O cenário melhorou: mas a guerra segue longa – Por Julian Rodrigues

Derrotar o bolsonarismo passa por amplas mobilizações sociais e por uma guerra política-cultural-ideológica. Passa pelas redes. E passa pela campanha Lula. Bolsonaro não vai “largar o osso” facilmente

Foto: vermelho.org
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Não vai haver impeachment e Bolsonaro não derreterá: é hora de desgastar cada vez mais esse governo; seguindo com a luta nas ruas, redes e urnas.

1. Sim, é uma delícia ver o governo Bolsonaro tomando um "calor" com as revelações de corrupção no Ministério da Saúde. Sim, temos que nos animar e aumentar a pressão e o desgaste do governo, tanto no campo institucional como nas ruas. Certíssimo termos feito mais essa agitação com o "superpedido" de impeachment e antecipado os atos de rua para dia 3 de julho.

2. Isso posto, pé no chão. Rigor na análise. A aceleração da conjuntura NÃO gera nenhuma mudança qualitativa ou imediata na situação. Resumindo: não haverá impeachment, Bolsonaro não cairá – a luta continua sendo dura e de médio prazo.

3. Primeiro: nenhum governo com 25% de apoio cai. Collor tinha 9% e Dilma 8% de apoio quando foram impedidos. Em segundo lugar: a burguesia segue satisfeita – toda pauta ultraliberal do mercado corre solta. Acabaram de aprovar a privatização da Eletrobras. Avançam numa radical reforma administrativa (desmonte do Estado). Os Correios estão na fila para serem vendidos. Vão aprovar um projeto de lei revogando os direitos indígenas conquistados em 1988. Por que cazzo derrubariam Bolsonaro agora?

4. O enfraquecimento relativo de Bolsonaro é útil para o andar de cima. O "centrão" ganha força – aumenta seu peso relativo, pode cobrar mais caro pelo apoio parlamentar. A direita liberal pode exigir mais agilidade na agenda privatista. Os neoliberais progressistas (Globo, por exemplo) adquirem melhores condições para amenizar os aspectos fascistas do governo (liberdades democráticas, meio ambiente).

5. Bolsonaro passa pelo seu pior momento. Mas segue com uma base de extrema direita, radicalizada e mobilizada. Segue com hegemonia nas redes sociais. A economia vai “despiorar” – há algum crescimento em curso. A epidemia, ao final do ano, pós-vacinação, também terá menor peso na conjuntura. Além disso, Bolsonaro e Guedes já anunciaram que farão “bondades” no campo econômico e das políticas sociais, a começar por um Bolsa-Família turbinado.

6. Seria um erro focar apenas na pauta da corrupção (que, aliás, historicamente sempre foi utilizada pela direita contra nós). As mobilizações e ações no Congresso pelo “Fora Bolsonaro” não podem deixar de lado a reivindicação do auxílio-emergencial de R$ 600, de acelerar as vacinas, da geração de emprego – muito menos a resistência às privatizações e à retirada de direitos. Pior ainda seria trocar a denúncia do negacionismo bolsonarista, de responsabilização pela propagação do Covid, pelo foco simplista no tema das propinas. É importante mostrar a hipocrisia do Bolsonaro, que se arvora em super-honesto. Mas, sem abandonar a centralidade da crítica programática e da luta pela “pauta do povo” (comida no prato).

7. Não haverá, em 2022, candidatura neoliberal (direita tradicional) competitiva – aqueles setores que a mídia chama de “centro”. Por mais que se tente emular uma “terceira via”, está nítido que não há espaço. Huck e Moro saíram do jogo. O PSDB está todo fragmentado (Tasso, Doria, Leite?) e sem votos. O DEM, sob a liderança ACM Neto, segue muito próximo do bolsonarismo.

8. Ciro Gomes opera um reposicionamento. Quer ser o candidato da direita liberal, mas também herdar votos antipetistas e bolsonaristas light. Ao mesmo tempo, sustenta a imagem de candidato com programa neodesenvolvimentista – algo rigorosamente incompatível com tornar-se o nome do “centro” liberal. Ciro radicaliza os ataques ao PT e Lula. Flerta com o eleitorado evangélico (com vídeos religiosos), se oferece aos bolsonaristas arrependidos e também aos mercados. Até agora tem apenas se desidratado. Pesquisas mostram que leva uma surra de Lula até mesmo no Ceará, onde perde também de Bolsonaro. No ritmo atual, terminará com menos de 5% (uma nova Marina).

9. A polarização Lula x Bolsonaro cresce. 2022 não será uma reprise de 2002. O país está muito mais devastado – o neofascismo bolsonarista não é o mesmo que o neoliberalismo de FHC. A campanha eleitoral de 2022 traz um cenário similar ao de 1989 – a saída de um regime de exceção, a transição para democracia

10. O bolsonarismo se sustenta em uma aliança fortíssima. Mais do que apenas tutelar, militares estruturam esse governo. As milícias se fortalecem. As polícias se fascistizam totalmente. Neoliberalismo radical, fundamentalismo religioso, crime organizado, mercado financeiro, imperialismo, agronegócio, “centrão” fisiológico, Forças Armadas, forças de segurança, classes médias moralistas-ressentidas, extremistas de direita de todos os matizes (um bloco histórico).

11. Derrotar o bolsonarismo passa por amplas mobilizações sociais e por uma guerra política-cultural-ideológica. Passa pelas redes. E passa pela campanha Lula. Bolsonaro não vai “largar o osso” facilmente. Haverá muita, muita luta.

12. Os desafios continuam os mesmos de sempre. Não tem atalho. Nem mágica. Sem precipitações e sem ilusões com movimentos superestruturais. Sigamos na guerra de médio prazo contra não só Bolsonaro, mas, sobretudo, contra o neofascismo e contra o neoliberalismo. Por um terceiro governo Lula: com programa democrático-popular, de reformas estruturais e reconstrução do Brasil.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.