Não há clima para ele – Por Chico Alencar

Ninguém agride a saúde pública, a natureza e o bom senso por muito tempo impunemente.

Foto: Agência Brasil
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Nesta quinta-feira, Dia da Terra, teve início a Cúpula do Clima, chamada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Ela vai reunir, por dois dias, representantes de 40 países. Biden inverte a linha negacionista de Trump. E nessa reunião está reservado o papel de vilão para o governo Bolsonaro. A situação internacional mudou, o capitão da devastação não terá a cobertura oferecida pelo seu guru, Donald Trump, que já não é mais presidente daquele país cuja bandeira ele homenageia batendo continência.

Bolsonaro foi o 11º a falar, por três minutos. Biden já não estava presente. O responsável por tornar o Brasil um pária ambiental apresentou um festival de promessas e pediu apoio financeiro internacional. Mas não tem a menor credibilidade. E, claro, não disse que, segundo o Instituto Imazon, o mês passado, março, registrou a maior taxa de devastação na Amazônia na última década.

Tampouco dirá que sua política, conduzida pelo ministro do Meio Ambiente, o patético Ricardo Salles, enfraquece os órgãos de controle ambiental e persegue quem fiscaliza corretamente os infratores. Seu ministério tem uma só preocupação: facilitar a vida de grileiros, madeireiras e mineradoras. Tudo para "passar a boiada", como já declarou cinicamente o próprio ministro do agronegócio e de qualquer negócio lucrativo.

 Os problemas de Bolsonaro não param aí. Na terça-feira da semana que vem será instaurada no Senado a CPI para examinar a conduta do governo brasileiro diante da pandemia da Covid-19, que já matou mais 382 mil brasileiros.

Aliás, tive na quarta-feira desta semana uma ótima conversa nas redes virtuais com o combativo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre a CPI. Ele foi quem a propôs e será seu vice-presidente.

Bolsonaro fez de tudo para impedir a CPI. Nisso, foi ajudado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Para que ela fosse instaurada, foi preciso um recurso de dois senadores ao STF, pois Pacheco teimava em descumprir as determinações legais. Ela não era instaurada mesmo que as exigências previstas na Constituição estivessem dadas desde janeiro: foi requerida por 34 senadores (mais de um terço, portanto, do total), era sobre um fato determinado (a política do governo diante da pandemia) e tinha prazo certo para seu funcionamento.

Bolsonaro bem que esperneou, mas não teve como evitar a CPI. Nas palavras de Randolfe, "não adiantou o presidente ficar com raivinha do ministro Barroso, do STF, pois ele apenas determinou que a Constituição fosse cumprida". 

Depois de perder a batalha sobre a criação da CPI, Bolsonaro tentou diluir seu foco e fazer com que ela investigasse também governadores e prefeitos. Mas a manobra não vingou. Tampouco vingou o empenho do governo para controlar politicamente a CPI: a maior parte dos senadores que vão compô-la já deu mostras de que não se dispõe a participar de um jogo de cartas marcadas.

Assim, a CPI tende a ser uma gigantesca pedra no sapato de Bolsonaro. E, como disse certa vez Ulysses Guimarães, "sabe-se como as CPIs começam, mas não se pode prever como terminam".

O comportamento de Bolsonaro diante da crise já recebeu vários epítetos. "Genocida" e "criminoso" são dois deles; "incompetente" e "irresponsável" são outros, mais brandos. Esses qualificativos devem ser lembrados e reafirmados e, cada vez mais, cair na boca do povo. Afinal, o Brasil tem 2,7% da população mundial e 30% das mortes pela Covid-19.

Durante 90 dias o país vai debater a forma como a pandemia foi enfrentada. E a CPI tem instrumentos valiosos para a investigação. Pode, inclusive, convocar autoridades para depor e quebrar sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Enfim, nessa luta que se confunde com a defesa do país e de sua gente contra o retrocesso civilizatório representado por Bolsonaro, tudo indica que o medíocre e perverso ocupante da Presidência terá dias muito difíceis pela frente.

Ninguém agride a saúde pública, a natureza e o bom senso por muito tempo impunemente.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.