Recentes mudanças na sociedade chinesa: Liderança e gestão política do PCCh – Por Alessandro Golombiewski

Desde que assumiu o poder em 1949, o PCCh tem conduzido a nação a transformações profundas, envolvendo o processo de reforma e abertura econômica, com ênfase no desenvolvimento do chamado “socialismo com características chinesas”

Foto: Politburo da China (Xinhua/Reprodução)
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Tenho observado com extrema curiosidade um elevado interesse, no Brasil, da mídia e da academia pelas atuais questões políticas chinesas. Entretanto, a maioria das análises apresentas ou são enviesadas ou são muito teóricas, o que faz com que os leitores e os telespectadores tenham dificuldade em entender como a China é e como ela funciona.

Neste artigo, quero apresentar a você uma das transformações que estão ocorrendo na sociedade chinesa e que impacta de maneira significativa nessa sociedade, despertando o interesse mundial. Trata-se do modelo de gestão e de governança política que a China adota. Para isso, consideremos o ano de 2021, pois esse foi um ano especial para os chineses, no qual se realizou o 100º aniversário da fundação do Partido Comunista da China.

Desde que assumiu o poder em 1949, o PCCh tem conduzido a nação a transformações profundas, envolvendo o processo de reforma e abertura econômica, com ênfase no desenvolvimento do chamado “socialismo com características chinesas” e que refletem no sonho chinês.

Essas transformações afetaram significativamente a totalidade da sua estrutura socioeconômica. De certo modo, isso funciona como um instrumento de reflexão e referência para novos caminhos no enfrentamento dos nossos problemas socioeconômicos cotidianos.

Tudo começa com a estrutura política chinesa idealizada pelo Partido Comunista Chinês (PCCh), cujos membros — hoje, eles são aproxidamente 95 milhões — incluem funcionários públicos, militares, agricultores, trabalhadores e empregados de empresas estatais que, em 1982, promulgou a atual Constituição, separando o Partido do Estado, de tal modo que o PCCh não interfere nas decisões diárias do governo, porém, atua diretamente nas linhas estratégicas do país.

Nessa nova Constituição, determinou-se que todas as instituições estatais ficassem subordinadas ao Congresso Nacional do Povo (CNP) que é, por sua vez, “o órgão supremo do poder estatal”. Este tem o poder de reformar a Constituição e é o responsável pela aprovação de leis e pela eleição dos membros do conselho de Estado, do primeiro-ministro, da comissão militar central e dos tribunais de justiça. Em essência, o CNP possui 3.000 membros, os quais são eleitos a cada cinco anos, após a realização do Congresso Nacional do PCCh.

As cadeiras do CNP são preenchidas por meio de eleições diretas regionais, nas chamadas assembleias locais. Os representantes provinciais são escolhidos entre os membros eleitos e assim por diante, até atingir a camada superior da hierarquia, o Congresso Nacional do Povo. Todo o procedimento é relativamente controlado pelo PCCh, embora alguns candidatos independentes tenham sido eleitos para o Congresso, desde 2012. Atualmente, há nove partidos políticos na China, mas o PCCh ocupa 90% das cadeiras no CNP.

O governo, por outro lado, é comandado pelo conselho de Estado, que é dirigido pelo primeiro-ministro, o qual é responsável pela política quotidiana, mas também tem uma relação muito estreita com o PCCh. Hoje, o conselho de Estado — que se assemelha ao conselho de ministros no Brasil — possui 33 membros, dos quais 32 são membros proeminentes do PCCh. Além disso, tanto o primeiro-ministro quanto os quatro vice-primeiro-ministros são membros do Politburo.

Por sua vez, diferente do governo, o PCCh possui uma estrutura em forma de pirâmide, com membros municipais, na base, e com órgãos decisórios baseados em Pequim, no topo. De cinco em cinco anos, os comitês regionais do PCCh elegem os 2.300 delegados para o Congresso do Partido. Formalmente, esses delegados elegem o Comitê Central do Partido, composto por pouco menos de 400 membros que, por sua vez, elegem o Politburo (25 membros) e o Comitê Permanente, um pequeno grupo de sete membros no topo da hierarquia. À frente do Comitê Permanente está o Secretário-Geral do Partido, que é considerado o líder máximo do PCCh, e, neste caso, é também considerado como o presidente da China, mas tal função não existe na prática, tratando-se apenas de uma denominação próxima a do Ocidente.

Do ponto de vista prático, esse processo eleitoral tem, no entanto, dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, os líderes mais influentes do partido tendem a reunir-se antes da realização do Congresso para chegarem a acordos sobre quem deve fazer parte do Comitê Permanente e do Politburo, e, assim, estabelecem uma forte articulação política, cujas nomeações são aprovadas posteriormente pelo Comitê Central.

Em segundo lugar, a composição dos órgãos do Partido Comunista reflete o equilíbrio de poder entre as suas diferentes facções. Atualmente, existem duas grandes  facções que tem linhas distintas uma mais tradicional e outra mais reformista. A facção mais tradicional, da qual provém o atual secretário-geral Xi Jinping, acredita em uma forte participação do Estado como emulador da economia, enfatizando o desenvolvimento socioeconômico e a erradicação da pobreza, enquanto o movimento mais reformista, ao qual pertence o primeiro-ministro Li Keqiang, mostra mais preocupação com as reformas e a abertura econômica.

O Politburo é o órgão decisório mais importante da China e tem a palavra final em todos os assuntos, funcionando através de tomada de decisões coletivas. Nesse sentido, os membros do Conselho Permanente do Politburo escolhem entre si quem será o secretário-geral do Partido, o primeiro-ministro, os vice-primeiros ministros e o presidente do Congresso Nacional do Povo. Uma vez que entendemos a estrutura do governo central, bem como do PCCh, vejamos, agora, como se dá a gestão no cotidiano da China.

As mudanças locais, em nível municipal e estadual (provincial), têm tido repercussões gigantescas. A relação do sistema central com as regiões chinesas está no centro das mudanças de governança do país. Hoje, o país está dividido em  34 regiões, as quais estão organizadas na forma 23 províncias, cinco regiões autônomas e quatro cidades-estado, duas regiões administrativas especiais (Hong Kong e Macau).

Tais mudanças começaram, em 1978, com o processo de abertura econômica da nação chinesa. Foi a partir daí que se iniciou o processo de descentralização política, na qual as regiões passaram a ter autonomia tanto sobre o orçamento geral como permitiram a criação de instituições estatais (escolas, hospitais e empresas), estabelecendo uma relação quase contratual entre o estado central e os governos municipais e provinciais, os quais são, de fato, a base do desenvolvimento regional chinês.

Com relação ao modelo de gestão política, é preciso entender que a China vem aperfeiçoando essa estrutura há décadas. Do ponto de vista dos governos municipais e provinciais, há duas formas de liderança, na qual tanto o governador quanto o prefeito são escolhidos pelo voto representativo da população e aprovados pelo PCCh, enquanto o secretário-geral do Partido é escolhido pelo governo central.

Em geral, o secretário do Partido é escolhido entre os funcionários públicos que são membros do Partido através de um sistema de avaliação pública. É importante ressaltar que o sistema de serviço público nasceu nos primórdios da China e foi se aperfeiçoando com o passar dos anos. O sistema meritocrático é avançado e detalhado, e os funcionários públicos têm de cumprir metas e são avaliados periodicamente pelo seu comportamento. Portanto, é normal que haja um secretário do Partido que trabalhou, por exemplo, por mais de vinte anos no ministério de Ciência e Tecnologia ou no ministério da Saúde, e que administrara uma cidade em conjunto com o prefeito eleito.

Com relação aos mandatos, eles são de cinco anos, mas o administrador pode ser reeleito, desde que ambos cumpram os objetivos administrativos negociados entre o Congresso Nacional e os governos provinciais e municipais. Dito de outro modo, se os objetivos estabelecidos, tais como desenvolvimento social (educação, saúde e cultura), desenvolvimento econômico (infraestrutura, investimentos, geração de emprego, redução da probreza, entre outros) não forem cumpridos, seja o prefeito, o governador e o secretário do partido são trocados.

É preciso deixar claro que os ocupantes do poder executivo (prefeito, governador e secretário do Partido) recebem treinamentos ao longo de suas carreiras na gestão pública, e existe um minuncioso planejamento das necessidades de cada munícipio que definirá o perfil do secretário do Partido. Além disso, nos últimos anos, essas autoridades regionais têm recebido forte pressão para o cumprimento das metas estabelecidas.

Ainda que esse sistema não seja perfeito e apresente falhas, ele tem apresentado resultados importantes para a China. Muitos pequisadores afirmam que esse sistema funciona, pois a meritocracia é uma tradição milenar, a qual foi introduzida na cultura chinesa a partir de princípios confucianos e que criou os chamados mandarins. Na verdade, estes são nada mais que burocratas governamentais, numa tradução literal.

Entre os resultados apresentados por esse sistema está, sem dúvida alguma, os elementos positivos na erradicação da probreza extrema e no desenvolvimento econômico. Hoje, para termos uma ideia, dos sete líderes do Politiburo, seis deles já administraram cidades e estados.

E notório, também, quando analisamos a relação entre o governo central e as províncias que essas gozam de autonomia significativa, e os secretários, nomeados pelo governo central, têm um controle quase total sobre a governança local. Em termos de governos locais, podemos dividi-los em quatro níveis, dos quais dois são “maiores” e os outros dois “menores”. Os que chamo de “maiores” são as formas de governo provincial (estado) e municipal, tal como estamos habituados. As formas que chamo de “menores” pertencem a condados e vilarejos, que ainda são comuns na China, e os governantes desses locais também são eleitos pelos habitantes, mas o representante do Partido é escolhido pelo secretário da cidade.

Embora a China não seja consituída como uma federação, em muitos aspectos importantes, os governos regionais são mais “poderosos” do que os seus homólogos na maioria dos países federalistas no mundo. Está documentado que, no início deste milênio, a despesa total dos governos regionais chineses era cerca de 70% do nível nacional, representando um valor superior ao dos maiores países federalistas do mundo, como os EUA (46%), Alemanha (40%) e Rússia (38%).

Trata-se de um reflexo da abertura econômica chinesa que propiciou uma política explícita para encorajar as regiões a “enriquecer primeiro” através do desenvolvimento inter-regional. Nesse caso, várias províncias e cidades são responsáveis em conjunto por estabelecer acordos de cooperação com o intuito de auxiliar outras regiões menos desenvolvidas. Por exemplo, a região de Futian, com capital em Fuzhou e seu centro dinamico em Xiamen já assiste desde 2016 a Região de Guangxi no sul da China fronteira com Vietnã, uma das provincias mais pobres da China e já investiu nessa região mais de 1.3 bilhões de reais em projetos de desenvolvimentos.

Muitos acadêmicos tentam atribuir as reformas de mercado da China ao notável desempenho econômico que fomentaram em parte a descentralização política e fiscal do país. Na verdade, foi o planejamento centralizado, mas com execução descentralizada que tem estimulado as experiências de desenvolvimento e tem feito um verdadeira revolução na economia chinesa.

A revitalização rural e as políticas públicas voltadas para a erradicação da pobreza, as políticas industriais, de inovação, de infraestrututa, de educação e de saúde regionais que estão centradas nas cidades são o diferencial socioeconômico da China.

Certamente, o modelo de gestão não pode ser copiado dado as características milenares chinesas, mas, com certeza, elas podem servir de inspiração para criarmos, no Brasil, em um futuro próximo uma melhor relação entre os entes federais, estaduais e municipais, nos quais o cidadão seja o foco de nossas políticas e não as nossas instituições.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.