Ministério da Defesa: a nota é para a tropa, por Cleber Lourenço

Na verdade, quem está incomodada com a “politização” das Forças Armadas é a própria tropa, que vê como indevida não só a infiltração de militares no Planalto, mas também em gabinetes de ministros do STF e do Congresso.

Foto: Agência Brasil.
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Segundo uma fonte próxima dos chefes de gabinete de Carlos e Flávio Bolsonaro, os assessores de ambos passaram a última-feira sexta (13) ligando para lideranças políticas de militares graduados no Rio de Janeiro: eles estão preocupados com a campanha "praça vota em praça".

A campanha instiga as camadas médias da hierarquia militar a não votar em oficiais e seus parentes, incluindo Rogéria (ex-esposa do presidente) e Carlos Bolsonaro.

Um movimento bem semelhante à Revolta dos Sargentos, em 1963, quando os graduados elegeram sete parlamentares estaduais e um federal. As forças estão trabalhando muito para que isso não contamine a ativa.

A cúpula militar brasileira é extremamente preocupada com movimentos de caráter classista dentro das Forças Armadas (um dos motivos que causou o afastamento de Bolsonaro da tropa), por isso, qualquer movimentação nesse sentido entre as fileiras é levada a sério pelo comando.

Segundo um militar da reserva que conversou com a coluna, é hábito supervalorizar qualquer ameaça à ordem e à hierarquia militar.

Em 2019, após a posse de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas emitiram portarias que fizeram com que mais membros das camadas intermediárias da ativa fossem também alcançadas pelos benefícios propostos pela lei de reestruturação.

Entre os “agrados”, estaria até um espadim para os sargentos, além do aumento da pomposidade nas formaturas e muitos outros acenos no sentido de agradar os militares da ativa.

Um militar da reserva afirmou que as baixas patentes estão incomodadas com a entrada de oficiais no governo, principalmente no Palácio do Planalto. Estariam também ressentidas com a aprovação do Projeto de Lei 1645, que mudou as regras da previdência para os militares.

A insatisfação também tomou conta da reserva, que ficou com remunerações bem menores em relação a quem permanece em serviço. Graduados na reserva só chegam a 45% de habilitação sobre os soldos agora, enquanto quem está na ativa pode chegar até 73%.

Além disso, a PL instituiu somente para oficiais generais uma gratificação de representação que não alcança o restante das patentes mais abaixo.

Há gente na caserna que acusa o comando do Exército de ter distribuído condecorações não só para o relator do PL 1645 na Câmara dos Deputados, como também para diversos parlamentares, como forma de “comprar” votos.

Na verdade, quem está incomodada com a “politização” das Forças Armadas é a própria tropa, que vê como indevida não só a infiltração de militares no Planalto, mas também em gabinetes de ministros do STF e de parlamentares no Congresso Nacional.

Isso vem provocando uma crise de representatividade, uma vez que as patentes mais baixas enxergam que a cúpula militar está trabalhando apenas em benefício próprio.

Eles também estão incomodados com a subserviência dos generais ao presidente Jair Bolsonaro, que segundo eles “impõe constantes humilhações para a família militar”.

Um artigo do site Portal Militar, um de vários blogs da rede de comunicação das patentes mais baixas, na ativa e na reserva, chamou o presidente de “Bolsonero”, criticando de forma bem dura a participação de generais e outras patentes superiores dentro do governo. É comum encontrar críticas em blogs e sites ligados aos militares de graduações mais baixas.

Essa semana os militares fizeram seguidas manifestações para afirmar que não fazem parte do governo. Notas, entrevistas, falas em eventos. Finalmente perceberam que entraram numa canoa furada e que já está saindo mais caro do que imaginavam.

E quando o Ministério da Defesa precisa emitir uma nota (assinada pelos comandantes das três forças) afirmando não serem políticos, enquanto as Forças Armadas possuem mais de seis mil militares em cargos civis do governo Jair Bolsonaro, ao custo de constantes humilhações e fustigação da sua credibilidade, os militares dão o atestado que faltava para confirmarem a politização das instituições como um todo.

Logo, a nota é para a tropa.