De alma lavada, Lula volta ao jogo conquistando novas mentes e corações 

Aquele que julgavam estar morto politicamente virou novamente o centro das atenções e, falando como chefe de Estado, fez dezenas de jornalistas do Brasil e do mundo o ouvirem atentamente por mais de 2 horas 

Lula (Foto: Ricardo Stuckert )
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"Lula vai começar seu teatro". Com frases como essa que a direita liberal e a bolsonarista reagiram à notícia de que Lula faria uma coletiva de imprensa logo após ter todos os seus processos da Lava Jato anulados e recuperado seus direitos políticos. 

Se a coletiva de Lula realmente fosse um "teatro", se trataria, então, de uma grande produção, visto a quantidade de câmeras e microfones da imprensa brasileira e internacional amontoados no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, berço político do petista e o mesmo local que foi palco de sua entrega à prisão e também de sua recepção pós-cárcere.

No saguão do sindicato, mesmo com mais de meia hora para começar a entrevista, jornalistas já formavam uma longa fila para poderem participar da coletiva com aquele que, para parte de seus patrões nas redações, estaria morto politicamente. 

Seria, então, um velório? Ao contrário. Somente uma pessoa muito viva fala por mais de 2 horas consecutivas mantendo a atenção constante dos presentes. 

Lula falou de tudo e falou como chefe de Estado. Se disse feliz com a anulação de seus processos, mostrou-se estar, de certa maneira, com a "alma lavada" e, mesmo frisando a injustiça a que foi submetido, afirmou que seu sofrimento não é nada diante do sofrimento de milhões de brasileiros em meio à pandemia de Covid-19, crise econômica e falta de um governo. 

"O Brasil não tem governo", repetiu o ex-mandatário inúmeras vezes. 
Sem script, como de praxe, o petista falou para todos. Da pandemia à crise social, da vacinação ao charlatanismo de Bolsonaro e de parte do setor evangélico, do papel da imprensa à imagem que hoje o Brasil tem no exterior. 

A coletiva, por conta da Covid, foi destinada apenas a jornalistas e não contou com a tradicional militância que sempre acompanha o ex-presidente em seus pronunciamentos. Mesmo assim, Lula aproximava as pautas nacionais, como sempre fez, daqueles que o ouvia, quebrando o gelo com piadas e histórias que qualquer cidadão facilmente se identifica. 

Não à toa que, mesmo escutando por horas sem fazerem perguntas, profissionais da imprensa se mantiveram atentos e reagiam com sorrisos olhares às informalidades de Lula. 

Foi assim, por exemplo, que o ex-metalúrgico arrancou sorrisos dos repórteres e cinegrafistas ao contar de um episódio na prisão, quando recebeu de sua namorada, a Janja, uma garrafa térmica com sopa.

"Acho que a sopa continuou cozinhando dentro da garrafa, e ela não saia. Os caroços cresceram, acho que era lentilha, e eu não consegui tirar a comida. Mas eu fui puxando com a colher, dando tapa no fundo da garrafa térmica. Mas estava gostosa", contou.

A história foi mencionada pois Lula falava, naquele momento, que não estava mais acostumado a dar grandes entrevistas devido ao tempo que passou na prisão sem poder falar com a imprensa. E, de fato, ficou nítido o tom de "novidade" no olhar de muitos dos jornalistas presentes diante das falas do ex-presidente, visto que boa parte de uma nova geração de repórteres passou os últimos 5 anos, desde quando se intensificou a cruzada judicial contra o petista, apenas ouvindo falar dele ou o vendo em manchetes de denúncias do Ministério Público.

A maneira como Lula cativa as pessoas, misturando assuntos sérios com "anedotas", ficou clara em outra fala sobre seu período na cadeia. "A Janja mandava comida e muitas vezes chegava fria. Mas eu comia e não reclamava porque sabia que o povo estava passando fome lá fora. Eu esquentava porque tinha um negocinho de esquentar comida. Peão de fábrica sabe como esquentar marmita", atestou, mais uma vez, despertando olhares sorridentes acima das máscaras de proteção.

E por falar em proteção contra a Covid, Lula ocupou a avenida abandonada por Bolsonaro ao incentivar a vacinação e dizer para a população não seguir nenhuma recomendação "imbecil" do presidente. Ele anunciou que vai se imunizar na próxima semana e "denunciou" a demissão do mascote das campanhas de vacina no Brasil, o Zé Gotinha, descontraindo o ambiente: "Nós vacinamos 80 milhões de pessoas durante na época do H1N1. E o Bolsonaro mandou até o Zé Gotinha embora... pensou que ele era petista. Ele era um humanista, suprapartidário. Cadê ele?! Acabou".

Um outro momento em que Lula fez os jornalistas não conseguirem segurar o sorriso foi quando tratou da tese que vem sendo aventada pela direita e parte da centro-esquerda de que uma possível candidatura sua em 2022 geraria mais "polarização" e fortaleceria Bolsonaro. O petista afirmou, entre outras coisas, que "muitas vezes o analfabetismo político existe em pessoas que tem muitos anos de escolaridade" e que "o PT não pode ter medo de polarizar, ele tem que ter medo de não polarizar e ser esquecido". E arrematou: "O povo com medo de polarização entre o PT e o Bolsonaro. Não precisa de polarização, elege logo o PT no primeiro turno".

Ainda falando sobre as críticas da direita à retomada de seus direitos políticos, Lula também rebateu o apresentador Luciano Huck, cujo comentário sobre a anulação das sentenças do petista foi "figurinha repetida não completa álbum". Mais uma vez, o ex-presidente usou do bom-humor."O Huck, porra, o Huck tá jogando bafo, falando de figurinha? Fiquei tão chateado, um cara que considero bom de televisão, mas ele não conhece figurinha. Quando ele disse que figurinha repetida não vale nada, ele não sabe que uma figurinha repetida carimbada vale pelo álbum inteiro", disparou Lula, sendo seguido por uma salva de palmas.

Lula está vivo e voltou ao jogo.