Liderança econômica da China: políticas industriais e de inovação – Por Alessandro Golombiewski

Quando vislumbramos o conceito de política industrial, é preciso entender que este não se restringe ao significado de indústria manufatureira, mas envolve também a indústria agrícola e serviços

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Caros leitores, como apresentei na última coluna, a política de desenvolvimento econômico da China tem como um de seus pilares as políticas industriais e de inovação. Essas políticas, nas últimas quatro décadas, transformaram a China de um país basicamente agrícola em uma potência manufatureira global, muitas vezes chamada de a fábrica do mundo. Mas isso não é suficiente para garantir o futuro da sociedade chinesa.

Quando vislumbramos o conceito de política industrial, é preciso entender que este não se restringe ao significado de indústria manufatureira, mas envolve também a indústria agrícola e serviços. Além disso, é preciso entender que o desenvolvimento chinês está centrado nos planos quinquenais, implementados pelo Estado, os quais atuam ativamente nas políticas industriais e, ultimamente, em inovação, cujas lições precisamos aprender.

Assim, para começarmos, vamos dividir as políticas industriais e de inovação da China em seis períodos.

O primeiro período é composto pelos primeiros planos quinquenais estabelecidos entre 1958 e 1978. Nessa época, a China adotou um desenvolvimento industrial semelhante ao modelo soviético focado no desenvolvimento de indústrias pesadas (siderurgia, eletricidade, carvão, petróleo, metais não ferrosos, fabricação de equipamentos) e químicas.

No final dos anos 1970, a China sofreu grandes mudanças tanto no ambiente político quanto no social, fosse interno ou externo, de tal modo que houve uma necessidade premente de ajuste na estratégia que se adotava, pois tratava-se, internamente, do período transitório entre o fim da liderança de Mao Tsé-Tung e a ascensão de Deng Xiaoping.

Deng vislumbrava uma China moderna, o que só ocorreria se houvesse a modernização industrial e a qual não seria possível sem uma abertura gradual da economia, com reformas que possibilitassem a transição do modelo agrícola para o industrial por meio do acesso à tecnologia e investimentos estrangeiros. Nesse aspecto, surgiram as reformas estruturais concomitante à incorporação dos mecanismos de economia de mercado.

O segundo período vai de 1978 a 1991, quando as políticas se voltaram para a racionalização do setor industrial e o surgimento de outros tipos de indústrias incentivados pela atração de investimentos, estruturação de arranjos locais produtivos.

Nessa época, o governo chinês organizou diversas visitas a países como a Itália, a França e o Japão para entender o funcionamento dos arranjos produtivos de vários setores (calçados, têxteis, máquinas e equipamentos e automotivo). Isso resultou na atração de investimentos internacionais de grandes multinacionais e na estruturação de setores econômicos que a China não possuía. Permitindo um salto qualitativo no setor industrial.

Esse período também marcou o desenvolvimento industrial localizado nas faixas litorâneas chinesas, transformando as cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen nas principais zonas econômicas especiais.

Essa ideia foi tão bem aproveitada pelos chineses que, ainda hoje, eles testam seus conceitos em áreas especificas, fazendo os ajustes necessários e os implementando em outras regiões do país. A ideia central era manter o rápido desenvolvimento da economia regional e da economia nacional na região oriental, acelerar o desenvolvimento econômico das regiões central e ocidental, reforçando o apoio a essas regiões. Em suma, tratava-se de uma estratégia de disposição industrial coordenada em nível regional.

Um exemplo que vale destacar é o setor calçadista. Em meados da década de 1980, a China decidiu que deveria melhorar o setor de couro e calçados. Nesse sentido, ela elaborou um plano de desenvolvimento estratégico setorial cujo um dos pontos basilares consistia na atração de pessoas capacitadas e que tivessem conhecimento do sistema produtivo, das tecnologias e, obviamente, dos contatos comercias desse setor.

Em suas pesquisas, os chineses identificaram o polo produtivo no Vale do Sinos, no Sul do Brasil, que tem seu centro na cidade de Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul. Os chineses foram até a região, aprenderam sobre a tecnologia e contrataram profissionais que se despuseram a emigrar para a província de Cantão, onde o setor se concentrou, principalmente nas cidades de Dongguan, Shenzhen e Foshan. Anos mais tarde, essa região se constituiu no maior polo produtivo calçadista do mundo com empresas do porte da Nike, Adidas, entre outras.

Claro que devemos esclarecer que a maioria dessas empresas eram de capital estatal em parceria com empresas internacionais privadas. A transferência de tecnologia era um dos objetivos centrais dessa política. Assim, as empresas estatais chinesas chamadas de SOE (State Own Entrerprise) adquiriram tecnologia e capacidade produtiva e poderiam competir nos mercados internacionais.

A terceira fase compreende o período de 1991 a 2001, caracterizado pela intensa abertura comercial da China através de reformas econômicas que viabilizaram a entrada de capital externo e o desenvolvimento de mecanismos de economia de mercado, permitindo que o governo chinês incentivasse o nascimento do setor privado. Para isso, Deng Xiaoping elaborou um plano de desenvolvimento com objetivos setoriais para modernizar a indústria chinesa e ganhar a competitividade internacional.

Nesse momento, a China começou a colocar a tecnologia do centro de sua estratégia industrial, aumentando sua exposição no comércio internacional através de uma política denominada Go out Policy. Isso resultou no crescimento das exportações chinesas e na participação da China no comércio internacional, saindo de uma participação de 4,56% em 1978 para uma participação de 20,7% no total das exportações globais em 2016. Por sua vez, os investimentos externos recebidos pela China partiram de menos de US$ 2 bilhões em 1978, para US$ 126 bilhões em 2016. Simultaneamente, o governo chinês realizou investimentos massivos em infraestrutura básica, energia, água, esgoto, internet e em logística, criando a maior rede de conexão ferroviária e portuária do mundo.

Ainda que a China houvesse modernizado sua estrutura produtiva, sua infraestrutura e sua logística, por meio da inserção de mecanismos de mercado como bancos comerciais, políticas de estímulos à exportação e importação, atração de investimentos, na qualificação de mão de obra, entre outros, faltava a ela participar de organizações internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), o que aconteceu em 2001. É a partir desse momento que se inaugura o quarto período (2001-2008) de políticas industriais.

Embora a indústria chinesa apresentasse um avançado nível competitivo caracterizado por baixos custos de produção, escala produtiva elevada e domínio de tecnologias básicas, algo que ficou visível com o famoso rótulo “made in China”, porém, o perfil industrial chinês carecia de um salto qualitativo.

Foi nessa época que a China passou a ser considerada a segunda maior economia em produção industrial do mundo, iniciando seu processo de consolidação internacional. As políticas industriais anteriores já estavam consolidadas como parte dos pilares centrais do desenvolvimento chinês, e a indústria representava a maior fonte de renda e emprego da economia chinesa.

O governo atuava com medidas que incentivavam o empreendedorismo e o comércio exterior, facilitavam o ambiente de negócios com a expansão do crédito na economia, melhoraria da infraestrutura e capacitação de pessoal.

Em 2006, a China lançou o plano de Médio e Longo Prazo (MLP) (2006-2020) para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, cujo objetivo era construir a base da capacidade de inovação endógena, bem como capacitar o setor para a concorrência internacional, tornando a China em uma “sociedade orientada para a inovação” até ao ano 2020, e líder mundial nessa área até 2050. O MLP ainda compreende investimentos na faixa de 2,5% do crescente produto interno bruto chinês em P&D até 2020 ante 1,34% em 2005; aumento de contribuições para o crescimento econômico a partir do avanço tecnológico para mais de 60%; e limite da dependência tecnológica importada na faixa de 30%. O governo espera também que, com isso, a China se torne um dos cinco principais países do mundo no número de patentes de invenções concedidas aos cidadãos, e que os trabalhos científicos de autoria chinesa estejam entre os mais citados do mundo.

A relevância desse plano serviu de base para que a nova estratégia chinesa estabelecesse a quinta fase (2008-2019) das políticas industriais, as quais estão centradas no avanço tecnológico e no fortalecimento da capacidade de inovação. Nesse momento, a China passou pela crise financeira de 2007-2008 com certa tranquilidade, posicionando-se para se tornar a primeira economia em produção industrial do mundo. A estratégia utilizada baseava-se no fortalecimento de seu mercado interno que já estava desenvolvido, além de importantes investimentos na educação.

Em 2008, os investimentos chineses em ciência e tecnologia foram de R$ 280 bilhões e, em 2019, esse valor triplicou para R$ 726 bilhões. Além destes, o governo chinês também criou vários fundos governamentais de capital empreendedor, fortalecendo os investimentos em novas tecnologias.

Em 2015, foi a vez do ambicioso plano de desenvolvimento industrial denominado de “Made in China 2025” (MIC 2025). Trata-se de uma política industrial de alto nível destinada a transformar a China em líder mundial da indústria transformadora. A China estabeleceu um objetivo claro: a indústria manufatureira do país deve subir na cadeia de valor. O MIC 2025, publicado a 8 de maio de 2015, é a estratégia adotada pelo governo chinês com o propósito de transformar o país numa poderosa potência tecnológica, promovendo a reestruturação e o desenvolvimento do setor industrial para alcançar uma maior qualidade e eficiência na produção.

A programação é que o MIC 2025 seja implementado em trinta anos, dividindo-se em três fases: (i) reduzir as diferenças com outros países (2025); (ii) reforçar a sua posição econômica (2035); e (iii) liderar no setor da inovação (2045). Assim, as autoridades chinesas pretendem emitir políticas favoráveis à reestruturação da indústria transformadora tradicional, com especial ênfase em inovação, propriedade intelectual e desenvolvimento sustentável, promovendo simultaneamente a fusão e a reorganização de empresas, além de proporcionar acesso preferencial ao capital às empresas nacionais, a fim de promover as suas capacidades internas de investigação e desenvolvimento, apoiar a sua capacidade de adquirir tecnologia do estrangeiro e aumentar a sua competitividade global.

A sexta e mais recente fase das políticas industriais chinesas foi tema do décimo quarto plano quinquenal, elaborado durante a quinta sessão plenária do décimo nono Comitê Central, realizada entre 26 e 29 de outubro de 2020.

O plano quinquenal para o desenvolvimento da China de 2021 a 2025 prioriza o chamado “ciclo interno”, cujo objetivo é reforçar a economia interna e consolidar o desenvolvimento econômico e social. Além disso, o plano prevê também a rápida redução da dependência de tecnologia estrangeira e dos recursos importados, além de duplicar os planos existentes de modernização industrial e inovação tecnológica, tornando-se líder global em indústrias estratégicas emergentes, tecnologia de fronteira e ciência, fomentando a Indústria 4.0. Esse plano também reforçará a política industrial e o apoio aos setores e tecnologias nacionais considerados essenciais.

Mesmo com vários instrumentos e lançamentos quase semestrais de novas políticas, a China tem um imenso desafio para reduzir sua dependência externa de tecnologia, de tal modo que não podemos considerá-la uma economia inovadora com capacidade disruptiva. O processo de inovação chinês ainda está na fase incremental e baseia-se na melhoria de produtos e serviços e com poucas inovações radicais. Falta-lhe aumento e eficiência de investimentos em ciência e tecnologia para se tornar uma economia inovadora baseada em tecnologias endógenas, algo que poderá levar décadas.

Além desse desafio, a China precisa aprender a utilizar os mecanismos de mercado para melhorar sua inovação pelo lado da demanda. Para isso, ela terá de formular políticas mais apropriadas para captar os desejos e as ideias dos consumidores chineses o que ainda é incipiente. Essa é uma das características que põem as economias norte-americana e europeias (como Alemanha, Reino Unido e França) à frente.

No caso brasileiro, nos últimos cinco anos, as políticas de ciência, tecnologia e inovação foram quase extintas. A capacidade da indústria brasileira em competir nas cadeias globais foi destruída. Hoje, o Brasil está em uma situação delicada pois sua capacidade de inovação estrutural foi implodida e o sistema nacional de inovação foi depredado, deixando a inovação em algumas ilhas isoladas. Precisamos urgentemente de um governo que retome os investimentos em infraestrutura, que crie uma política industrial e de inovação ativa, além de investimentos em educação, ciência e tecnologia. Sem essas condições, nós não teremos capacidade de copiar nem de desenvolver políticas que funcionam em outros países. Aprender com a experiência da China é importante, mas termos governos que acreditem em políticas industriais e de inovação como pilares do desenvolvimento nacional é fundamental.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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