O Nosso General é Cristo! A gênese do bolsonarismo evangélico – Por pastor Zé Barbosa Jr

Não se enganem, não estamos lidando com um fenômeno que surgiu do nada. Ele começa muito antes de Bolsonaro

Foto: Getty Free Images
Escrito en OPINIÃO el

Tenho pra mim que ninguém conseguirá entender o “bolsonarismo evangélico” sem entender o que se passou na igreja evangélica brasileira no fim da década de 80 e início dos anos 90. E quero, neste texto, utilizar o cântico “O Nosso General é Cristo” (sem dúvida um dos cânticos mais entoados da época – eu mesmo o “ministrei” muitas vezes em várias igrejas) como símbolo de uma ideia que agora encontra seu fruto. Não se enganem, não estamos lidando com um fenômeno que surgiu do nada. O bolsonarismo evangélico começa muito antes de Bolsonaro.

No fim da década de 1980, uma “teologia” chegou com força nos arraiais evangélicos do Brasil: junto com a explosão do movimento neopentecostal e surgimento das “comunidades evangélicas”, principalmente capitaneadas por músicos cristãos que assumiam a liderança dessas comunidades e pastores que viram nessa explosão a chance de terem suas megaigrejas, surgia no horizonte brasileiro a febre da “teologia da batalha espiritual”. Pastores que não entendiam nada de música aliaram-se a músicos que não entendiam nada de Bíblia. Era uma fusão explosiva e perigosa.

Dois livros que tornaram-se best-sellers no que eram os primórdios do “mercado gospel” resumem bem a linha de pensamento que solapou a igreja nesse período: a ficção (tida por muitos como uma revelação) “Este Mundo Tenebroso”, de Frank Peretti, um livro que falava sobre o domínio de anjos, demônios e crentes sobre um mundo em trevas, vendido ao “pecado”. E o livro revelação (que não passava de uma ficção) “Ele veio para libertar os cativos”, da pastora estadunidense Rebecca Brown, que “desvendava” os “planos satânicos” que queriam impossibilitar o domínio do evangelho no mundo. Ambos os livros foram lançados em 1986.

Na onda belicosa que essa teologia impingiu à igreja brasileira, a explosão de cânticos referentes à batalha espiritual varreu o universo gospel musical: cânticos como “Jeová é o teu cavaleiro”, “O exército de Deus”, “Homem de guerra é jeová”, “Quero ser um soldado” e, o mais executado da época, sem dúvida alguma, hit entre 10 das 10 mais tocadas, lá estava “O Nosso General é Cristo”. Com direito a coreografia e tudo o mais. Mal sabíamos nós (acho que alguns sabiam, mas não diziam) que ali estava sendo gerada boa parte desse milicianismo evangélico, disposto a ter inimigos e a destruí-los, principalmente ocupando os lugares de poder.

“Pelo Senhor, marchamos sim! O seu exército poderoso é!” Assim começava o cântico. A ideia militar de marcha (lembram da “Marcha para Jesus”), e de um exército poderosíssimo pronto a destruir os inimigos em nome da fé e a possuir “em nome do messias… a terra prometida”. Tudo isso está na gênese desse evangelicalismo brasileiro perverso e que depende de inimigos a serem vencidos para a sua subsistência. Não! Não estou acusando o autor da canção, ele apenas colocou em cântico o “espírito da época”. Como disse, eu mesmo a cantei muito naqueles anos. Era uma percepção equivocada do momento e que foi, ardilosa e “perfeitamente” usada pelos mercadores do templo, vendilhões da fé, empresários da religião.

O refrão, repetido inúmeras vezes e, como dito, com direito a coreografia, bradava a quem quisesse ouvir: “O nosso General é Cristo! Seguimos os seus passos! Nenhum inimigo nos resistirá!”. E pelo jeito, a detuparção de tudo isso encontrou no bolsonarismo sua representação política. Ainda há muitos inimigos imaginários desses evangélicos a serem destruídos: comunismo, comunidade LGBTQIA+, religiões de matrizes africanas, feminismos… Quaisquer coisas que se levantem contra o “general”, que nunca foi Cristo, e nunca foi general. No máximo, um capitão enxovalhado, mas que serve muito bem aos egos e projetos de poder dos soberanos da fé.

É só o “princípio das dores”. Infelizmente. Quem viver, verá!

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.