Lula solto e os desafios para o próximo período

Que o Lula é inocente e que sua prisão decorre de uma farsa já afirmamos aqui por diversas vezes. A questão agora é saber qual o papel que Lula irá desempenhar no cenário político do próximo período.

Foto: Ricardo Stuckert
Escrito en OPINIÃO el
Após a emoção e alegria pela qual passamos ao receber o ex-presidente Lula, debaixo de um forte calor no último dia 9/11 em São Bernardo do Campo, é hora de debater quais são as tarefas mais importantes que teremos no próximo período. Na história do Brasil, em poucos momentos a soltura de um líder político foi marcada por tamanha repercussão e expectativa. Não é para menos. Trata-se de Luiz Inácio Lula da Silva, um retirante nordestino que, ainda jovem, junto com a família, fugiu do sertão pernambucano para São Paulo, em busca de melhores condições de vida. Assim como Lula e sua família, milhões de nordestinos fizeram o mesmo caminho para escapar da fome, miséria e abandono. Daí essa identidade do Lula ser tão forte com o povo mais pobre de nosso país, especialmente das regiões Norte e Nordeste. Lula está de volta. Após 580 dias de cárcere privado, finalmente foi solto. E bem ao seu estilo voltou nos braços do povo para o mesmo local de onde saíra em 7 de Abril de 2018 rumo a Curitiba, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, espaço onde iniciou sua trajetória política como líder sindical e político, no final da década de 70 do século passado. Que o Lula é inocente e que sua prisão decorre de uma farsa já afirmamos aqui por diversas vezes. A questão agora é saber qual o papel que Lula irá desempenhar no cenário político do próximo período. Em seu discurso em São Bernardo do Campo, avisou: "Eu voltei". Um sinal aos que o imaginavam fora do jogo político por mais tempo. Com Lula solto ganharemos um extraordinário reforço na resistência contra a destruição do país. Todos (da extrema-direita, centro e esquerda) têm afirmado que com a soltura de Lula, de agora em diante, as estratégias políticas mudam de patamar. É inquestionável que ele passa a ser o principal líder da posição e consequentemente irá causar uma reviravolta no jogo político/eleitoral de 2020 e 2022. Até o momento, o quadro para 2022 é Bolsonaro liderando uma chapa da extrema direita; Doria tentando se distanciar do extremismo, mas ao mesmo tempo em disputa com Bolsonaro pelo eleitorado mais conservador e neoliberal; Rodrigo Maia se colocando como alternativa de centro direita e do mercado; Luciano Huck se movimentando com um discurso de renovação; e obviamente um nome da esquerda, até o momento o mais provável é Fernando Haddad, que tendo Lula solto e o carregando para todo o país é muito provável assegurar o segundo turno em 2022. Lutaremos para que Lula recupere os direitos políticos, com a anulação da sentença proferida pelo imparcial juiz Sergio Moro. Se conseguirmos, ficará no ar sempre uma dúvida: Lula topa ser candidato em 2022? Lula não é carta fora do baralho na próxima eleição presidencial. Os meios políticos restringem o debate sobre o papel do Lula apenas do ponto vista eleitoral, seja com relação às eleições municipais em 2020, e especialmente a presidencial em 2022. E não há dúvida de que ele será a peça principal do xadrez político nos próximos anos. É inegável e sabido por todos do extraordinário papel que Lula, fora da prisão, jogará no campo institucional e eleitoral. Porém, quero aqui levantar o papel mais importante que, no meu entender, ele tem desde já. Alguns segmentos da esquerda alimentam a ilusão de que Lula teria o papel de unir o país. Ledo engano, em tempos de crise econômica não há espaço para união, pelo contrário, se acirra a luta de classes. Lula dará uma grande contribuição se nos ajudar a criar unidade no campo das forças partidárias de esquerda e dos movimentos sociais para além da atuação institucional. Precisamos urgentemente dar um salto na questão organizativa para impulsionar as mobilizações de massas, elemento indispensável para barrarmos o projeto de destruição do Estado em curso. Só assim teremos condições de alterar a correlação de força, nesse momento desfavorável às classes trabalhadoras. Um bom resultado nas eleições municipais no próximo ano é muito importante, porém não será suficiente para acumular forças para 2022. É preciso intensificar desde já (e Lula tem todas as condições de nos liderar), mobilizações de rua em oposição as medidas econômicas e à retirada dos direitos. Ao persistir a agenda de desmonte de Paulo Guedes e Rodrigo Maia, em 2202 não haverá mais Estado a ser disputado. Lula, portanto, deve aproveitar sua enorme liderança, prestígio e peso político para construir alianças eleitorais em 2020, mas também precisa destinar tempo de sua agenda para articulação com movimentos sociais, sindicais e populares, principalmente com as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo - que precisam retomar o relevante papel que tiveram nas mobilizações nos últimos anos. Temos que conjugar as pautas de caráter mais geral como a soberania, democracia e o meio ambiente com as preocupações reais e concretas que atormentam a vida do povo. As milícias, as mentiras, as ameaças às liberdades democráticas, a destruição da Amazônia, o fim de investimentos na edução, saúde, moradia, aumento dos combustíveis e das tarifas de serviços de água, energia e transporte, todas essas são preocupações justas, mas nada preocupa e angustia mais o povo do que o desemprego, a perda de renda, o aumento da pobreza e da fome. É uma realidade que afeta sobretudo a juventude negra e periférica que, neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, está nas ruas de todo o país em luta contra o racismo estrutural no Brasil. A luta, no entanto, deve ser contínua. Nesse sentido, tendo Lula como principal liderança no processo de articulação e mobilização, nosso principal desafio é construir grandes mobilizações, com sua presença por todo o país, com os motes: Basta de Bolsonaro, por direitos, democracia e justiça para Lula.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.