Mentiras em cadeia – Por Chico Alencar

Não à toa cresce no país a onda classificando o presidente de genocida. O que mais falta para que ele seja retirado do poder?

Foto: TV Brasil (Reprodução)
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Desde 1996 acontece anualmente, no Brasil, um festival internacional de documentários de cinema. Seu nome: “É tudo verdade”. Pois, assistindo ao pronunciamento do genocida que ocupa a Presidência da República na última terça-feira, pensei que suas aparições poderiam compor um outro festival: “É tudo mentira”.

Num dia em que os mortos pela Covid-19 tinham chegado a 3.158 nas últimas 24 horas, em meio a panelaços e vaias de Norte a Sul do país, numa leitura tatibitate, Bolsonaro faria inveja a Pinóquio, em apenas quatro minutos.

A primeira mentira: “Sempre fui a favor das vacinas!”

Desde sempre Bolsonaro combateu as vacinas, chegando a fazer gracinha ao dizer que quem as tomasse poderia virar jacaré ou sair falando fino. Garantiu que não se vacinaria e propagandeou medicamentos condenados pela ciência, pregando um tal tratamento precoce que a medicina não reconhece. Aproveitou para difundir preconceitos contra a China ao se referir aos medicamentos originários daquele país.

A segunda mentira: “Fiz tudo para proteger a população.”

Bolsonaro minimizou a gravidade da pandemia. Descumpriu as recomendações da ciência e tentou lançar descrédito sobre elas. Estimulou aglomerações, combateu o isolamento físico, ironizou o uso de máscaras e classificou a doença como “gripezinha”, chamando de “maricas” quem se preocupava com ela.

A Terceira mentira: “As vacinas estão chegando em grande quantidade, serão 500 milhões até o fim do ano.”

Os números são falsos. O governo federal anunciou nesta semana a redução de dez milhões das doses prometidas. Só comprou o equivalente a 10% da cobertura da população em vacinas da Covax (OMS), quando poderia ter adquirido 50%. E não respondeu à Pfizer, quando ela ofereceu imunizantes em agosto do ano passado.

A Quarta mentira: “O Brasil é dos países que mais imunizam.”

O país vacinou apenas 6% da população com a primeira dose e 2,5% com a segunda. Proporcionalmente à população está em 72º lugar do mundo na imunização.

A Quinta mentira: “Meu desafio era enfrentar o vírus e o desemprego.”

Bolsonaro previu “no máximo” mil mortes pela Covid-19. Já são mais de 300 mil. Assim, não enfrentou o vírus. E ostenta, em sua nefasta gestão, o recorde de 14 milhões de desempregados. Assim, nem enfrentou o vírus, nem fez frente ao desemprego.

A Sexta mentira: “O Brasil será produtor autossuficiente de vacinas, inclusive dos insumos.”

O presidente tem cortado recursos da pesquisa científica e enfraquecido a "paulista" Butantan e a "carioca" Fiocruz, que dependem de matérias primas importadas.

A Sétima mentira: “Muito em breve retomaremos a vida normal".

Ele finge desconhecer que a devastação do país continuará por bom tempo, por culpa do seu desgoverno.

Esta série de mentiras foi dita no dia em que o Brasil atingiu números recordes de mortes pela Covid-19. No mesmo dia, aliás, em que houve, a posse clandestina (?) do quarto ministro da Saúde (que, pelo visto, será mais um fantoche de Bolsonaro).

Não à toa cresce no país a onda classificando o presidente de genocida.

O que mais falta para que ele seja retirado do poder?

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Este artigo estava pronto quando houve a reunião de Bolsonaro com os “poderes da República” – os presidentes da Câmara e do Senado, além do presidente do STF – e alguns ministros e governadores próximos ao presidente.

O objetivo declarado seria buscar alguma coordenação no combate ao Covid-19. Assim, com um ano de atraso, Bolsonaro, no desespero, resolveu acenar com alguma providência. Mas, além do atraso, há outra questão: a figura de Bolsonaro não recomenda qualquer expectativa positiva.

No fim da reunião, os presidentes do Senado e da Câmara, bolsonaristas de carteirinha, exaltaram a “liderança" do presidente e falaram num “pacto” nacional em torno do presidente. Pura demagogia, com pitadas de cinismo.

Um pacto com Bolsonaro é impossível. A essência de sua política destruidora – e não apenas na saúde pública – prosseguirá. Essa reunião foi uma tentativa de varrer a crise para baixo do tapete palaciano, manchado de sangue. A água chega ao pescoço de Bolsonaro e ele não sabe nadar, exceto no mar poluído dos ódios.

Às forças democráticas cabe fazer a sua parte: praticar a solidariedade, exigir #VacinaEImpeachment e ajuda emergencial significativa, cobrar medidas de isolamento. A partir daí, sim, construir a unidade para tirar o país desse atoleiro.

Bolsonaro é como o escorpião da parábola. Diante de suas iniciativas, é impossível não lembrar o Barão de Itararé: “De onde nada se espera é que não vem nada mesmo”.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.