Aniversário de morte: a parafernália medieval do governo – Por Raphael Fagundes

Precisamos expor a verdadeira face do capital, desestabilizar quem banca o genocídio. A verdadeira crítica está em criticar esse setor.

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Em seu livro L'invention de l'anniversaire, ainda não traduzido para o português, o historiador francês Jean-Claude Schimtt, explica que na Idade Média não se comemoravam aniversários. "Durante toda a longa Idade Média, o aniversarium não designa o aniversário do nascimento, mas o do dia da morte. Era este dia que realmente importava, apenas o do 'verdadeiro nascimento', da entrada pela morte na 'vida real' do além e da salvação tão esperada".[1]

Não se comemorava o aniversário porque, de acordo com Santo Agostinho, ele retratava o nascimento da carne, símbolo do pecado.

Além dos diversos elementos retrógrados que vemos vir à tona no governo brasileiro atual, a morte também se tornou um motivo de comemoração.

No último domingo, em meio a pouco mais de um ano de pandemia que matou mais de 295 mil brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro comemora o seu aniversário. Entre os balões e o bolo confeitado, o aniversariante proclama uma frase que mais lembra um monarca feudal: “Só Deus me tira daqui".

Assim como um senhor feudal, apoiou-se em seus cavaleiros mostrando a força do Exército (que já chamou de seu, em outras situações) para garantir o seu governo.

Essa farsa medieval se desmonta quando tentamos ver a raiz do problema. São os empresários que bancam toda essa folia. Eles que fazem carreatas contra o lockdown. O presidente é apenas um caminho para a realização do projeto do empresariado que quer manter os seus lucros como se estivéssemos em tempos normais.

A parafernália medieval serve de embuste, que nos impede de acessar o real. A imprensa acaba sendo ludibriada e quando noticia sobre as manifestações contra medidas restritivas, chama os indivíduos que delas fazem parte de bolsonaristas. Mas precisamos ver o caminho inverso.

Bolsonaro que é o fantoche dos manifestantes. Estes empresários, dos mais diversos setores, que o pressionam. Num país capitalista, um governo não mexe um palito sem o aval do capital. O governo, como diria Marx, é uma cúpula da classe dominante.

Alguns setores do empresariado vêm se mobilizando para pressionar Bolsonaro a tomar medidas mais eficientes diante da catástrofe que se desenhou. Resta saber se este setor é tão grande quanto o que o apoia. Canais da TV aberta, igrejas evangélicas, agronegócio, enfim, há um setor empresarial que representa mais de 30% do PIB brasileiro que apoia Bolsonaro.[2]

Precisamos expor a verdadeira face do capital, desestabilizar quem banca o genocídio. A verdadeira crítica está em criticar esse setor. Não estamos mais nos finais da Idade Média, quando a crítica à religião era contra a intolerância. Devemos criticar a intolerância, mas também devemos criticar as igrejas como instituições ligadas a outros setores do capital. Hoje, já é sabido por todos, que tudo se torna negócio. O capital transforma tudo em mercadoria.

Isto é: a crítica contundente é contra o capital, o elemento real, a base de sustentação de toda a parafernália medieval que sustenta a folia macabra do governo.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1]SCHMITT, J-C. L'invention de l'anniversaire. Revue Annales, 62° ano, n 4, p. 793 a 835, 2007, p.  807-808.

[2] https://www.justificando.com/2019/11/18/setores-empresariais-que-apoiam-governos-de-extrema-direita/