Globo apoiou ditadura e se desculpou, criou Bolsonaro e quer destruí-lo – Por Raphael Fagundes

A emissora é contra Bolsonaro, não contra a economia política que este almeja. Ela é contra os meios adotados pelo presidente, mas não contrária aos fins.

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Em 2018 escrevi um artigo para o jornal Le Monde Diplomatique Brasil discutindo o comportamento da Globo perante o fato de ter apoiado o golpe de 2016 e provocado um clima de ódio que desencadeou a vitória de Jair Bolsonaro.

Na ocasião indaguei: o que faremos quando a Rede Globo nos pedir desculpas por ter ajudado a colocar a democracia em risco? Bem, ela ainda não está pedindo desculpas, embora venha gastando muita tinta e espaço digital para criticar duramente o presidente Jair Bolsonaro.

A corporação midiática criou uma memória após a ditadura civil-militar de 1964, para mostrar sua posição tanto contra as esquerdas, quanto contrária aos militares ditadores. O professor Marcelo Redenti resume muito bem esta memória: “a violência das esquerdas e das Forças Armadas nos anos 60/70 teriam sido as duas faces da mesma moeda imprestável que jogamos na lata de lixo da História com a redemocratização, que a pacífica sociedade civil sempre almejara".[1]

É um discurso falso por vários aspectos, inclusive por omitir a colaboração da sociedade civil no golpe e por excluir o Grupo Globo de participar no processo que culminou com o fechamento do governo brasileiro.

A história se repete, primeiro como tragédia e depois como farsa. Essa é uma máxima marxista infalível. Hoje a Rede Globo, que construiu o ódio contra o lulopetismo, contra as esquerdas de um modo geral, chamando em muitas situações o PT de “esquerda radical”, também cria um discurso de ojeriza a política adotada pelo governo de direita que chegou ao Palácio do Planalto. Assim como no dualismo que forjou ao descrever a ditadura, PT e Bolsonaro aparecem, por meio dos seus comentaristas, como “as duas faces da mesma moeda”.

Ela não está pedindo desculpas, ou reconhecendo o erro que cometeu em 2016, ao criticar acidamente o governo conservador de Bolsonaro, muito menos quando Miriam Leitão diz que discorda de Dilma Rousseff quanto ao passado, mas concorda quanto ao presente. O que quer é repetir a história forjando mais uma vez a memória. No futuro irá dizer que combateu a corrupção (contra o PT) e o obscurantismo (ao condenar Bolsonaro e sua política).

Mas no fim ela não contribuiu nem para uma coisa, nem para a outra. O que fez foi o contrário. O governo que mais combateu a corrupção na história deste país foram os governos petistas. A Globo apoiou a luta contra a corrupção para tirar o PT, já que após o golpe seu discurso focou no obscurantismo bolsonarista, não tendo forças de desvendar nenhuma das farsas corruptas nas quais o presidente conservador estava envolvido. Ao tirar o PT, contribuiu diretamente para o enfraquecimento do combate à corrupção.

Já o obscurantismo é fruto do seu próprio discurso medieval contra a esquerda, essa que foi perseguida e acusada dos maiores problemas do país, exatamente como a Igreja Católica acusava os infiéis, e Hitler os judeus, de serem os algozes da prosperidade.

Ou seja, todos estes elementos apontam para a clareza dos atos da Rede Globo: ela agiu exatamente como agiu na Ditadura Militar. Ela apoiou o golpe e mais tarde colocou-se como um dos estandartes da democracia.

Seu objetivo é radicalizar o liberalismo. Não acreditava mais que o PT pudesse fazer isto. Assim como em 1964, depois do anúncio das reformas de base por João Goulart, passou a acreditar que as forças do mercado ficariam preteridas na condução do país. O golpe nas duas situações tem motivos similares, mas com métodos diferentes.

Hoje o exército de jornalistas supriu a necessidade das Forças Armadas. O bolsonarista passou a odiar a esquerda por conta do discurso da Globo. Foi a Globo que lhe deu argumentos. Bolsonaro é fruto do ódio criado pela Globo contra as esquerdas, não a causa. Portanto, o gado reacionário deve muito a Globo ao ver hoje o seu mito no poder.

Mas hoje ambos se desencontram. São como água e óleo. Não há nada que Bolsonaro faça que a Globo elogie e a recíproca é a mesma. A Globo odeia tanto Bolsonaro quanto odeia os ditadores de 64. Contudo, os dois tiveram o seu aval, sendo que Bolsonaro é muito mais seu rebento que os facínoras dos Anos de Chumbo.

Ela forja uma imagem da esquerda combativa que havia no período ditatorial para apenas se dizer contrária ao autoritarismo. Retrata as guerrilhas como se fossem movimentos que queriam a democracia (excluindo o elemento socialista da utopia guerrilheira). Ou apenas para retratar a tortura e violência militar.

Assim critica Bolsonaro só por conta do fato de que este não consegue tocar o projeto liberal, por este ser um presidente histriônico, já que o ideal para o liberalismo é um presidente omisso.

É evidente que nada que Bolsonaro faça é bom, mas nada que João Doria faz é louvável se tivermos como horizonte de expectativa a emancipação ou aumento de renda da classe trabalhadora. A Globo é contra Bolsonaro, não contra a economia política que este almeja. A Globo é contra os meios adotados pelo presidente, mas não contrária aos fins.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1] RIDENTI, M. Resistência e mistificação da resistência armada contra a ditadura: armadilhas para os pesquisadores.. REIS, Daniel Aarão, REDENTI, M. e MOTTA, Rodrigo Patto Sá. (orgs.) O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois (1964-2004). Bauru: EDUSC, 2004. p. 63.