Libertinagem pública – Por Normando Rodrigues

Mister Sérgio Moro representa o espírito de nosso tempo: governos que garantem autoritariamente a transferência de renda dos pobres para os ricos, e que o fazem de forma obscena.

Ex-juiz Sergio Moro (TV Globo/Reprodução)
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Destino

Reza a lenda que em outubro de 1806 Hegel testemunhou casualmente a passagem de Napoleão Bonaparte e seus generais, e resumiu a percepção com “vi o destino do mundo a cavalo”.

Do alto de sua orgulhosa indigência intelectual, Mister Moro acredita ser outra dessas encarnações do destino, quando em verdade não passa de mais uma cavalgadura dos ricos.

O fado que de fato monta em Moro é a síntese da cultura e moral predominantes em nossa época: o controle do privado sobre o público, do individual sobre o coletivo, do “meu” antes do de todos.

Desfaçatez

Claro, a contradição entre o discurso generalista e a prática de favorecer familiares e aliados, existia sob Bonaparte e sob qualquer ditadura.

Hoje, porém, a direita adota o modelo cínico do fascismo: “é assim, e daí?” O benefício próprio, ou de poucos, é apresentado debochadamente.

É o que faz o general Heleno, ao legalizar inéditos projetos de garimpo de ouro em regiões de fronteira na Amazônia, enquanto simula babar de ódio contra ONGs que “ameaçam nossa soberania”.

Despudor

Outro estrelado, Santos Cruz prefere o sarcasmo contido em “Lula destruiu a democracia”. Democracia para Cruz é o regime político capaz de exilar, prender ou matar opositores, promessa do presidente do qual foi ministro-chefe.

Cruz é daqueles que faltou à aula na academia, no dia em que lembraram da pregação de Abraham Lincoln em Gettysburg: democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo.

Fiel ao governo dos ricos, por fantoches, para os ricos, Cruz iguala Lula a Bolsonaro, e nisso imita Estadão, Veja, Isto é, Folha, e a mídia conservadora internacional.

Descaramento

Sóbrio exemplo, a BBC rotulou o 2° turno presidencial chileno (19 de dezembro) entre o esquerdista Gabriel Boric e o fascista José Antonio Kast: mais uma “escolha difícil”. Vejamos as propostas “iguais”:

Kast: pinochetismo, homofobia, misoginia, apologia à tortura, a prisões e a assassinatos políticos;

Boric: aposentadorias dignas para maiores de 65 anos; salário mínimo de 600 dólares até 2025; 500 mil novos empregos para mulheres; jornada de trabalho de 40 horas semanais.

Desvergonha

Por trás do nivelamento Lula-Bolsonaro, Boric-Kast, estão a variável da rejeição ao fascismo (opção circunstancial do capital, a depender da conveniência), e a constante da condenação à “gastança” em favor dos pobres.

É o que se viu na fala da economista-chefe do banco Credit Suisse: a prioridade dos governos deve ser o ganho de produtividade (render mais, para o lucro dos ricos). Crescimento real de salários só causa inflação.

Isso a burocrata afirmou no mesmo dia em que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura alertou quanto à inflação mundial dos alimentos, que acumula 27,3% nos últimos 12 meses.

Desaforamento

Logo, conforme o Credit Suisse, a humanidade experimenta uma pandemia de aumento real de salários. Só que não.

Dados da Organização Internacional do Trabalho apontam redução salarial generalizada em 2020-2021, especialmente nos países onde não houve proteção estatal, e mais acentuadamente entre mulheres.

Ante esse quadro, a presidenta do Tribunal Superior do Trabalho, Maria Cristina Peduzzi, ri. Acha graça ao ouvir que a reforma trabalhista de 2017 não gerou empregos. Ri, porque sabe que o objetivo não era este.

Desregrada

A verdadeira meta da mutilação da CLT permanece na agenda do mestre de Peduzzi, Ives Gandra Filho, que nesse momento orienta o fascismo à destruição de mais de 300 outros direitos dos trabalhadores.

Trata-se pura e simplesmente de transferir ainda mais dinheiro dos pobres para os ricos. Vitória do interesse particular sobre os interesses gerais. Só.

Embalado por esse santo espírito, o André terrivelmente Mendonça sentiu-se o 1° calvinista na suprema lua, e parafraseou Neil Armstrong: “um passo para um homem e um grande salto para os evangélicos”.

Devassa

Mendonça jurou que no STF não seguirá seu ídolo Calvino (o qual apreciava assar infiéis vivos), mas pouco após foi desmentido pelo pastor e deputado federal da Assembleia de Deus, Sóstenes Cavalcante.

Entenda-se: o André disse um “não” que em Mendonça significa “sim”. Importa-lhe o que for dele (nomeação, particularismos religioso e ideológico), e não o que seja de todos (transparência, universalismo, bem comum).

É também o perfil de Mister Moro. Este, nas ocasiões em que é pego com a boca na botija dos desejos inconfessáveis, vira a criança mimada que quebra a porcelana da avó e insiste na resposta birrenta “não fui eu!”

The Candidate

“Nunca estimulei culto à personalidade”, falou o juiz Mister Moro que somente em 2016 autorizou 3 biografias suas (por Luiz Scarpini, Vladimir Netto e Joice Hasselmann), todas encapadas com belas fotos do “herói”.

Depois veio o “não cometi nenhum ato ilegal”, dito por juiz declarado SUSPEITO em duas decisões do STF, em março e em junho de 2021. Suspeição, registre-se, transitada em julgado, e não mais passível de presunção de inocência.

Embora ridículo aos olhos de quem saiba ler, o negacionismo obsceno de Mister Moro o qualifica como potencial gestor da cornucópia que leva comida dos pobres para os ricos.

 The Candidate é a encarnação do “destino do mundo” plano.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.