Cuba e pandemia: resistirá a Ilha socialista? – Por Daniel Valença

Difícil prever os próximos passos da conjuntura cubana, mas não há como se duvidar da importância de defender esse legado da classe trabalhadora e sua importância para uma América Latina livre e solidária

Cuba desenvolve suas próprias vacinas contra Covid - Foto: Reprodução
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A pandemia caiu como uma bomba econômica, social e política em todo o mundo. Na América Latina, região marcada por uma inserção dependente no capitalismo internacional, por superexploração do trabalho e pela ausência democrática, ela se mostrou ainda mais explosiva. Países como Chile e Colômbia, marcados por uma ordem desigual e opressora, entraram em ebulição. Cuba, a pequena grande Ilha socialista, também não passaria impune.

Neste dia 11 de julho, lá irromperam atos e mobilizações que surpreenderam o mundo. Para tal fato, concorrem o embargo econômico do imperialismo norte-americano, o investimento dos Estados Unidos em desestabilização – só na gestão Biden já foram 20 milhões de dólares –, a crise sanitária – em um país marcado pela saúde coletiva e preventiva –, mas também o descontentamento com as condições de vida em tempos de coronavírus.

Contudo, não é verdade que a Ilha socialista viva uma crise humanitária devido à pandemia.

Cuba tem 1.537 mortes por Covid-19. Se revisarmos rapidamente outros países latino-americanos veremos que o Peru tem 187 mil mortes; a Colômbia 112 mil; o Chile, o antigo exemplo neoliberal, 33 mil. Indo além, notamos que Cuba exibe números melhores inclusive do que países nórdicos, como a Suécia, com 14 mil.

Em toda a América Latina, Cuba é o único com expectativa de superação da pandemia, pois desenvolve cinco vacinas - para todas as faixas de sua população, inclusive crianças -, sendo que a Abdala apresenta eficácia para casos sintomáticos de mais de 90%.

Então, se é verdade que a Covid-19 tem revoltado e assustado a população, também o é porque, em Cuba, as pessoas não morrem a esmo em virtude de ausência do acesso à saúde ou devido à violência urbana, como no Brasil e na maioria dos países da região. 43 vítimas em apenas 24 horas choca o país, ao contrário daqueles que normalizam a morte das mais de quatro mil pessoas em apenas um dia.

Por outro lado, as condições econômicas e sociais em Cuba são duríssimas.

O bloqueio econômico teve mais de 200 novas restrições durante a gestão Trump, que foram mantidas pela gestão Biden. Falar em ajuda humanitária é de um cinismo sem igual, pois o próprio bloqueio impede a solidariedade internacional. Dentre inúmeros exemplos, o chinês Jack Ma buscou doar kits de testes e respiradores a Cuba – como o fez com vários outros países – e a transportadora, estadunidense, cancelou a doação, por causa da Lei Helms-Burton.

Mas, além do bloqueio, Cuba tenta superar a moeda dupla – CUC e peso cubano – unificando a política monetária ao redor do peso cubano, bem como a estatização da economia em setores não essenciais. A transição tem sido difícil e, em paralelo, a pandemia afeta diretamente a maior fonte de ingressos da Ilha, o turismo. Ao somarmos todos esses elementos, a situação se torna dramática e é compreensível a insatisfação inclusive daqueles e daquelas que defendem a revolução.

Agora, cinismo maior é quando as grandes agências de comunicação do mundo capitalista dizem que a população foi às ruas reclamar contra a “ditadura”, e que o “regime” teria cortado a internet, e o presidente chamado seus apoiadores ao confronto.

Onde estavam quando o Estado colombiano assassinou 74 pessoas durante “El Paro Nacional” nos últimos dois meses? Quando o Estado colombiano tirou a visão de 83 pessoas e cometeu crimes sexuais contra 28? Por que as sanções são contra Cuba, e não contra um Estado narco-terrorista?

Onde estavam quando o Chile neoliberal de Piñera tirou a visão de 460 manifestantes? Prendeu arbitrariamente milhares de pessoas? Assassinou lideranças Mapuches, inclusive agora, após a eleição da presidenta da Asamblea Constituyente? Por que não houve sanções?

Qual repressão configura uma ditadura?

Ao convocar a população a sair às ruas em defesa da Revolução, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel mostra que ela conta com o apoio não apenas das forças armadas, mas da ampla maioria da população. Mais: numa sociedade socialista, as forças armadas não existem contra o povo; ao contrário, este se movimenta sempre que há riscos a sua soberania e sua autodeterminação, como décadas atrás quando do episódio da invasão mercenária na Baía dos Porcos.

Difícil prever os próximos passos da conjuntura cubana, mas não há como se duvidar da importância de defender esse legado da classe trabalhadora e sua importância para uma América Latina livre e solidária. Abaixo o bloqueio, viva a soberania e autodeterminação cubana; viva Cuba socialista!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.