A realidade provavelmente estará entre a pesquisa Atlas e o Datafolha.
Bolsonaro está em seu pior momento, mas segue na ofensiva – mesmo sangrando na CPI. Não deixa de mobilizar cotidianamente sua base neofascista.
Evitar a tentação do wishful thinking. Nada indica que Bolsonaro sofrerá impeachment, muito menos que não estará no 2° turno nas eleições de 2022. Por outro lado, fica cada vez mais nítido que não há espaço para terceiras vias. Está dada a polarização entre a extrema-direita e a esquerda.
Enganam-se os que subestimam o bolsonarismo. Trata-se de um movimento político. Aliança tenebrosa entre o “partido militar”, milícias, fundamentalistas religiosos, direitistas de todos tipos. Enlaçados com o mercado financeiro, ruralistas, neoliberais de diversas cepas.
Ocorre que a candidatura Lula - nesse contexto de destruição - tende a se tornar, na prática, uma plataforma de união nacional contra o fascismo. Isso pode parecer positivo - mas carrega inúmeros riscos.
Em primeiro lugar: um terceiro governo Lula terá sido fruto de mobilizações sociais, de imensa frustração popular com o liberalismo e o neofascismo. 2022 não será 2002. O próprio Bolsonaro já avisou que a volta de Lula é o desfazimento do que ele promoveu. Não tem espaço para acenos ao grande capital.
Fim do teto dos gastos, reversão das privatizações, das reformas trabalhista e da previdência. Pressupostos do programa Lula. Será preciso remontar toda estrutura do governo federal, mudar a política econômica expandindo a base monetária, injetar recursos para gerar emprego e renda. Anunciar um novo país. E um novo modelo.
Estado, Estado, Estado. Governo, governo, governo. Políticas sociais. SUS. Renda básica. Girar tudo.
Os 100 dias: um plano ousado de reconstrução e reconfiguração do Estado e das políticas públicas. Avançar em todas as áreas ao mesmo tempo. Um governo radicalmente feminista e antirracista. Que faça a disputa ideológica e cultural: humanista, democrático, a favor da diversidade, do meio ambiente, da pluralidade, da educação e da ciência.
Vai ser preciso remontar a Petrobrás, sim – assim como retomar o protagonismo brasileiro na política externa. E vai ser preciso enfrentar o conservadorismo como um todo. Mudar a política de drogas e reorganizar as polícias. Cessar a matança e o encarceramento da juventude preta-periférica. Como canta Chico Buarque: “maconha só se comprava na tabacaria; drogas na drogaria”. Agricultura familiar financiada pelo governo federal pode produzir maconha orgânica, não só para consumo interno, mas também para exportação.
Tributar os ricos. Diminuir a força dos bancos, dos banqueiros e dos rentistas. Fazer uma bela reforma tributária. Colocar os tubarões para pagar impostos sobre suas fortunas, seus lucros e dividendos, suas terras improdutivas.
Reorganizar, democratizar e regular a mídia. Da Globo ao Google. Nenhuma democracia é possível sem uma forte legislação que coloque limites rígidos sobre os monopólios capitalistas na área de comunicação.
Reindustrialização e transição ecológica. Não temos “vocação natural” para ser uma grande fazenda, exportadora de produtos primários. Reconstruir a indústria brasileira passa por investimentos em ciência e tecnologia – no processo de descarbonização.
Novas cadeias produtivas industriais deverão estar conectadas com o futuro verde. Menos automóveis e mais transporte sobre trilhos, por exemplo. Investir no complexo industrial da saúde é um bom começo.
Não vai dar só para desfazer as maldades de Temer e Bolsonaro. Nem apenas repetir o que fizemos antes. Será preciso colocar a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar no centro das nossas políticas. Fazer do SUS o maior programa de saúde do mundo, retomando a ênfase na prevenção, chamando de volta os médicos cubanos, investindo na qualificação e valorização dos profissionais.
Resgatar do desmonte nossas universidades e toda rede pública de ciência e tecnologia. Reconstruir o Ministério da Cultura – apostando nessa explosão das manifestações periféricas e jovens e pretas, retomar os pontos de cultura, como Gilberto Gil já nos ensinava lá em 2003.
Nenhuma ilusão “republicana” desta vez.
Nossa democracia rarefeita é de um país da periferia capitalista. Não tem “Estado neutro”, nem instituições democráticas. Sistema de justiça e Forças Armadas são parte do aparato de poder das classes dominantes. Quem ganha a eleição tem legitimidade popular para dirigir e reconfigurar as instituições do Estado.
Justiça de transição. Os genocidas devem ser investigados, julgados, condenados. Crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Nesse novo governo Lula se garantirão as condições para a constituição do “Tribunal de Manaus”. O Estado brasileiro haverá de processar os genocidas e reparar as famílias vítimas da estratégia institucional de propagação do vírus realizada por Bolsonaro.
Resumindo: Bolsonaro não está a derreter e o bolsonarismo é uma praga a ser enfrentada por muito tempo ainda. A campanha Lula 2022 precisa ser um amplo movimento político-cultural. Será preciso muita luta. Criar as condições para um governo de esquerda. Lula está com força para atrair a centro-direita sem negociar o programa.
Precisamos de um novo governo Lula que além da reconstrução do país, avance na democratização radical – nas reformas estruturais. Sem qualquer ilusão ou expectativa sobre a grande burguesia.
Lula presidente!
Vamos voltar à democracia e avançar na luta socialista.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.