A semiótica do Efeito Lula

Os meios de comunicação tradicionais apostam em velhas simbologias para atacar o ex-presidente, mas o máximo que conseguiram foi virar meme nas redes

Foto: Ricardo Stuckert
Escrito en COLUNISTAS el

Com se congelados no tempo, a imprensa tradicional não sabe o que fazer diante do retorno, de fato, de Lula ao cenário político. Para atacar a imagem do ex-presidente, os meios de comunicação tradicionais resgataram antigas alcunhas do líder político do ABC paulista: “demónio”, “petralha”, “líder de tigrada”, “sapo barbudo”, “corrupto” etc.

Porém, entre 2002 e 2021 uma avenida se colocou e não apenas diante da imprensa tradicional que não sabe como lidar com a recepção calorosa que Lula recebeu, mas também, e o ex-presidente tocou nesse ponto: há uma polifonia de novos signos políticos/sociais que surgiram nestes 18 anos, assim como novas gramáticas surgiram com ascensão das redes. E não é pouca coisa.

Daí que os meios de comunicação, que já perderam espaço para os streamings e para as redes sociais, se enganam se acreditam que podem continuar a se utilizar dos mesmos discursos antes utilizados para desconstruir o PT, Lula e a esquerda brasileira. Dois exemplos:


1) Ainda que Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura da cidade de São Paulo, tenha sido derrotado no segundo turno, a sua campanha é o exemplo de como uma comunicação aliada aos novos signos comunicacionais e sociais, foi capaz de ir ao segundo turno. Soube comunicar, mesmo sendo um candidato de um partido que é tido como da esquerda radical; mesmo o candidato do PT, Jilmar Tatto, no meio do caminho teve de mudar a sua comunicação e se tornar, digamos, instagramável.


2) Os editoriais dos principais jornais do Brasil equiparando Lula e Bolsonaro (assim como fizeram em 2018 com a Escolha difícil) e as atitudes do presidente e seus auxiliares, algumas horas depois, usando máscaras e respeitando as medidas sanitárias viraram piadas e memes nas redes e vídeos no TIkTok, ou seja, se tornaram piadas, na maioria dos casos, pelas mãos de uma juventude com idade entre 18 e 25, justamente aqueles que nasceram entre 1998 e 2000 e que adquiriram maturidade política na pior fase do Brasil.


Destaca-se estes dois exemplos, pois eles são muito significativos e de incidência nacional. Se a campanha do PSOL/Boulos furou a bolha é porque entendeu o que se passa; se os editoriais e o presidente viraram piadas é porque a geração que aí está já não mais dialoga com estes meios de comunicação. Sua base de comunicação, acesso à informação e até mesmo as relações sociais se dão por meio das redes (principalmente neste tempo pandêmico).

A formação opinativa hoje passa pelo crivo do Facebook, Zap, Instragram e Twitter, e provavelmente daqui a pouco pelo Twitch, que já popular entre os gamers, mas começa a ganhar novos adeptos, como escritores e professores que realizam leituras coletivas na plataforma.


É fato que, por um lado as plataformas digitais possibilitaram a ascensão da extrema direita e que grupos milionários se utilizassem delas para manipular eleições ao redor do mundo, numa espécie de colonialismo contemporâneo e digital (há vasto documentos sobre nas redes, mas indico o doc, que está na Netflix que se chama Privacidade Hackeada), mas também permitiu que muitos grupos oprimidos historicamente construísse discursos com potencial para não apenas disputar imaginários e espaços na comunicação de massas, mas para adentrar os espaços de poder, basta analisarmos o mapa de vereadores/as eleitos.

E cabe destacar: sem dinheiro e, muitas vezes, sem apoio dos partidos e, em sua maioria, candidaturas com ligações fortes nos bairros e não nos centros urbanos.

Ao prestarmos atenção no discurso de Lula, ele coloca essas questões. Foram vários recados. A questão de classe está lá, renda, moradia, saúde e educação. Mas também os discursos atuais sobre cárcere, violência e sexualidades se fizeram presentes, claro, ao modo do discurso de Lula, mas isso não importa.

Quem também assimilou estes novos signos gramaticais que percorrem a sociedade brasileira, foi o outro líder petista Zé Dirceu. Em entrevista ao Fórum Onze e Meia ele falou, mais de uma vez da necessidade do PT se transformar no quesito ideias e trazer para o topo da pirâmide as LGBT, o movimento de mulheres, de negros e os vários grupos que estão produzindo arte nas periferias do Brasil. Dirceu também tratou das vereadoras LGBT que foram eleitas no ano passado. E estes posicionamentos do Lula e do Dirceu já são uma espécie de autocrítica, que tanta gente fala e cobra.

Até mesmo o mercado financeiro parece que assimilou a volta de Lula ao cenário político, contrariando todas as expectativas, pois, o índice Ibovespa se manteve estável e fechou em alta durante o discurso de Lula e, um dia depois operou acima dos 113 mil pontos, nível excelente para aqueles que negociam papeis. Até porque, vamos lembrar: este setor foi muito feliz durante os governos petistas.

Todo esse contexto para mostrar como em termos de significantes os meios de comunicações tradicionais congelaram no tempo. Claro que não devemos subestimar o pode de incidência social destes meios, mas, não parece que os antigos significantes sobre o sapo barbudo tenham o mesmo efeito que antes.

Aliás, já faz um tempo que este discurso não surte tanto efeito: mesmo sob intenso ataque, o PT venceu quatro eleições seguidas, Lula deixou o governo com 81% de aprovação e as pesquisas mais recentes o apontam como o nome mais forte para derrotar Bolsonaro em 2022, isso depois de um massacre midiático.

Além de tudo isso, não podemos deixar de fora a produção imagética que a pandemia está produzindo nas pessoas e isso parece estar derretendo o apoio ao presidente, que hoje, de acordo com a pesquisa atlas está em 60%. A política genocida está produzindo subjetividades que ainda não somos capazes de identificar – em si e nos outros -, mas que provavelmente pode ser transformada em revolta no médio prazo na medida que mais e mais pessoas morrem diariamente e, pelo andar da carruagem, sem ao menos terem o direito de serem atendidas, morrendo à espera de uma UTI.

Por fim, um outro Brasil surgiu com outros valores e linguagem. Mas claro, a base dos problemas se alicerça sobre questões ainda não resolvidas e que foram pioradas pelo atual governo: trabalho, renda, moradia, saúde e segurança pública. Mas, novos temperos, como apontado acima, se juntaram a esse caldo. Dirceu Lula perceberam isso, falta convencer outros companheiros e fazer essa comunicação chegar e se efetuar.

A imprensa tradicional, ao que tudo, indica vai apostar em velhos signos, como se estivesse em 1998, assim como Ciro Gomes que, equivocadamente e sempre que pode critica aquilo que chama de “identitarismo” – tenho certeza que ele não sabe explicar o que é isso -, e como bem disse Ricardo Berzoini: o que o Ciro pretende com esses ataques para todos os lados?


Ainda não sabemos se Lula será o candidato do PT à presidência da república, mas é fato que o seu discurso trouxe brilho, colocou/trouxe de volta na disputa a classe trabalhadora para a centralidade do debate, deu um tilt nas redações e fez até mesmo o mercado financeiro reagir positivamente.


O Brasil e a sua semiótica comunicacional/social, de fato, é densa e bagunçada, e está longe de ser concluída.