Acordem, no capitalismo, uma crise sanitária nunca provocará impeachment! – Por Raphael Fagundes

A esquerda não tem que ficar rezando para que o impeachment de Bolsonaro aconteça. Este pode ser um dos maiores problemas do campo progressista atual.

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A cada mês a esperança de um possível impeachment do presidente Jair Bolsonaro é rescindida. Um novo motivo surge elevando as expectativas da oposição. Mas como nada acontece de fato, tudo me faz parecer um mercado discursivo onde se vende palavras que alimentam os sonhos de alguns, enquanto as condições econômicas e sociais continuam se degradando.

Depois de diversas razões para causar o impedimento, eis que aparece agora a crise na saúde e o colapso do sistema em Manaus, capital do Amazonas. Hastags sugerindo a saída do presidente tomaram as redes sociais e grupos políticos dos mais variados espectros decidiram botar as caras exigindo o impeachment.

Mas será que a crise no sistema público de saúde pode ser capaz de derrubar o presidente de uma República capitalista?

Nós sabemos que em um sistema capitalista periférico, a saúde, ao lado de outros setores que promovem uma melhoria na qualidade de vida, nunca foi prioridade. O capitalismo mais exclui o acesso à saúde que inclui. Vide os EUA, país (que não é periférico) que serve de inspiração ao governo brasileiro atual.

Quando Michel Temer assumiu a Presidência da República, após o golpe que tirou a presidenta Dilma Rousseff do governo, seu ministro da Saúde, Ricardo Barros, defendia o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em defesa dos planos de saúde. Ou seja, é mais provável que, propostas que defendam o colapso da saúde pública, coloquem presidentes no poder do que os impeça de governar.

Cabe lembrar que o que desencadeou o golpe de 2016 foi justamente o fato de a presidenta assegurar que, apesar da crise, as políticas sociais não acabariam. Entre tais políticas estava, justamente, a manutenção do SUS.

A esquerda não tem que ficar rezando para que o impeachment de Bolsonaro aconteça. Este pode ser um dos maiores problemas do campo progressista atual.

É necessário o trabalho de base. Chegar às classes trabalhadoras. Bolsonaro fez isto e conseguiu ter apoio popular. A esquerda quer resolver o problema por cima, sem desenvolver popularidade. Um impeachment de Bolsonaro não ajudaria a esquerda, mas outros setores da direita que os quais acham agora conveniente serem chamados de Centrão.

Sem dúvida, é preciso fazer uma ressalva a Guilherme Boulos, que vem fazendo um ótimo trabalho de base, dialogando com a classe trabalhadora, despertando a esperança autêntica em termos blochianos (referente ao filósofo marxista Ernst Bloch), razão pela qual chegou ao 2° turno na disputa ao cargo de prefeito na capital de São Paulo.

Todavia, existe um setor do sistema empresarial que não gosta muito de Bolsonaro. Trata-se de um grupo que defende um capitalismo nos moldes dos democratas estadunidenses, pós-moderno, que valoriza as identidades com o intuito de fomentar a sociedade de consumo. Entretanto, não acho que seja interesse desse grupo impichar o presidente, mas investir nas eleições de 2022 numa campanha contrária ao político de extrema direita.

Outra questão é a ala militar. Com vários cargos no governo e com os salários assegurados, os militares se sentem representados. Principalmente quando comparamos o governo atual com o de Dilma Rousseff, ex-guerrilheira torturada pelo Exército. Enquanto Bolsonaro tiver apoio militar será muito improvável que um impeachment ocorra. É isso que lhe dá coragem para dizer o que diz.

A esquerda precisa voltar ao bom e velho trabalho de base. Se todos os partidos de esquerda entrarem em contato com a população vulnerável, com os trabalhadores precarizados, dentre outros setores que só crescem devido à política neoliberal decadente implantada pelo governo Bolsonaro, a queda da direita será bem mais tangível.