Lógica incoerente: uma ditadura em nome da democracia – Por Raphael Fagundes

A própria maneira de chamar Bolsonaro de mito ajuda no processo de negação, suprimindo as atitudes atrozes e incompetentes que não se encaixem nessa imagem perfeita projetada pelo imaginário.

Foto: Arquivo Nacional.
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A lógica sem a mínima coerência de que a Ditadura Civil-Militar teve como objetivo salvar a democracia é só mais uma das diversas farsas criadas sobre este período obscuro da História do Brasil.

A Ditadura Civil-Militar é parte de uma mitologia política que compõe o imaginário brasileiro. Sendo assim, seria interessante compreender esse imaginário propagado positivamente pela máquina de propaganda do governo Bolsonaro.

A leitura que Wolfgang Iser faz de Sartre é de extrema utilidade para compreendermos a maneira fantasiosa pela qual os defensores do retorno da ditadura enxergam a realidade.

O imaginário é um sistema simbólico que traz à tona elementos ausentes ou não existentes para a consciência humana. Neste sistema, encontram-se elementos do passado, a memória, visões de futuro, etc., que são usados para compreender os objetos.

De acordo com Iser, Sartre observa no imaginário um determinado “nada", já que o mesmo é composto por elementos que não existem mais, ou ainda não existem. Contudo, o imaginário usa a consciência para se realizar, interpretando o mundo que entra em contato com a mente humana.

Mas se os elementos deste mundo não combinam com o imaginário, este, por meio da consciência, começará um processo de seleção, deixando apenas os elementos que fazem sentido para essa mente. “A irrealização de dados existentes é necessária para que um objeto da ideia se torne real".[1] A partir daí obtém-se uma consciência ideacional.

Mas se os elementos existentes são extraídos, o que ocupará o vazio deixado pelo esse ato? O “nada" irá ocupar este espaço. O ausente se torna presente e o mundo apreendido se torna lógico na mente do observador. Trata-se, portanto, de uma ordem forjada, inventada apenas para fazer sentido.

É assim que os defensores da Ditadura Militar enxergam o mundo. Ao entrar em contato com os problemas sociais, buscam analisá-los por meio do imaginário que os guia. A Ditadura Civil-Militar torna-se a fantasia, o “nada” que preenche os buracos deixados na realidade. Não conseguem ver diversos aspectos existentes, como a exploração de classe, a corrupção de seus ídolos políticos, etc. No lugar destes elementos existentes, é introduzido algo que não existe, algo fantasmagórico, irreal.

“O mito político é”, de acordo com Rauol Girardet, “fabulação, deformação ou interpretação objetivamente recusável do real".[2] Ou seja, ao defender o retorno da ditadura, quer se negar a realidade como ela é em nome do que não existe. A partir daí, é possível elaborar ideias estapafúrdias como ser possível uma ditadura para defender a democracia.

A própria maneira de chamar Bolsonaro de mito ajuda nesse processo de negação, suprimindo as atitudes atrozes e incompetentes que não se encaixem nessa imagem perfeita projetada pelo imaginário. A enganação funciona a partir desse processo que torna a consciência cativa do imaginário, da ilusão.

Este mundo criado por meio da ilusão, tem como objetivo a manutenção dos problemas estruturais da realidade, apresentando uma solução irreal, mas que “fascina a consciência até o ponto de autocativá-la”.[3] O objetivo da esquerda é justamente combater estas fantasias e propor soluções funcionais para as mazelas do povo. Esta sempre foi, é e será o seu compromisso com a humanidade.

A Ditadura Militar é a fantasia por excelência. Para além de toda a explicação filosófica exposta acima, o Golpe de 1964 foi realizado em 1° de abril, embora os militares mintam reivindicando a data de 31 de Março. Criou-se uma mentira para dizer que o início da tirania não foi no dia da mentira! Farsa sobre farsa.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1] ISER, W. O fictício e o imaginário. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013, 271.

[2] GIRARDET, R. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Cia das letras, 1997, p. 13.

[3] ISER., op. Cit. P. 273.