A pandemia como gatilho de mudança no comportamento dos pais em casa

Com 78% das famílias sobrecarregadas, uma divisão equilibrada das tarefas de cuidado se faz mais necessário do que nunca

Família na pandemia - Foto: Gustavo Fring/Pexels
Escrito en OPINIÃO el

Por Camila Pires*

Nos últimos meses foi possível acompanhar uma série de pesquisas, análises e depoimentos que apontam para um agravamento da violência doméstica e da sobrecarga das mulheres, no entanto, pouco se falou do comportamento masculino durante este período inédito, no quais eles também se viram obrigados a se adaptarem ao contexto doméstico. O relatório Pais em Casa, compilou uma série de informações que aborda o contexto referente a transformação sócio-cultural do comportamento masculino - em especial paterno, com uma abordagem para os cenários antes, durante e pós-pandemia.

O relatório foi realizado pela plataforma 4Daddy, fundada por Leandro Ziotto, e pelas pesquisadoras  Camila Pires, mestranda em antropologia com foco em Paternidades pela Universidade de Paris, e Tayná Leite, mestranda em sociologia na Universidade Federal do Paraná, escritora sobre maternidade e colunista da Revista AzMina. A pesquisa ainda conta com a reflexão e contribuição dos psicólogos Jarbas Junior e Vinicius Farani, e a validação estatística da Bianca Ambrósio, especialista em pesquisa de mercado.

Ao refletirmos sobre o Brasil antes da pandemia, o relatório apresenta dados sobre a opinião e ação do brasileiro em relação à partilha do trabalho de cuidado, demonstrando como o brasileiro (88%) reconhece que existe desigualdade de gênero no país, mostra como mulher continua trabalhando mais do que os homens, tanto em relação às tarefas não remuneradas, quanto na somatória de horas trabalhadas (trabalho remunerado e não remunerado). Apresenta a partir dos dados do IBGE 2019, que nos últimos anos existe um aumento da participação masculina nas tarefas domésticas e de cuidado, mas com percentuais inferiores a 10%. Mostra ainda como existe uma parcela de 35% resistente em relação à noção de partilha do cuidado, o que podemos observar nos dados da pesquisa que aponta que 35% dos homens acreditam que devem no máximo “ajudar” sua esposa.

Entre avanços e resistências, a participação paterna vem ganhando espaço tanto na legislação brasileira, quanto na grande mídia. Segundo o relatório, já estávamos vivenciando a nível global, um movimento - ainda que por um grupo minoritário - por um formato de paternidade participativa. Homens que buscam uma nova relação entre vida pessoal e profissional, visando um equilíbrio entre os dois pilares.

Durante a pandemia, para avaliar o impacto destas famílias, foram realizadas pesquisas quantitativas e qualitativas, com um total de 1800 respondentes, majoritariamente (86%) em isolamento por mais de 2 meses, (56%) realizando tele-trabalho. Questionados sobre divisão de tarefas, quais funções realizadas por cada cônjuge e qual nível de satisfação e harmonia do casal. Como ponto de partida, é importante observar que apenas 22% da amostra de 1554 famílias, menciona uma divisão igualitária, mas como ponto positivo é que este grupo apresenta os melhores níveis de satisfação (84% respondentes satisfeitos com a partilha). 

É possível afirmar que as famílias com filhos estão sobrecarregadas, com mães sendo as mais demandadas, mas com os pais que se mostram impactados de forma consistente tanto em tempo despendido em tarefas de cuidado, quanto domésticas. Entre casais com filhos, mães realizam 21% a mais horas de trabalho não remunerado (cerca de 36 minutos por dia) e possuem 15% menos tempo sem interrupções do que os pais. Apesar de um maior engajamento dos pais, ao observarmos os dados sobre a percepção de quem realiza mais tarefas, existem pontos de vista distintos sob o mesmo tema, que são traduzidos em dados. Muitas vezes, estes acreditam em equidade, enquanto a mulher não tem a mesma percepção.

Vale uma atenção especial para os dados que mostram como os pais continuam privilegiando a realização de certas atividades e evitando outras como lavagem de roupas. A maioria dos homens (70%) declara incluir no cotidiano, atividades como cuidado das crianças e atividades educacionais, atividades estas, menos realizadas antes do isolamento. Dentre os casais com filhos, 43% declaram que a participação do parceiro(a) está dentro das expectativas, com divisão mais equilibrada do que antes do isolamento social, o que indica uma melhoria na participação destes, no ambiente doméstico.

Ao analisar em profundidade o discurso de pais engajados com a temática do cuidado, é possível observar alguns elementos para esta reorganização familiar, são eles: frequente comunicação entre casal, além de intenção e protagonismo dos pais em relação à realização das tarefas. Relatam como se envolver no cotidiano se trata de um processo, conflituoso e de mudança de paradigmas. Podemos observar uma reelaboração da narrativa do papel paterno, que não busca uma super valorização destas tarefas, pelo contrário, gostariam que fosse normalizado, pois, entendem que cuidar é sim o papel dos pais. Grande maioria, pela falta de identificação no entorno presencial, acabam se encontrando e reconhecendo pelas redes, que passam ser uma forma de auto-afirmação.

A partir deste lugar de vulnerabilidade e incertezas vivenciada pelas famílias, o relatório se propõe a apresentar elementos que possam contribuir para construirmos realidades com mais equidade e colaboração. Menciona referências de micro e macro ações para refletir e começar a mudança buscando reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho do cuidado para todos.

O Report “Pais em Casa” está disponível gratuitamente no site: https://www.paisemcasa.4daddy.com.br/

*Camila Pires, consultora - parceira da Plataforma 4daddy, especialista em sócio-psicologia, mestranda em antropologia pela Université de Pais e há 4 anos acompanha o movimento de paternidade participativa no Brasil.