Chapéu de otário é marreta, Bolsonaro – Por Chico Alencar

Pois se acompanharmos os últimos dias de Bolsonaro veremos que a cada instante surgiram novos torpedos, alguns ameaçando atingir o capitão miliciano abaixo da linha d'água

Foto: Band/Reprodução
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O senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid no Senado, utilizou na quinta-feira da semana passada uma expressão -  “chapéu de otário é marreta” - usada no Norte do País, ao se referir às suspeitas de que o cabo PM Luiz Paulo Dominghetti, que depôs na comissão, tinha a intenção de confundir as investigações, lançando descrédito sobre elas.

“Não venha achar que todo mundo aqui é otário. Chapéu de otário é marreta, irmão”, disse Aziz. A expressão tem o sentido de advertência, de que não está tratando com idiotas.

Em 1991, ela deu nome a uma música brega num disco de Alípio Martins, compositor paraense. A música, uma lambada, fez sucesso.

Dominghetti saiu da CPI com o rabo entre as pernas e teve o celular apreendido para ser periciado, o que pode trazer complicações não só para o depoente, mas para outros investigados pelos esquemas de corrupção na venda de vacinas a preços superfaturados.

Este episódio foi mais um motivo, numa semana repleta de más notícias para Bolsonaro.

Magalhães Pinto, um senador mineiro, já falecido, costumava dizer que a política é como nuvens: “Você olha e elas estão de um jeito. Daqui a pouco olha de novo e estão de outro jeito”.

A essa frase da velha raposa da política poderia ser agregada outra: há momentos em que durante um bom tempo o quadro muda muito pouco. Mas há outros em que tudo se acelera.

Esta última situação se dá em momentos de crise. Neles, a cada instante surgem novas informações e o cenário de uma semana atrás parece coisa do passado. Às vezes, de um passado distante.

Pois se acompanharmos os últimos dias de Bolsonaro veremos que a cada instante surgiram novos torpedos, alguns ameaçando atingir o capitão miliciano abaixo da linha d'água.

Na quarta-feira, dia 30 de junho, houve a entrega do chamado superpedido de impeachment, que consolidou mais de 120 requerimentos exigindo o afastamento de Bolsonaro. Sobre eles está sentado o presidente da Câmara, Arthur Lira. Foi um passo adiante na ofensiva que se amplia contra o presidente da República. E, fica a pergunta: até quando Lira poderá manter esse comportamento?

No mesmo dia surgiu também a gravação de uma ex-cunhada de Bolsonaro que compromete diretamente o presidente no esquema das rachadinhas. Andréa Siqueira Valle - uma das 18 pessoas da família nomeadas para cargos públicos, verdadeiro recorde de nepotismo - contou que em 2007 seu irmão André foi demitido pelo então deputado Bolsonaro porque lhe devolvia uma parte menor do salário do que o desejado pelo então parlamentar. Ou seja, para Bolsonaro, André lhe roubava parte do dinheiro que ele próprio roubava dos contribuintes.

“Chega! Pode tirar ele, porque ele nunca me devolve o dinheiro certo”, teria dito Bolsonaro.

Na sexta-feira, 2 de julho, os jornais noticiaram fatos que trouxeram mais aborrecimentos para o presidente. A ministra Rosa Weber, do STF, atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República – sempre fiel a Bolsonaro - para investigar denúncias envolvendo acusações ao presidente. O pedido da PGR só foi feito após pressões da ministra. Ela então determinou a abertura de inquérito para apurar se Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias sobre irregularidades nas negociações para a compra da vacina Covaxin. Rosa Weber também autorizou que a Polícia Federal colha depoimento de Bolsonaro.

Dia 3 de julho, sábado, mais aborrecimentos para o presidente. Houve 352 manifestações contra Bolsonaro, em mais de 300 cidades do país. Com as pessoas ocupando as ruas de Norte a Sul, amplificou-se a pressão sobre ele.

Começou a ficar claro que a falta de vacinas estava vinculada aos esquemas de corrupção. Assim, as mortes, em número superior a meio milhão, não teriam sido apenas resultado de incompetência de Bolsonaro, Eduardo Pazuello e companhia. Atendiam a esquemas de corrupção.

Ao comentar os protestos, o senador Omar Aziz, que não é de esquerda e sequer é de um partido de oposição, afirmou: “O gigante está abrindo os olhos. Quando ele acordar vai ser que nem fogo acima ou água abaixo. Ninguém segura mais o povo”.

No domingo, 4 de julho, piorou a situação de Bolsonaro. Um contrato de R$ 1,6 bilhão assinado pelo Ministério da Saúde para comprar doses da vacina Covaxin, por meio da Precisa Medicamentos, passou a ser investigado pela CPI da Covid no Senado. E uma pergunta se impõe: qual a razão de se comprar vacinas por meio de intermediários envolvendo contas em paraísos fiscais?

E veio mais coisa: o vendedor de uma empresa americana denunciou um pedido de propina no valor de um dólar por dose em relação a outro negócio, envolvendo a vacina da AstraZeneca. O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, que teria feito o pedido, foi chamado à CPI e saiu de lá preso.

Enfim, o que não falta são perguntas. Agora, não mais sobre o comportamento de ministros e auxiliares diretos de Bolsonaro, mas sobre o próprio presidente.

Enfim, as más notícias se sucedem. E tudo indica que continuarão a se avolumar.

Enquanto isso, a cada nova pesquisa de opinião divulgada aumenta o isolamento de Bolsonaro. As últimas já mostram que, a continuar do jeito que vão as coisas, talvez o atual presidente não chegue sequer ao segundo turno.

Não pense Bolsonaro que poderá continuar enganando o país. Afinal, “chapéu de otário é marreta”, já dizia a música brega do Pará.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.