Bolsonaro e a persistência na falta – Por Chico Alencar

É o caso de recordar o saudoso Barão de Itararé, que, a seu tempo, dizia: “O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta"

Jair Bolsonaro em live | Reprodução/YouTube
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Ulysses Guimarães disse, certa vez, do alto de sua sabedoria política: “Sabe-se como começa uma CPI, mas não como ela vai terminar”. Os tempos se encarregaram de mostrar que ele tinha razão.

Recentemente, meu nobre amigo Randolfe Rodrigues afirmou algo também interessante relacionado com CPIs. Na CPI da Covid do Senado, da qual é vice-presidente, confirmou que dissera o velho Ulysses: “Você puxa uma pena e vem o galinheiro inteiro!”

O trabalho dos senadores na CPI vem revelando a existência de, pelo menos, dois esquemas de corrupção e tráfico de influência no Ministério da Saúde. Um, manobrado por integrantes do chamado Centrão; o outro, relacionado com militares nomeados para a pasta. Muita gente se aproveitou da pandemia para lucrar em cima de vidas, atrasando a compra de vacinas e cobrando porcentagens e comissões – em português claro, propina - em contratos com o governo federal.

Nos últimos dias surgiu o nome de um cidadão chamado Marconny Faria, suposto lobista da Precisa Medicamentos. Ele mantém ligações suspeitíssimas com Ana Cristina Siqueira Valle e com Karina Kufa, respectivamente ex-mulher e advogada do presidente Jair Bolsonaro. Marcony tem, também, uma relação estreita com Jair Renan, o filho mais novo de Bolsonaro. Até comemorou aniversário no camarote do 04 no estádio Mane Garrincha, em Brasília. Marconny foi incluído na lista de investigados da CPI. Ana Cristina também é investigada como coordenadora de esquemas de rachadinhas em gabinetes da família Bolsonaro.

Como se vê, Randolfe tinha razão: nessa CPI ao se puxar uma pena, muita coisa conduz ao galinheiro (ou será ao Planalto?)

A CPI aprovou a convocação de Ana Cristina para depor. No momento em que este artigo está sendo escrito, porém, há notícias de que ela seria poupada de prestar depoimento para que as relações dos senadores da comissão com Bolsonaro não se deteriorassem ainda mais.

Mas, pelo visto Ana Cristina teria muito a explicar. Há um mês veio a público que ela trocou um apartamento de 70 metros quadrados em Resende, no interior do Estado do Rio, por uma mansão avaliada em R$ 3,2 milhões numa área nobre de Brasília. A ex-mulher de Bolsonaro recebe um salário de R$ 8,1 mil como assessora de uma deputada federal.

Mensagens obtidas pelos senadores da CPI indicam que ela também acionou o Palácio do Planalto para influenciar nomeações em órgãos públicos. Pelo menos uma das nomeações foi pedida por Marconny.

Perguntado na CPI sobre quem seria o misterioso senador, que citou como "desatador de nós" para facilitar a interlocução e lubrificar supostas negociatas no governo federal, Marconny preferiu o silêncio. Quem adivinhar a identidade do parlamentar ganha um chocolate da Kopenhagen!

Enquanto se multiplicam as evidências contra Bolsonaro e sua família, mais e mais gente se soma à proposta de impeachment do presidente. As últimas adesões não vieram da CPI, nem do STF. Muito menos da oposição, de branco, vermelho ou multicolorida. Foram de um grupo de juristas reconhecidos, alguns de viés conservador, coordenado pelo ex-ministro Miguel Reale Jr. O grupo enviou à CPI um parecer completo sobre o comportamento de Bolsonaro em relação à Covid 19.

Num documento de cinco capítulos, os juristas listaram ao menos sete crimes cometidos pelo ainda presidente desde que a pandemia - que avança para nos tirar 600 mil vidas! - começou. São eles, "por atos normativos, de governo e conduta pessoal":

- Desrespeito ao direito à vida e à saúde (crime contra a Humanidade);

- Palavras e atos contrários às determinações do Ministério da Saúde (infração de medidas sanitárias preventivas);

- Orientação de uso e compra, com recursos públicos, de remédios sem eficácia comprovada e gerador de graves efeitos colaterais, além de propaganda enganosa (charlatanismo);

- Postergação da compra de vacinas e menosprezo à necessidade de imunização (crime de responsabilidade);

- Ridicularização de doentes em crise respiratória e, com viés homofóbico, daqueles que buscam tratamento (injúria);

- Estímulo a seguidores para invadirem hospitais a fim de comprovarem o número de internos e uso de documento falso para minimizar as mortes (incitação ao crime);

- Não cumprimento de obrigações elementares como chefe de Estado, abusando do exercício do cargo (prevaricação).

Enquanto isso, Bolsonaro continua zombando da situação trágica ("fake news faz parte da vida; quem nunca contou uma mentirinha para a namorada?") e sendo debochado (como no recente jantar dos endinheirados, com os convivas às gargalhadas em torno ao "bobo da corte" do momento).

Na vida real, o que se vê, porém, é outra coisa: desalento, desemprego, inflação, economia estagnada, devastação ambiental, desgoverno, corrupção.

É o caso de recordar o saudoso Barão de Itararé, que, a seu tempo, dizia: “O mal do governo não é a falta de persistência, mas a persistência na falta.”

O que não diria hoje, o velho Barão, caso fosse vivo?

Por isso tudo, anote aí: dia 2 de outubro, sábado, vamos todos às ruas, dizendo um sonoro “não” a Bolsonaro.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.