Meu Deus é uma peça! – Por pastor Zé Barbosa Jr

Na terça, Paulo Gustavo nos deixou. Não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, mas tenho amigos que lhe eram muito chegados. E todos são unânimes em afirmar a beleza da vida e do caráter desse grande ator

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Uma das coisas que mais gosto na língua portuguesa é a dinâmica das palavras. Um mesmo vocábulo pode ter várias interpretações e, o que é mais interessante, todas elas podem fazer sentido numa mesma frase. A palavra “peça”, por exemplo, pode fazer sentido e ser vivenciada em muitos significantes.

Para muitos, Deus é uma peça. De museu. Antiquado, velhaco, iracundo, morto por si mesmo em sua perversa imutabilidade. E muitos amam a esse deus “peça de museu”. É ele quem lhes garante a manutenção de regras que nem eles mesmo seguem, mas adoram impô-las sobre outros. O deus “peça de museu” existe para ser contemplado, admirado, ou “adorado” como insistem os seus curadores. É narcisista e egocêntrico! Desse deus sou ateu. Não merece ser adorado, nem admirado, muito menos amado por quem quer que seja. É um deus patético. Como os seus criadores.

Para outros, Deus é uma peça. Uma importante peça. De xadrez. Mas não se enganem, Deus nesse jogo não é o Rei. É mais um peão. Cheio de “poderes”, mas peão. Cujo único dever é defender os interesses do Rei, que neste caso, são os líderes religiosos que exploram tudo que podem desse peão, para dominarem sobre os outros peões, que acreditam que deus é o Rei, mas mal sabem que são tão manipulados quanto! Os midiáticos líderes religiosos, católicos ou evangélicos, que apoiam, por exemplo, esse governo genocida são exemplos desses que têm deus como uma peça no imenso tabuleiro do xadrez eclesiástico. Esse deus é perverso, pois é imagem e semelhança de seus inventores. É um deus mau, sem caráter, capaz de tudo pelo poder e para estar “acima de todos”.

Uma coisa em comum: esses dois deuses anteriores odeiam o terceiro Deus, que também é uma peça! Mas é uma peça no sentido alegórico e bem humorado de ser. É um Deus pai e mãe, um Deus que parece Dona Hermínia! Escandaloso em seu amor pelos filhos, capaz de dar e arrancar boas risadas, intenso em suas relações e amoroso ao extremo! Um Deus exagerado nos afetos, capaz de demonstrações inebriantes de amor e graça e sem o ranço medíocre e vingativo dos outros.

Um Deus (ou uma Deusa) que acolhe e ama filhos héteros e gays, sem nenhuma distinção porque, na verdade, não existe essa distinção que querem impor. Uma Deusa que exageradamente defende os seus, até mesmo dos outros deuses-peças a serviço de seus usuários malignos. Uma Deusa que se revela nas ações não alardeadas de seus filhos queridos, como Paulo Gustavo, que ajudava tanta gente sem fazer “propaganda” disso. A Deusa que se manifestava em Paulo me faz lembrar o Deus de Guimarães Rosa: “Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza”. Paulo Gustavo foi um milagre! Um bom milagre de Deus!

Meu Deus é uma peça, como Dona Hermínia! Como Paulo Gustavo! E porque são assim, são eternos... Enchem-nos de Graça (o dom inefável) e de Graça (o riso da alegria), e tudo isso de graça! Mas despertam a fúria e a ira dos que se sentem donos da religião e do poder. A Deusa-Hermínia-Paulo subverte a ordem, faz do riso a sua proclamação do Evangelho e da alegria o seu céu.

Na terça, Paulo Gustavo nos deixou. Não tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente, mas tenho amigos que lhe eram muito chegados. E todos são unânimes em afirmar a beleza da vida e do caráter desse grande ator. Acredito neles! Leio suas palavras como um Evangelho de vida a falar de alguém que viveu e amou intensamente, como o Cristo que eu creio. Adélia diz que “o que a memória ama, fica eterno”. E eu creio nos poetas-profetas!

Que a memória do humor e do amor nos salve! Ainda mais em tempos de genocídios e genocidas. “Rir é um ato de resistência” são as palavras que continuam ecoando em mim e em milhares de pessoas! Então... Vamos rir! Eles não suportam o riso e a alegria. Os deuses peças de museu e de xadrez só sabem odiar, e são deuses sisudos, mal-humorados, castradores e fazem aliança com genocidas.

Meu Deus é uma peça! Uma “figura”! Um deboche de amor! E a essa hora está rindo com Paulo, ouvindo e contando piadas, pois esse Deus que é todo amor, também é todo humor. E ri até hoje como resistência! E, porque ri, é eterno!

Deus é hoje uma senhora de bobes nos cabelos, moradora de Niterói e recebe seu filho que tanto celebrou a mãe em seus braços!

E haja riso...

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.