Por que é mais lucrativo um golpe do que fraudar as eleições? – Por Raphael Fagundes

Fraudar uma eleição não consegue transformar as ideias das classes dominantes em ideias dominantes. Os grupos que controlam o poder precisam fazer de seus interesses os interesses de todos

Foto: Senado Federal
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O discurso da direita atual de que as eleições são sempre fraudadas quando perdem, ou o de Bolsonaro de que é necessário o voto impresso, é a cara do conservadorismo. Esta ideologia, como nos ensina o conservador Michael Oakeshott, se põe contra a mudança porque acredita que mais confiável lidar com o familiar, não com o estranho. Critica a tendência da pós-modernidade em adorar a mudança, o efêmero e a aceleração do tempo.

Tais críticas conservadoras poderiam ser produtivas se elas atingissem de fato a raiz da questão. A mudança constante e acelerada da vida atende aos interesses do capital. A efemeridade dos produtos dos hábitos está ligada à necessidade do mercado em ampliar o mercado consumidor já que o capitalismo promete crescimento constante, ele precisa criar novas formas para se expandir. A tecnologia, as mudanças nos hábitos de consumo, são indispensáveis neste processo.

Os conservadores não acusam o capitalismo de todo o mal. Portanto, não abordam a raiz do problema. Criam uma ilusão artificialista de radicalismo para esconder o conformismo central de sua ideologia.

A crítica dos conservadores (Trump nos EUA, Fujimori no Peru e Bolsonaro no Brasil) ao processo eleitoral é parte desse embuste. As eleições dificilmente são fraudadas porque não há necessidade de serem.

No caso brasileiro, por exemplo, nunca houve necessidade de burlar as eleições, pois quando os resultados das urnas não são coniventes aos interesses dominantes, articula-se um golpe. Já tivemos golpes de todos os tipos: parlamentar, militar, civil-militar... Já até atingimos o mais alto nível de pressão levando presidentes à renúncia e ao suicídio. Já tivemos golpes em meio ao voto impresso e ao voto eletrônico. Tanto faz se o voto é aberto ou secreto, ou se estamos sob o jugo de um imperador ou de um presidente. O fato é que quando o resultado das eleições não é satisfatório, setores da elite inconformada mobilizam-se para conduzir “melhor" a vontade do povo.

Mas por que as elites veem mais vantagem em dar um golpe que fraudar as eleições? Porque um golpe consegue mobilizar grande parte da população. Antes do acontecimento que culmina num golpe de Estado, as elites investem em crises, propaganda e polarização. Constroem todo um cenário político para manipular o cidadão a defender os seus interesses. Uma simples fraude nas eleições não teria o poder de convencimento que a propaganda, por meio da imprensa e das redes sociais consegue alcançar.

A vitória na disputa eleitoral é a confirmação de uma tendência. Lula em 2002 é fruto de uma política neoliberal fracassada, da aliança do petista com setores empresariais. A vitória de Bolsonaro é fruto de uma atmosfera de ódio forjada pela ideologia do antipetismo e pela promessa de privatização de estatais e precarização do trabalho que agradava setores da elite brasileira. A conjuntura influencia diretamente no resultado das eleições.

Portanto, a ideia de que a urna eletrônica pode facilitar as fraudes eleitorais é um argumento conservador (seja ele proferido por Brizola ou por Bolsonaro) que serve de embuste que promove o desconhecimento da verdade: o controle do processo democrático pelos interesses das classes dominantes.

Fraudar uma eleição não consegue transformar as ideias das classes dominantes em ideias dominantes. Os grupos que controlam o poder precisam fazer de seus interesses os interesses de todos. Existem diversos recursos para se alcançar este objetivo, já que possuem a disposição a imprensa e a indústria cultural. É muito ingênuo acreditar que as elites precisariam fraudar as eleições para conseguir o que querem.

Além de ser embuste e ingenuidade, é também mentira, pelo fato de não haver nenhuma prova de que isto aconteceu.

Sendo assim, precisamos discutir o que realmente importa na democracia. O dia das eleições é importante, mas é apenas simbólico. O que realmente merece atenção são as circunstâncias que precedem o pleito eleitoral. Quais os interesses envolvidos, a atmosfera forjada. Mais que os atores e o cenário que levam a cerimônia das eleições é preciso compreender quem escreve o script, os diretores de arte e o produtor executivo do teatro democrático.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.