecto elementar o Tosco que ocupa a Presidência do Brasil foi na contramão. Conseguiu ser mais tacanho que os generais da ditadura que tanto admira. Demonstrou, em Brasília e na Avenida Paulista, a sua visão doentia, autocentrada, belicosa e rebaixada da Pátria. É um expatriado mental.

Como sabemos e sentimos, padecemos da maior crise sanitária da nossa História, com mais de 584 mil famílias enlutadas. Milhões de remédios perderam a validade nos galpões do Ministério da Saúde, por incompetência e descaso, e serão incinerados. A economia está em crise, com o PIB lá embaixo. A inflação, galopante. E o desemprego, persistente e crescente.

A fome açoita 19 milhões de pessoas. Há devastação ambiental e escassez hídrica. O fantasma do racionamento de energia está logo ali na esquina. E, caso ele venha, não será apenas por falta de chuvas. O presidente resolveu acabar com o horário de verão, que há décadas é usado no Brasil (e em outros países) para poupar energia.

Tem a corrupção do fisiologismo do Centrão e de militares distribuídos por Bolsonaro em cargos civis. Isso, sem lembrar a "propinavac" e os esquemas espúrios da "familícia", sob investigação. Enquanto isso, faltam recursos para a Educação, a Ciência e a Pesquisa.

Pois Sua Excrecência, no feriado nacional, não falou absolutamente nada sobre essas gravíssimas questões. Só conseguiu se autoelogiar e vociferar com um "inimigo" - o STF e, em especial, o ministro Alexandre de Moraes. Precisa personificar um algoz para mobilizar sua massa de adoradores. Destilou ódio para esconder a incompetência. Falou em liberdade e Constituição para pregar golpe e descumprimento da Carta Magna. Xingou para dar curso às suas pretensões autocráticas.

A multidão que reuniu é "bolsocrente". Pesquisa na Avenida Paulista mostrou que quase todos consideram o STF e a esquerda como os "maiores inimigos" e rejeitam medidas protetivas contra a Covid (daí quase ninguém usar máscara). Eram homens e brancos 61%, 43% têm renda familiar acima de cinco salários-mínimos. Sua ética é torta e seletiva: cultuaram o já condenado e novamente preso Roberto Jefferson. Em Copacabana, tietaram o reaparecido Queiroz, o das relações milicianas e das "rachadinhas".

Havia muita gente, sim. Mas é bom lembrar que nem sempre time que enche estádio tem a maior torcida. Além disso, a "mobilização" do "protesto a favor" (?!?) teve fortes aporte$, de criminoso uso da máquina pública a caminhões zerinhos, que pareciam saídos de concessionárias, e polpudas gratificações em dinheiro para muita gente, devidamente documentadas em vídeos postados nas redes sociais.

Bolsonaro antevê a derrota eleitoral. Pode até não chegar ao segundo turno. Por isso vai ao limite. Disse inclusive que "não participaria de uma farsa, como essa patrocinada pelo ainda presidente do TSE", atacando Roberto Barroso.

Mas as coisas não estão fáceis para ele. O sucessor de Barroso no Tribunal Eleitoral será... Alexandre de Moraes. Que já deu fartas demonstrações de que não teme os arroubos do presidente.

Está explicado ou é preciso desenhar?

Celso de Mello, ex-presidente do STF, definiu com precisão: "Os discursos revelam a triste figura - e a distorcida mente autocrática - de um político medíocre e sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro chefe de Estado. Bolsonaro não está à altura do cargo que ocupa".

É muito crime de responsabilidade para um indivíduo só. Por isso, ainda que não esteja morto politicamente, está cada vez mais isolado. Tem a cumplicidade apenas de um grupo fanatizado e crescentemente menor, de ministros patéticos e de parlamentares omissos e cada vez mais envergonhados. Todos caminhantes fantasmagóricos para o abismo.

O Brasil não merece tanta injúria.

Mas isso tudo vai acabar.

E “vai passar na avenida um samba popular”, como cantou Chico Buarque numa parceria antológica com Francis Hime, que fala por todos nós.