Comissão de Bolsonaro que define o que pode cair no Enem é uma nojeira

É inacreditável que uma confraria de obscurantistas e revisionistas da História interfira em 66 questões do Exame Nacional do Ensino Médio, conforme matéria de "O Globo" de hoje, vetando até a expressão "ditadura" – Por Henrique Rodrigues

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Para a imensa maioria dos brasileiros, especialmente aqueles que sofrem com a dilacerante crise econômica que atravessamos, uma notícia como essa pode não receber a devida atenção e isso é absolutamente justificável. Quando o estômago ronca, é a sobrevivência que vem em primeiro lugar.

Ainda assim, é perturbador que uma comissão formada por uma récua de religiosos odiosos, reacionários negacionistas e paranoicos conspiracionistas (criada em 2019) tenha interferido na escolha das questões que compõem a prova do Enem, direcionada aos jovens que concluem o Ensino Médio e que têm por objetivo ingressar na universidade.

A interferência teria ocorrido na composição da última edição da prova, aplicada em janeiro deste ano, segundo material obtido pelo diário carioca "O Globo" e constante numa reportagem publicada hoje.

Jair Bolsonaro é o maior retrocesso de toda trajetória da educação brasileira, historicamente atrasada em relação às nações vizinhas, desde a colonização portuguesa, quando já era proibida, evitada, preterida e censurada por um modelo administrativo retrógrado, se comparado ao sistema implantando pelos espanhóis em seus domínios à época, e que viu, depois do racha engendrado pela gestão Pombalina que enxotou os jesuítas, o buraco da educação ficar ainda mais fundo.

Utilizei a terminologia "retrocesso" porque mesmo caminhando a passos de tartaruga de séculos para cá, sempre procuramos andar para frente, com pequenas exceções na linha do tempo, como em períodos marcados por regimes autoritários. Só que agora, ainda que envernizado por uma finíssima lâmina de democracia, o Brasil prova do maior recuo registrado em seu sistema educacional de todos os tempos.

Um energúmeno desclassificado, adepto de todo tipo de teoria da conspiração e inimigo número um da ciência, que adora proclamar a História por uma ótica doentia e delirante, não pode jogar por terra (plana) tudo que foi conquistado, palmo a palmo, em décadas de avanço, legando ao Brasil o título de nação dos idiotas, onde há uma verdade paralela e ridícula para tudo e que deve ser ensinada para os jovens nos bancos escolares.

A matéria, produzida a partir de um relatório encaminhado do INEP para uma comissão de deputados da Câmara Federal, que exigiu explicações sobre essa cúria sinistra instituída por Bolsonaro para intimidar os formuladores das questões, mostra que até a expressão "ditadura" foi alvo de censura. Segundo o grupo medieval, "regime militar" cairia melhor. No Tribunal do Santo Ofício dos imbecis, instalado por oligofrênicos, um conjunto de 66 perguntas foi alvo de questionamentos e intervenções.

A interferência promovida pelo bolsonarismo na campo da educação é uma flagrante violação à liberdade de cátedra, à construção do saber, à manifestação do pensamento e, sobretudo, à democracia e à História do Brasil.

Não sei quando vai ser, mas um dia isso tudo vai acabar. O que sei é que será um trabalho de gerações remover todo o entulho tóxico deixado por indivíduo que parece ter nascido com o único propósito de destruir o pouco que fomos capazes de construir como nação em todos esses anos.

O bolsonarismo bufo é tão maligno e cruel que até a oportunidade e a capacidade de gerar senso crítico em nossos jovens quer nos tirar. Mas é bom que eles se esforcem mais, porque do lado de cá ninguém permitirá que isso aconteça.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.